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Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

31 maio 2010

PEDAÇOS DE VIDA E DE MUNDO

Comentário a “Menino da Rua do Bagaço”

Isaac Melo*

O crítico, nas palavras de Oscar Wilde, é aquele que traduz de uma nova maneira ou em um novo material a sua impressão de beleza. É o que se pretende neste texto. A crítica, no cânone tradicional, se volta para explicar o verdadeiro sentido dos livros (linguagem, estilo, estrutura...) ou em avaliar algo que se costuma designar por “mérito literário”. Não é essa a pretensão aqui, até porque nos falta competência para tal. Se apreendermos o desdito, aquilo que é dito aparecerá por si só. Antes da obra interessa-nos o poeta, antes do poeta, o seu ato criador.

O Acre esconde um passado literário expressivo com cronistas, contistas, poetas, romancistas... que extrapolaram as fronteiras amazônicas e por força de seus escritos irromperam no cenário nacional. Mas, quando muito se fala no passado tende-se a negligenciar o presente. Hoje é necessário que se diga que a produção literária, no Acre, se acentua cada vez mais. Que dizer de um Sílvio Martinello com seu “Corações de Borracha”, de um Clodomir Monteiro com seu “Derroteiro de Rotinas”, uma Florentina Esteves com “O Empate”, um Moisés Diniz com seu “Santo de Deus”... para citar os primeiros que me acorrem a memória. São obras, sobretudo, que ampliam as perpectivas para a formação de uma literatura que extrapole as fronteiras do regionalismo, embora, sem deixar, necessariamente, de absorver elementos regionais. Novos tempos pedem novas formas de se escrever.

Ainda recente veio a lume “Menino da Rua do Bagaço” (Rio de Janeiro: Publit, 2009) sem grandes alardes e modestamente, tal qual seu autor, José de Anchieta Batista. E, nesse sentido, recordo Milan Kundera que dizia que os romancistas que são mais inteligentes que suas obras deveriam mudar de profissão. É o que penso em relação aos poetas. O chão que pariu Anchieta Batista já pariu outros José’s ilustres como José Lins do Rego e José Américo de Almeida. Filho de Teixeira, o menino serelepava pelo chão árido do sertão até um dia resolver buscar os verdes mares. Entre idas e vindas, outro sertão, agora d’água, lhe cruza o caminho, é o Acre onde resolve aportar e no qual permanece até hoje. Foi professor durante anos, presidente de diversas estatais e secretário de estado de administração. O atual Diretor-Presidente do Instituto de Previdência do Acre é na verdade um exímio poeta, que ao juntar pedaços de vida e de mundo fez com eles uma singular poesia.

Menino da Rua do Bagaço não é fruto do ardor literário juvenil, já é obra amadurecida, embora sabendo que esta obra madura seja expressão do menino que nunca morreu no poeta. Não é preocupação do poeta fazer um mergulho às profundezas existenciais nem escalar os altos píncaros em busca da verdade. Antes vai à vida, à infância, ao amor, aos causos. Escreve o que sente, sente o que vive.

O livro apresenta, sobretudo, os seguintes esquemas de rimas: 1-2/3-4; 1-3/2-4; 1-4/2-3... Grosso modo, se poderia enfeixar Menino da Rua do Bagaço em três temáticas principais. O primeiro com poemas que faz um movimento memorialístico às reminiscências: “Mas que bom que voltasse o tempo antigo / E eu voltasse de novo a ser menino”. O poeta revisita o cenário em que nasceu e cresceu, faz referências a lugares, como o Rio do Peixe, e a fatos que lhe ocorreram na tenra idade. Não se trata de saudosismo, é antes, a saudade tal como ela é: “É um rio que nunca seca nas saudades que há em mim”.

No segundo momento, aparecem os poemas de cunho social, com mordaz crítica às injustiças sociais, à classe política e aos usurpadores da religião. O grito é de alerta, de revolta e não de desespero: “Que tempo nos sobrará, / para nos nossos anseios / ainda ouvir os gorjeios / de um último sabiá?”. Longe de professar o ateísmo o poeta lança seu grito contra aqueles que se utilizam da religião a seu bel-prazer e acabam deturpando as diversas práticas religiosas e a própria imagem de Deus. Por isso, o poeta confessa: “Já não tenho mais medo de Deus” e o Deus ameaçador e castigador da infância cede lugar a um Deus mais humano, à luz de um homem maduro: “O Cristo só me serve de exemplo enquanto homem. Eu não posso imitar um Deus”.

Poemas que retratam o Acre encerram o conjunto dos temas principais. Aqui o poeta narra fatos da política acreana, situações cômicas, etc. muitos dos quais registrados em certo jornal da época. Destacam-se, nesse sentido, os textos em prosa, permeados de humor e ironia, como é o caso de “Doutor Honoris Causa”.

Não há verdadeiro poeta sem sua amada. Se Dante imortalizou Beatriz em suas páginas, Anchieta Batista o faz em relação à Glads, esposa amada. Pois, em seus versos, o amor é praticamente sinônimo de vida: “Eu sinto que amo! / Eu sinto que vivo!”. É esse amor-matriz que o move a outros amores, que lhe dá a sensibilidade de poeta e o olhar crítico sobre o mundo.

O poema “O adeus do gari”, um dos poemas mais profundos que já li, justamente por desnudar de forma tão humana, verdadeira e sem enfeites o destino de um homem, pode ser entendido como uma metáfora da própria condição humana. Não é um apelo social, é uma indagação pela nossa própria humanidade, se é que ainda a temos: “E em busca do lixo, / Morreu na avenida... / Levando os seus sonhos, / Partiu desta lida, / Num trágico adeus / Aos lixos da vida”.

Drummond tem um verso em que diz que certos papéis são sensíveis, certos livros nos possuem, tal é o que me ocorre em relação a “Menino da Rua do Bagaço”. Desde quando ele chegou às minhas mãos percebi que não era uma obra qualquer, porque o seu autor confirma por meio de seus versos que somente o amor torna o homem necessário neste mundo. É um livro que não serve apenas ao deleite humano, mas nos restitui um pouco de nossa humanidade perdida. E, parafraseando o crítico espanhol Juan Dolent, àqueles que me disserem: “É estranho como você elogia sempre os livros de seus amigos!” O que, prontamente, respondo: “Entede-se, pois sujeitos que escrevem livros ruins não se encontram entre os meus amigos”.

*Editor do Blog Alma Acreana

30 maio 2010

LULA, O PÜTCHIPÜ´Ü DO MUNDO


*




30/05/2010 - Diário do Amazonas

Estou convencido: a recente projeção do Brasil no cenário mundial mostrou que Lula é muito mais do que “o cara”. Lula é o próprio pütchipü´u. Ele age como um pütchipü´u. Pensa como um pütchipü´u. Usa as mesmas ferramentas que um pütchipü´u. Então, ele é um pütchipü´u. Na verdade, sempre foi um pütchipü´u, mas sua pütchipü´ulidade adquire agora uma dimensão planetária. Que diabo, afinal, vem a ser o pütchipü´u?
Pera lá! Antes de qualquer explicação, deixa que eu vá logo prevenindo: não entendo chongas de política internacional. E daí? Muitos colunistas de plantão da grande mídia também não, o que não impediu, nessa semana, que pontificassem, com ar doutoral, sobre a recente iniciativa diplomática do Brasil e da Turquia no Irã. É impressionante! Os caras falam com tanta intimidade, parece até que o Obama, com quem tomam o breakfast, lhes passa informações em primeira mão. Não manifestam dúvidas, só certezas. São contundentes.

Concordaram com a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, que criticou a ação de Lula no cenário internacional. Ela acha que o acordo arrancado pelo Brasil e pela Turquia, com base – quanta ironia! - em exigências prévias da própria Casa Branca, “torna o mundo mais perigoso” porque “ajuda o Irã a ganhar tempo na execução de seu programa nuclear”. Manifestou “discordâncias sérias com o Brasil”. Cobrou do Conselho de Segurança da ONU sanções ao Irã e reafirmou a doutrina Bush de segurança, que confere aos Estados Unidos a função de meganha do planeta.

Essa é a opinião dela, lá pras negas dela. Tudo bem, ela está no seu papel. Serve ao militarismo e à indústria bélica. Quem não está no seu papel são alguns comentaristas brasileiros, que de forma subserviente embarcaram na canoa norte-americana, adotando o ponto de vista da secretária como se fosse “a verdade”. Criticaram “o erro de cálculo do Itamaraty”, sua “desastrosa política externa” e as “ambições megalomaníacas” de Lula. Debocharam do que chamam de “diplomacia da periferia”. Incorporaram o complexo de vira-lata: “Imagina, o Brasil querendo interferir nos destinos do planeta como se fosse uma grande potência nuclear!”

Se me permitem, quero discordar. Ora, se Lula e o Brasil, por essa razão, não podem influenciar a diplomacia mundial, então jornalista que nasce e reside no país do Lula está incapacitado para tecer comentários sobre política internacional, distanciado que está das fontes e do círculo de poder. Só quem pode falar é colunista do New York Times ou do Washington Post. Acontece que o poder do Lula não se apóia no canhão e na bomba atômica. Lula, em vez de rosnar como um Pitt Bull, fala como um pütchipü´u.

O dono do verbo

O pütchipü´u é um personagem fundamental na cultura dos índios Wayuu, que são conhecidos também como Guajiro, vivem na Venezuela e na Colômbia e somam atualmente cerca de 500 mil habitantes nos dois países.

O direito consuetudinário dos Wayuu parte do princípio de que os conflitos são inevitáveis em todas as sociedades e que cada uma desenvolve mecanismos para manter a ordem, a paz, a harmonia e a coesão social. Para isso, algumas sociedades criaram instituições como polícia, cadeia, tribunal, lei. Os Wayuu criaram um sistema jurídico singular onde quem se destaca é o pütchipü´u.

O grande legislador que dita as primeiras normas de vida em sociedade é um pássaro, segundo as narrativas míticas. Esse pássaro dá origem ao pütchipü´u, cuja retórica, similar ao canto das aves, busca a harmonia. O pütchipü´u é o “mestre da palavra’, o “dono do verbo”, enfim um índio sábio, especialista no manejo da linguagem. Tem a fala envolvente, convincente, sedutora e o dom da clarividência, do bom humor. Sua função é usar tais qualidades para solucionar disputas familiares e conflitos intra-étnicos.

Quando alguém se sente prejudicado, chama logo o pütchipü´u. Ele vem, analisa, conversa com as partes em lítigio, persuade, insinua, negocia, cria cenários às vezes ameaçadores sobre os possíveis desdobramentos do caso, mostrando que todo mundo pode perder. Ele não é bem um juiz que condena ou absolve. É mais um intermediário, um mediador na solução das brigas, e isso porque o sistema jurídico Wayuu não é um sistema de “justiça punitiva”, mas de “justiça de compensação”, “justiça de restituição”.

Esse sistema, do qual o pütchipü´u é – digamos assim – um “funcionário”, não está tão preocupado com as normas, que são limitadas a alguns princípios gerais. O seu foco não incide sobre a transgressão ao código, mas sobre a “origem do dano”. A intencionalidade de quem cometeu um prejuízo não é relevante, mas sim sua “responsabilidade objetiva”. A justiça se faz não para vingar e punir os culpados, mas para restabelecer a paz e o equilíbrio das relações sociais.

Por isso, a intervenção do pütchipü´u não se conclui com um “ganhador” e um “perdedor”, mas com a restauração da harmonia entre as partes em litígio. O principal é o reconhecimento do dano por parte de quem o fez e uma compensação ao prejudicado, em geral, com o pagamento de uma indenização, o que é decidido não por uma sentença imposta às partes, mas por consenso, pelo acordo através da conversa, do papo, da negociação, da conciliação, e esse é justamente o trabalho do pütchipü´u.

Dessa forma, os Wayuu consideram os conflitos sociais não como formas indesejadas de patologia social, mas como eventos cíclicos inerentes à vida comunitária, que abrem a possibilidade de recompor as relações sociais, solucionando as desavenças através do diálogo, que é - segundo Jorge Luis Borges - a mais criativa invenção do ser humano, mais importante do que a bomba atômica.

El palabrero

Nem todo pütchipü´u tem sucesso. Quando tem, o pagamento que recebe pelos serviços prestados é uma vaca ou algumas ovelhas e cabras, mas atualmente alguns deles recebem dinheiro. No entanto, o benefício maior é o aumento de seu prestígio. Há casos, porém, de fracasso, quando em vez de resolver o problema, causam mais confusão, originando novas agressões e o agravamento das hostilidades entre as partes. Aí, seu prestígio diminui.

Embora não sejam perfeitos, os procedimentos do sistema normativo Wayuu não devem ser considerados como algo rudimentar e primitivo, mas ao contrário constituem uma forma de exercer justiça que pode contribuir significativamente para o aperfeiçoamento dos sistemas legais de sociedades mais complexas. Um juiz da Venezuela, Ricardo Colmenares, autor de dois livros sobre o tema, está convencido de que o estudo do sistema normativo Wayuu pode favorecer a incorporação de formas jurídicas indígenas dentro do sistema jurídico formal.

Durante os últimos cinco séculos os Wayuu vêm aplicando o direito próprio dentro de seu território, mas de forma extralegal. Só recentemente esse direito foi reconhecido pelos dois países. Os colombianos, cuja Constituição de 1991 garantiu a autonomia dos territórios indígenas, começaram a estudar o sistema jurídico Wayuu, entendendo que o seu uso pode ser útil para a administração dos territórios.

Na Venezuela, um pluralismo jurídico tácito funciona também em território Wayuu, na medida em que num mesmo espaço social coexistem dois ou mais sistemas normativos – o direito escrito e o direito consuetudinário. Tanto lá como na Colômbia o pütchipü´u é designado pelo termo espanhol de “palabrero”, uma expressão meio ambígua que numa tradução aproximativa significa também falastrão, ou aquele que tem lábia, manha, esperteza, o que pode revelar um preconceito grafocêntrico de sociedades com escrita em relação às culturas da oralidade.

Lula, que veio do mundo da oralidade, que construiu seu saber na luta sindical e política, no trabalho, nas assembléias, nas negociações com a FIESP, no convencimento dos metalúrgicos, atuou como um sábio pütchipü´u no caso do acordo com a Turquia e o Irã, acordo conquistado - como escreveu Leonardo Boff “mediante o diálogo, a mútua confiança que nasce do olho no olho e a negociação na lógica do ganha-ganha. Nada de intimidações, de imposições, de ameaças, de pressões de toda ordem e de satanização do outro”.

Nesse caso – confirmou o próprio Lula - não tem essa história de ou dá ou desce. "Aqui ninguém dá e todo mundo desce”. Desde as lutas dos metalúrgicos do ABC, quando negociava com a poderosa Fiesp, cercado por baionetas, Lula já era um legítimo pütchipü´u. A ONU devia mesmo nomeá-lo o pütchipü´u do mundo.

P.S. 1– Espero que os eleitores do Maranhão não se deixem convencer quando Lula pedir votos para a Roseana Sarney (vixe, vixe!).

P.S. 2 – Agradeço ao antropólogo wayuu, Weidler Guerra Curvelo, autor do livro - “La disputa y La palabra. La Ley em La sociedad wayuu”, publicado em 2001. Foi de lá que retirei as informações aqui apresentadas.

Editor do site TAQUI PRA TI

28 maio 2010

ALTO ÍNDICE DE MORTES ENTRE TRABALHADORES TERCEIRIZADOS DO SETOR ELÉTRICO

Dados do DIEESE mostram que terceirização no setor elétrico precariza mão-de-obra e mata um a cada 14 dias

Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais

Mais da metade da força de trabalho do setor elétrico do país é terceirizada, e a incidência de mortes no trabalho para os terceirizados supera em três vezes a de trabalhadores próprios. Os dados são de um estudo realizado pelo DIEESE como base nos dados da Fundação Coge, uma entidade que reúne 64 empresas responsáveis por 90% da energia produzida no país.

Em Minas Gerais duas ações coletivas foram ajuizadas para coibir a terceirização na Cemig. Em 2003 o Ministério Público do Trabalho ajuizou uma ação civil pública, que foi julgada procedente em primeira e segunda instância, mas que, atualmente, aguarda decisão do Tribunal Superior do Trabalho, explica a procuradora do Trabalho Maria Helena Guthier.


A Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas do Estado de Minas Gerais ajuizou uma outra ação e obteve decisão favorável no Tribunal Regional do Trabalho em Belo Horizonte. “A diferença entre as duas ações é que o pedido do MPT é mais abrangente, implicando em medidas para prevenção dos riscos no trabalho. E quanto à terceirização, o MPT pede que um percentual maior de trabalhadores seja contratado diretamente pela empresa, discriminando inclusive os setores onde não há qualquer possibilidade de terceirização”, ressalta Maria Helena.

Segundo Argemiro Ferro, secretário de saúde e segurança do trabalho do Sindieletro-MG, o número em 2010 é de uma morte de terceirizado a cada 14 dias em Minas Gerais. “A maioria dos acidentes fatais ocorreu no Norte e Leste de Minas, onde há maior precarização da mão-de-obra”, disse. Para o secretário, esses números refletem o processo de terceirização iniciado na Cemig em 1999. “Com isso, a situação ficou mais complicada, porque esses trabalhadores não passam pelo mesmo treinamento e reciclagem que os trabalhadores próprios”, explicou Argemiro.

Em 2008, a taxa de mortalidade da força de trabalho do setor elétrico foi de 32,9 mortes por grupo de 100 mil trabalhadores. Naquele ano, a análise segmentada da força de trabalho revelou uma taxa de mortalidade 3,21 vezes superior entre os trabalhadores terceirizados em relação ao verificado para o quadro próprio. A taxa ficou em 47,5 para os terceirizados contra 14,8 para os trabalhadores do quadro próprio das empresas.

Entre as conclusões do estudo destacam-se o nível de terceirização do setor elétrico, na casa dos 58,3% da força de trabalho, e o resultado obtido com a apuração das taxas de mortalidade por acidente de trabalho, que se mostraram substancialmente mais elevadas entre os terceirizados do que as apuradas para o segmento próprio.

Informe do Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais, publicado pelo EcoDebate, 28/05/2010

27 maio 2010

Artigo discute até onde acreditar na promessa da Nestlé e de outras empresas que afirmam que não comprarão matéria-prima proveniente de áreas recém-desmatadas.

Até quando vai durar o compromisso?

No Pará, a floresta amazônica é desmatada para dar lugar plantações de soja. Empresas de cereais prometem não usar matéria-prima que contribua para o desmatamento. A promessa será realmente cumprida? (foto: Leo F. Freitas – CC BY NC SA 2.0).

A discussão acerca da responsabilidade ambiental das empresas aumenta a cada dia – assim como a pressão sobre elas por parte de ONGs ambientais. A polêmica gerada por uma campanha do Greenpeace – que denunciou o uso de óleo de dendê extraído de áreas recém-desmatadas pela Nestlé, para produzir chocolates – levou a gigante suíça a anunciar, na semana passada, uma nova política: não comprará matérias-primas cuja produção tenha provocado o desmatamento de florestas tropicais.

Nos dois meses seguintes à campanha, milhares de pessoas contataram a Nestlé para avisar que não comprariam produtos ligados à destruição de florestas tropicais. Para o Greenpeace, isso é uma vitória, e prova de que a população mundial está preocupada com a proteção ambiental. Pat Venditti, diretor da Campanha de Florestas da ONG, defende que “as empresas precisam limpar a cadeia de produção e implementar uma moratória que interrompa a destruição, e promova a proteção”.

Assim como a Nestlé, algumas empresas brasileiras produtoras de cereais e óleos vegetais se comprometeram a não comprar matéria prima de áreas recém-desmatadas. Mas é difícil não ser um pouco cético em relação a esses compromissos. Se ele será cumprido ou não é a grande questão. Essa é a principal dúvida do biólogo Felipe Costa, que expõe suas ideias a respeito no artigo “Desflorestamento: pausa para o lanche?” , publicado na seção Opinião da CH 270.
Serão os compromissos anunciados pelas empresas uma jogada de marketing?

Essa discussão está longe de acabar, pelo que se observa. Como mostrou a matéria "Amazônia: a esperança ainda está de pé", pesquisadores discutem um modelo pelo qual o mercado de carbono possa ajudar a desestimular o desmatamento. Empresas e países poderiam compensar suas emissões comprando créditos de carbono, que tornariam mais sustentável manter unidades de conservação intactas nas florestas.

Serão os compromissos anunciados pelas empresas uma jogada de marketing para fugir das obrigações quanto ao futuro do meio ambiente? Venditti garante que “o Greenpeace manterá a pressão tanto sobre o governo da Indonésia quanto sobre as indústrias que causam a devastação da biodiversidade e do clima”.

A pergunta que fica é: até quando vai durar o compromisso?

Larissa Rangel
Ciência Hoje On-line

26 maio 2010

ANIMAIS MAIS IMPORTANTES DA SAVANA AFRICANA

Nem leão, nem elefante. Segundo nova pesquisa, os animais mais importantes para o bioma africano são os pequenos cupins, que estimulam a produtividade vegetal e animal

Reis da savana

Agência FAPESP – Leões? Elefantes? Girafas? Nenhum deles. Os majestosos animais mais frequentemente associados com a savana africana não têm um papel tão importante quando o assunto é a importância para o ecossistema.

Pelo menos não tanto como a do verdadeiro rei da savana nesse caso, que é o modesto cupim. Segundo uma nova pesquisa, o pequeno inseto contribui enormemente para a produtividade do solo por meio de uma rede de colônias uniformemente distribuídas.

Os cupinzeiros estimulam de modo importante a produtividade vegetal e animal em nível local, enquanto que sua distribuição por uma área maior maximiza a produtividade do ecossistema como um todo, indicam os pesquisadores.

A conclusão do estudo, publicado na revista de acesso livre PLoS Biology, confirma uma abordagem conhecida da ecologia de populações: frequentemente são as menores coisas que importam mais.

“Não são os predadores carismáticos – como leões e leopardos – que exercem os maiores controles em populações. Em muitos aspectos, são os pequenos personagens que controlam o cenário. No caso da savana, aparentemente os cupins têm uma tremenda influência e são fundamentais para o funcionamento do ecossistema”, disse Robert Pringle, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, um dos autores da pesquisa.

Os cupinzeiros estudados no Quênia central têm cerca de 10 metros de diâmetro e se encontram distribuídos com distâncias de 60 a 100 metros entre eles. Cada estrutura abriga milhões de insetos e são muitas vezes centenárias.

Depois de observar um número inesperado de lagartos nas vizinhanças de cupinzeiros, Pringle e colegas passaram a quantificar a produtividade ecológica relativa à densidade da estrutura.

Os pesquisadores observaram que cada cupinzeiro dava suporte a densas agregações de flora e de fauna. Plantas cresciam mais rapidamente quando estavam mais próximas aos montes e as populações de animais e as taxas de reprodução diminuíam à medida que se afastavam dos mesmos.

O que os pesquisadores observaram em campo foi ainda mais fácil de perceber por meio de imagens feitas por satélite. Cada cupinzeiro se encontrava no centro de uma “explosão de produtividade floral”.

O mais curioso é que essas manifestações de produtividade são organizadas, distribuídas uniformemente como se fossem as casas de um tabuleiro de xadrez.

O resultado é a formação de uma “rede otimizada de plantas e animais intimamente ligados à distribuição ordenada dos cupinzeiros”, segundo Pringle.

Os cientistas estão estudando os mecanismos que levam à distribuição centrada nos cupinzeiros. Uma suspeita é que os cupins distribuem nutrientes, como fósforo e nitrogênio, que beneficiam a fertilidade do solo.

“Cupins costumam ser vistos como pragas e ameaças à produção agrícola, mas a produtividade – tanto em cenários selvagens como dominados pelo homem – pode ser muito mais intrincada do que se estimava”, disse Pringle.

O artigo Spatial Pattern Enhances Ecosystem Functioning in an African Savanna (PLoS Biol 8(5): e1000377.doi:10.1371/journal.pbio.1000377), de Robert Pringle e outros, pode ser lido em http://biology.plosjournals.org.

25 maio 2010

MORTALIDADE INFANTIL NO BRASIL EM QUEDA

Artigo aponta significativa redução de mortalidade infantil por causas evitáveis

[As ações de promoção à saúde vinculadas a ações de atenção a saúde auxiliam o declínio da mortalidade infantil em 56,5% (Foto: Jornal Vicentino)]

Agência Fiocruz - Pesquisadores do Ministério da Saúde (MS), da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de São Paulo (USP) avaliaram as tendências dos coeficientes de mortalidade por causas evitáveis em menores de 1 ano no país, ou seja, o número de óbitos que poderia não ter ocorrido por prevenção ou tratamento e pela presença de serviços de saúde efetivos. A pesquisa, publicada na revista Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz, apontou que as causas reduzíveis de mortalidade apresentaram um declínio de 37% entre os anos de 1997 e 2006. Os dados ainda indicaram que a mortalidade por adequada atenção ao parto diminuiu em 27,7% e por adequação às necessidades do recém-nascido em 42,5%. No entanto, no que se refere à atenção à gestação, a mortalidade fetal ou infantil sofreu um aumento de 28,3%.

“O conceito de morte evitável parece apropriado para o monitoramento e avaliação dos serviços de saúde, uma vez que a mensuração de indicadores de causas de morte evitáveis beneficia-se da objetividade, da oportunidade, da facilidade e da disponibilidade continuada dos dados, permitindo, por exemplo, análises de tendências temporais e comparações entre regiões e municípios”, afirmam os pesquisadores no artigo. “Os resultados permitiram observar que houve uma atuação positiva dos serviços de saúde no perfil de mortalidade infantil do país”.

A análise, que teve como base o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informação de Nascidos Vivos (Sinasc), mostrou que no grupo de causas reduzíveis por ações de imunização houve uma redução de 75% de mortes no período estudo. As ações de promoção à saúde vinculadas a ações de atenção a saúde auxiliam o declínio da mortalidade infantil em 56,5%. As doenças infecciosas, causas que mais contribuem para este último grupo, contribuíram em sua redução em 66,5% para a diminuição do coeficiente de mortalidade.

“Houve uma redução de 47,7% do coeficiente de mortalidade das causas reduzíveis por ações adequadas de diagnóstico e tratamento. As causas que mais contribuem com esse grupo são as pneumonias com redução de 52,7% do seu coeficiente específico de mortalidade”, comentam os pesquisadores. Além disso, eles acrescentam que, no mesmo período de análise no Brasil, as demais causas de morte infantil que foram consideradas como não evitáveis mostraram certa estabilidade.

No se refere ao aumento do número de óbitos infantis por conta de complicações maternas da gestação, os pesquisadores destacam que, entre tais complicações, uma importante especial deve ser dada à hipertensão e à eclampsia, que em grande parte poderiam ter sido melhor manejadas no pré-natal. “Estas afecções se constituem nos principais fatores de risco para mortalidade neonatal precoce”, dizem os estudiosos. “A ampliação do acesso à atenção pode ter resultado na melhor identificação desses óbitos, porém esta ampliação mostrou-se insuficiente para evitar a ocorrência de óbitos por essas causas”.

Com relação as diferentes dos coeficientes de mortalidade por causas reduzíveis segundo as regiões do Brasil, a redução mais acentuada se deu no Sudeste (42%), seguida pelo Centro-Oeste (36,5%) e pelo Nordeste e Sul, empatadas com 32,4% no período de 1997 a 2007. No Norte, a redução foi mais discreta no mesmo período analisado (28,6%).

24 maio 2010

DEPUTADA PERPÉTUA ALMEIDA: "ME ENGANA QUE EU GOSTO"...OPS...QUERIA DIZER: "ME ENGANA QUE EU VOTO"

Ao propor ajuda financeira do governo federal aos acreanos em faculdades particulares bolivianas - onde não existe um rigoroso sistema de admissão - Perpétua Almeida despertará questões embaraçosas para ela e os estudantes: "com tantas faculdades de medicina pelo Brasil oferecendo milhares de vagas anualmente, porque alguém iria cursar medicina na Bolívia?"

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Votei por duas vezes na Deputada Perpétua Almeida (PC do B-Ac) e confesso que estou me decepcionando com a forma como ela tem administrado o mandato que ajudei a dar a ela. Tenho observado uma série de atitudes por parte da parlamentar que a nivelam aos políticos tradicionais e oportunistas. Foi assim com a questão dos soldados da borracha, dos mototaxistas e dos 'supostos' contaminados pelo DDT.

Neste final de semana, por exemplo, ela fez publicar na imprensa local nota afirmando que vai "verificar a possibilidade do governo federal criar uma linha de crédito específica para estudantes brasileiros no exterior". A razão da iniciativa são as centenas de acreanos que cursam medicina em faculdades privadas bolivianas. Apenas em Cobija são cerca de 500 acreanos matriculados na universidade de medicina local.

O oportunismo da deputada reside no fato de que todos sabem - incluindo ela - que o Governo brasileiro não financia estudos de graduação para brasileiros em faculdades particulares no exterior. Aliás, é bom que se esclareça que quem costuma pagar para seus habitantes frequentarem as melhores faculdades de graduação - e apenas as melhores - do exterior são aqueles potentados árabes, que vivem do petróleo.

Por que o Brasil, um país que ainda abriga milhares de miseráveis, iria ser perdulário nesse quesito? E ainda mais em medicina, área onde o país conta com faculdades de excelente qualidade?

A CAPES e o CNPq, que administram a maior parte dos recursos públicos voltados para a formação e capacitação de brasileiros no exterior, por exemplo, apóiam pessoal de nível médio ou superior em atividades acadêmicas no exterior apenas para fazer treinamentos muito especializados, ou cursar mestrados ou doutorados em áreas nas quais o país ainda é deficiente ou em casos em que não existe formação acadêmica similar no país.

Diante disso, porque a deputada 'promete', em pleno ano eleitoral, que vai verificar a possibilidade do governo criar uma linha de crédito para quem estuda na Bolívia?

Qual a justificativa? Para mim nenhuma. Não vejo outra razão que esteja movendo a deputada que não seja o interesse em votos em um ano eleitoral.

Façam as contas: multipliquem 500 estudantes acreanos em Cobija por 3-4 familiares e temos um potencial de 1500-2000 votos. Não reelegem a deputada, mas ajuda um bocado. Especialmente agora que o seu esposo, o Deputado Estadual Edvaldo Magalhães (PC do B), precisa de todo e qualquer voto para se eleger para o Senado.

[Se você leitor fizer um exercício do potencial de votos para os casos dos mototaxistas, soldados da borracha, e outras causas de 'grande apelo popular' dá para ver que Deputada pode se considerar reeleita com folga]

Se a Deputada for mesmo articular a busca de recursos públicos para apoiar os estudantes acreanos que cursam medicina em faculdades particulares da Bolívia, corremos o risco de sermos ridicularizados mais do que já somos.

Traduzindo: o ensino público no Acre ainda é reconhecidamente deficiente, apesar dos avanços recentes na educação básica.

Ao propor ajuda financeira do governo federal aos acreanos que estudam em faculdades particulares bolivianas - onde não existe um rigoroso sistema de admissão - a Deputada despertará nos seus interlocutores questões básicas, mas embaraçosas para ela e para os estudantes que poderiam ser beneficiados:

- Ué, com tantas faculdades de medicina pelo Brasil oferecendo milhares de vagas anualmente, porque alguém iria cursar medicina na Bolívia? Não conseguem passar no vestibular?

Além disso, ela teria que contra-argumentar questões igualmente complicadas:

- Se for para incentivar a formação de um número maior de médicos no país, não seria melhor criar uma linha de crédito para apoiar todos os estudantes que fossem aprovados nos vestibulares de medicina de todas as faculdades do país - públicas e privadas?

- Porque investir recursos do país em faculdades estrangeiras de qualidade duvidosa visto não serem avaliadas como as nacionais?

21 maio 2010

LIVRO FLORA DE PALMEIRAS DO BRASIL

...o livro FLORA BRASILEIRA: ARECACEAE (PALMEIRAS)...descreve todas as espécies de palmeiras nativas do Brasil...todo impresso em papel couchê liso...com 384 páginas ricamente ilustradas com mais de 1.000 fotografias coloridas, e está sendo lançado com uma tiragem inicial de 10.000 exemplares

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Leitores do Blog Ambiente Acreano, nos sentimos honrados e temos o prazer de informá-los que foi lançado no início deste mês de maio o livro FLORA BRASILEIRA: ARECACEAE (PALMEIRAS), que desecreve todas as espécies de palmeiras nativas no território brasileiro.

Trata-se de um livro luxuoso, todo impresso em papel couchê liso 115 g, tamanho 31 x 21 cm, com 384 páginas ricamente ilustradas com mais de 1.000 fotografias coloridas, e que está sendo lançado com uma tiragem inicial de 10.000 exemplares.

Os autores do livro são: Harri Lorenzi, este modesto pesquisador que vos escreve, o Dr. Larry Noblick (Montgomery Botanical Garden-USA) e o Dr. Francis Kahn (IRD-França).

O livro é resultado de muitos anos de pesquisas e para a sua publicação tive o prazer de viajar pelos rincões mais distantes da Amazônia brasileira em busca das espécies mais raras.

O livro é também o primeiro volume de uma série que abordará as famílias botânicas brasileiras mais importantes, um trabalho que está sendo coordenado por Harri Lorenzi.

Quem lê o livro não imagina as dificuldades que enfrentamos para registrar em fotografia as espécies apresentadas no mesmo.

Muitas vezes algumas espécies só podiam ser encontradas em lugares distantes, quase impossíveis de chegar. E em alguns casos ao encontrar a palmeira ela estava sem frutos - condição indispensável para fazer o registro da mesma. As despesas com as viagens foram altas...e mesmo com um planejamento bem feito, a natureza sempre que podia pregava uma ou outra peça na gente...

Quando não era possível alcançar as espécies a partir do território brasileiro, visitamos países vizinhos. Nossa busca pela espécies Itaya amicorum e Pholidostachys synathera nos levaram a realizar uma inesquecível viagem pela Amazônia peruana, ao longo da fronteira com o Brasil.

Outra viagem inesquecível foi à região de Barcelos, no médio rio Negro, Estado do Amazonas, em busca da rara 'piassabarana' Barcella odora. Além de ser o paraíso da 'piaçava' Leopoldinia piassaba, Barcelos é a referência para quem quer encontrar B. odora, e onde esta palmeira pode ser encontrada com relativa facilidade - se o guia for honesto o bastante. No nosso caso, para chegar à palmeira, viajamos de 9 h até as 17 h - em voadeira com motor a gasolina - para encontrar uma pontinha de terra firme com uma diminuta população da espécie. Ficamos no local menos de 10 minutos para fazer a foto e retornamos. Ironia do destino: alguns anos depois, Harri Lorenzi encontrou uma população imensa da espécie à margem da rodovia Manaus-Boa Vista.

Aos acreanos posso garantir: o paraiso das palmeiras no Brasil fica na região da Serra do Môa. Imaginem que em um único dia encontramos ao longo de um varadouro próximo à serra 10 gêneros e mais de 15 espécies de palmeiras.

Temos muitas histórias para contar sobre estas viagens...mas enquanto isso, conclamo os fanáticos por livros, botânica e palmeiras a adquirir o livro.

Os interessados podem solicitá-lo diretamente na Editora Plantarum, que está fazendo uma promoção de lançamento: os pedidos recebidos até o dia 30 de maio de 2010 não pagarão as despesas de envio, saindo cada exemplar por apenas R$ 110,00.

As características técnicas do livro são as seguintes:

- Tamanho 31 x 21 cm;
- Encadernação em capa dura e impressa em 4 cores;
- Mais de 1000 fotografias coloridas;
- Cerca de 300 espécies abordadas (1 a 3 páginas para cada espécie);
- Número total de páginas: 384;
- Totalmente impresso em papel couchê liso 115 g;
- Peso aproximado de cada exemplar: 2 kg.

Estamos fazendo esforços para ver se é possível fazer o lançamento do livro em Rio Branco no próximo mês de junho.

20 maio 2010

PACIENTE MENTAL NO ACRE NÃO USA CAMISA DE FORÇA, USA ALGEMA

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Alguns amigos já tinham alertado para o fato. No Acre, e em Rio Branco especialmente, quando uma pessoa tem uma crise derivada de enfermidade mental o tratamento dado a ela é o mesmo de um bandido: algema.

Na foto ao lado um desses doentes sendo levado para o hospital mental da cidade algemado. A matéria foi publicada no site "sanguinário" Ecos da Notícia.

Acreditamos que esse tratamento desumano e constrangedor para o doente e seus familiares só é praticado no Acre.

Tenho um amigo que vive esse drama com um familiar. E agora eu entendo porque, durante as crises, ele se recusa a apelar para o poder público fazer a remoção do seu parente para o hospital. Se ligarem para a unidade médica pedindo ajuda, a resposta é quase sempre a mesma:

- Não temos pessoal e 'viatura' para atender o chamado. Liguem para a polícia!

E quando a polícia vem, o risco de vida para todos é maior, pois policial é treinado para combater a ação ilegal de criminosos. O risco de vida é grande para pacientes e familiares se policiais armados assumirem a responsabilidade pelo serviço.

Desde quando crise de paciente mental é caso de polícia? No Acre certamente é algo corriqueiro nestes últimos anos.

Digo isso porque enquanto doentes mentais são transferidos para as unidades de saúde escoltados por policiais armados, os cachaceiros que se envolvem em acidentes de trânsito em função do excesso de álcool nos finais de semana são transportados para as unidades de atendimento de emergência em modernas UTIs móveis (SAMU) assistidos por médicos e enfermeiros altamente treinados para garantir que os irresponsáveis cheguem são e salvos ao destino final.

Tem algo muito errado nisso tudo. Eu consigo ver. Mas os administradores da saúde pública acreana parece que não.

Quando é que aprenderão que para melhorar o atendimento em saúde pública não bastam apenas edificações bonitas e modernas?

Tratamento digno é fundamental.

19 maio 2010

ERRADICAÇÃO DA TUBERCULOSE CADA VEZ MAIS DISTANTE

Artigo na The Lancet destaca que se ritmo atual de queda nos casos de tuberculose no mundo se mantiver, o objetivo da ONU de eliminar a doença até 2050 não será alcançado

Erradicação em risco

Agência FAPESP – No período entre 1995 e 2008, 36 milhões de pessoas foram curadas da tuberculose, com cerca de 6 milhões de vidas salvas. Mas o cenário da doença no mundo ainda está longe do desejável, uma vez que ela ainda provoca em torno de 1,8 milhão de mortes por ano.

O impacto é maior nos países mais pobres, nos quais a tuberculose é uma das principais causas de óbito entre a população economicamente produtiva, destaca artigo publicado na The Lancet, o primeiro de uma série de oito sobre a doença a ser publicada pela revista médica.

Assinado por Mario Raviglione, do Departamento Stop TB da Organização das Nações Unidas (ONU), e colegas, o texto aponta que em 2008 o mundo ainda tinha cerca de 11 milhões de casos ativos de tuberculose, dos quais 95% se encontavam em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.

Os pesquisadores descrevem o impacto mundial provocado pela doença e o que pode ser feito para que ela seja erradicada até 2050, um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos pela ONU. O objetivo de acabar com o crescimento da doença e reverter sua incidência foi atingido em 2004, mas, segundo os autores do artigo, ainda há muito a ser feito nas próximas décadas.

De acordo com Raviglione e colegas, os medicamentos disponíveis atualmente são capazes de curar a maior parte dos casos de tuberculose e tal intervenção é altamente eficaz com relação ao custo envolvido, levando a ganhos econômicos de até dez vezes o despendido no tratamento.

Os pesquisadores destacam que a rápida padronização no diagnóstico e no tratamento da tuberculose, conforme recomendada pela Organização Mundial de Saúde, teve um efeito altamente positivo no combate à doença.

Mas o declínio atual da incidência é de menos de 1% ao ano e, caso seja mantido, segundo os autores do artigo, a meta de diminuir pela metade, até 2015, as taxas de prevalência e morte verificadas em 1990 será atingida em algumas regiões, mas não em todas.

Para Raviglione e colegas, a conclusão é que atingir a erradicação da tuberculose em 2050 não será possível com as abordagens e tecnologias disponíveis atualmente para o combate da doença.

Segundo eles, as taxas de diagnóstico da tuberculose precisam ser melhoradas substancialmente, com os casos sendo identificados muito antes do que ocorre atualmente. Outra medida sugerida é o aumento da sinergia do tratamento da tuberculose com o de outras doenças, como a Aids.

A coinfecção de HIV e tuberculose é um grande problema, especialmente na África, mas dos cerca de 1,4 milhão de pessoas que os cientistas estimam ser portadores dos dois, apenas 357 mil (menos de 25%) foram identificados em 2008.

A presença do HIV aumenta o risco de contrair tuberculose em mais de 20 vezes. Desnutrição, fumo, diabetes e abuso de álcool podem (cada um dos fatores) aumentar o risco em três vezes.

Vinte e dois países, entre os quais Brasil, China, Índia e África do Sul, respondem por 80% dos casos de tuberculose no mundo.

“Acelerar o declínio atual rumo à erradicação da tuberculose exigirá ações vigorosas em quatro áreas principais: melhoria contínua do diagnóstico inicial e do tratamento apropriado em conformidade com a Estratégia Stop TB; desenvolvimento e fortalecimento de políticas arrojadas nos sistemas de saúde; estabelecimento de ligações com as agendas de desenvolvimento dos países; e promoção e intensificação da pesquisa”, destacaram os autores.

O artigo Tuberculosis control and elimination 2010–50: cure, care, and social development (DOI:10.1016/S0140-6736(10)60483-7), de Mario Raviglione e outros, pode ser lido por assinantes da The Lancet em www.thelancet.com.

Mais informações sobre tuberculose: www.stoptb.org.

(Foto: Stop TB)

18 maio 2010

UM MOMENTO

Antonio Alves
Blog Tempo Algum

Tudo é tão indizível que acaba em silêncio. E essa gente toda, nós outros, tagarelando feito doidos. Se ao menos não tivesse essa friagem, esse vento seco e esse céu de um azul tão limpo, talvez as palavras servissem como embalagem para as coisas sólidas e quentes, coisas densas que impusessem sua existência inevitável e dolorosa. Mas o princípio do verão amazônico é de uma alegria luminosa, como se Deus, descalço, pisassem em folhas.
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Um inventário do silêncio registra: vizinho varrendo o quintal, filhotes de cachorro brincando, crianças correndo, ônibus que passa, periquitos no coqueiro, mãe chamando filho para tomar banho, o martelo de alguém que conserta uma escada, alguma música incidental num rádio distante. Cabe mais, talvez, tudo a seu tempo.
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Cabe ouvir.

17 maio 2010

DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DE PALMEIRAS EM FRAGMENTOS DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL RAIMUNDO IRINEU SERRA, RIO BRANCO, AC.(1)

Anelena Lima de Carvalho (2), Evandro José Linhares Ferreira (3, 4), Joanna Marie Tucker Lima (5)

Introdução

[Foto de uricuri Attalea phalerata, a espécie de palmeira mais abundante da APA Irineu Serra]

As palmeiras apresentam ampla distribuição nos trópicos e subtrópicos, onde são um dos mais abundantes e diversos grupos de plantas nas florestas úmidas Neotropicais. Exibem hábitos variados, desde estipes subterrâneos e de pequeno porte até formas arborescentes, sendo raramente trepadeiras, com ou sem espinhos. Em plantas, os indivíduos de uma espécie ou população podem se distribuir ao acaso em intervalos regulares ou formar agrupamentos localizados. Assim, no estudo do arranjo espacial de plantas em populações naturais é costumeiro distinguir três padrões básicos de distribuição: aleatório, agregado ou agrupado e regular ou uniforme. Isto se deve a causas intrínsecas, próprias de cada espécie, ou extrínsecas, influenciadas por fatores ambientais, ou a ambas. Existe uma generalização de que a maioria das espécies tropicais arborescentes ocorre, quando atinge a maturidade, em densidade muito baixa e com padrão espacial uniforme. Mesmo nos casos em que se apresentam agrupadas devido a dispersão das sementes, o agrupamento tende a decrescer em florestas maduras. No presente estudo, foi investigado o padrão de distribuição espacial das palmeiras em função do estádio de desenvolvimento das plantas em fragmentos de floresta primária e secundária.

Metodologia

O estudo foi realizado na Área de Proteção Ambiental Raimundo Irineu Serra (APARIS), que possui área total de 843 hectares e está localizada em Rio Branco, Acre. A APARIS apresenta apenas 30% de sua área coberta por vegetação florestal, em grande parte florestas secundárias em diferentes estádios de recuperação e uma pequena mancha de floresta primária. Para este estudo foram selecionados três fragmentos de floresta secundária com idade média de 7,5, 27,5 e 37,5 anos, e um fragmento de floresta primária. Em cada fragmento foram instaladas, de forma sistemática, cinco parcelas de 20 x 20 m (400 m²), distribuídas alternadamente ao longo de um transecto de 100 m. Todas as palmeiras foram contabilizadas e identificadas. Elas foram divididas em duas classes: jovens, que inclui plântulas e indivíduos imaturos, e adultos em estádio reprodutivo. Os jovens foram divididos em 3 classes de tamanho e os adultos em 2 classes. A análise da distribuição espacial foi determinada mediante a aplicação do índice de Payandeh (Pi), onde Pi<1 5 =" tendência">1,5 = distribuição agregada ou agrupada. Os dados foram tabulados em Microsoft Office Excel 2007 e analisados no programa Mata Nativa 2.0.

Resultados

[Tabela 1 - Índice de agregação das palmeiras jovens da Área de Proteção Ambiental Raimundo Irineu Serra, Rio Branco – AC]

Foram identificados 1.034 indivíduos, classificados em 19 espécies e 12 gêneros. Uma análise das espécies mais representativas nas áreas demonstrou o seguinte resultado: a espécie uricuri Attalea phalerata apresentou distribuição agrupada quando jovem em todas as áreas estudadas e os adultos apresentaram tendência ao agrupamento nas áreas de floresta secundárias e distribuição não agrupada na área de floresta primária.

[Tabela 2 - Índice de agregação das palmeiras adultas da Área de Proteção Ambiental Raimundo Irineu Serra, Rio Branco – AC]

Murmuru Astrocaryum ulei apresentou distribuição do tipo agrupada quando jovem em todas as áreas enquanto os adultos apresentaram distribuição não agrupada nas áreas de floresta secundária. Bacaba Oenocarpus mapora apresentou distribuição não agrupada quando jovem na área de floresta secundária e agrupada na área de floresta primária, os adultos apresentaram distribuição não agrupada na área de floresta secundária. Açai Euterpe precatoria apresentou distribuição agrupada quando jovem e não agrupado quando adulto na área de floresta primária. A espécie paxiubinha Socratea exorrhiza apresentou distribuição do tipo não agrupada na área de floresta primária. As espécies do gênero Bactris apresentaram distribuição não agrupada quando jovem em todas as áreas, e os adultos apresentaram distribuição não agrupada na área de floresta secundária.

Conclusão

O padrão de distribuição espacial da maioria das espécies de palmeiras da APARIS variou com o estádio de desenvolvimento das plantas e o estádio sucessional da área. Foi verificado que a alta concentração de indivíduos nos estádios iniciais de desenvolvimento registrado neste estudo ocorre na área de influência direta das prováveis plantas parentais, sugerindo que a forma predominante de dispersão natural das sementes das espécies estudadas tem sido a gravidade. Esse fato pode ser explicado pela aparente ausência da maioria dos dispersores naturais, como roedores, que são raros nos fragmentos florestais da APARIS. Existem vários métodos confiáveis para a determinação de estimativas de densidade populacional, e todos os correntemente utilizados apresentam algum inconveniente. No caso do índice de Payandeh é importante esclarecer que a determinação do grau de agregação das espécies se baseia na razão entre a variância e a média. Apesar dessa diversidade de métodos, o entendimento da distribuição espacial das espécies também depende do conhecimento da história natural das mesmas, de dados relacionados com a taxa de mortalidade e natalidade, bem como aqueles na escala de comunidade envolvendo interações com outras espécies e efeitos de condições ambientais.

Instituição de Fomento: ZEAS/Prefeitura Municipal de Rio Branco e Secretaria Municipal de Meio Ambiente/PMRB

(1) Trabalho originalmente apresentado durante a 61a. Reunião Anual da SBPC, realizada entre 12 e 17 de julho de 2009 em Manaus-AM.
(2) Mestre em Ciências de Florestas Tropicais (INPA)
(3) Núcleo de Pesquisas no Acre do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA
(4) Herbário do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre-UFAC
(5) University of Florida, School of Natural Resources and Environment, USA.

13 maio 2010

AS PLANTAS E O TEMPO NO ACRE

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Andiroba e copaíba, duas espécies de plantas nativas da região estão apresentando um ciclo fenológico* errático. Algumas delas floresceram em janeiro, outras ainda estão em flor agora.

O mesmo se aplica a algumas seringueiras, que estão florescendo agora, em maio. Em um mesmo plantio, existem centenas de árvores sem o menor sinal de floração.

Não acho que seja o 'sinal dos tempos', mas as plantas estão deixando claro que este 2010 não vai ser como os outros anos. Não tenho a menor idéia do que está por vir, mas é preocupante. E seguramente tem a ver com o clima.

*Ciclo fenológico - se refere ao processo natural de floração, frutificação, senescência foliar (ou não) das plantas, que geralmente são regulares, acontecendo em épocas determinadas do ano. Alterações climáticas geralmente tendem a alterar a normalidade desse ciclo.

10 maio 2010

GRÉCIA, A VITÓRIA DOS MERCADOS FINANCEIROS

“A Europa de Bruxelas e do Banco Central escolheu a saída da crise com a recessão, o desemprego, a deflação salarial e não com uma estratégia keynesiana de criação massiva de empregos e de uma política européia solidária de crescimento compartilhado”.

A opinião é de Sami Naïr sobre a crise econômica na Grécia e publicado pelo El País, 08-05-2010. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Sabemos faz tempo que a globalização liberal significa em primeiro lugar a dominação dos mercados de capitais e, portanto, a fragilização da política como instância de regulação do desenvolvimento econômico e social. Também sabemos que um determinado número de grandes países (Estados Unidos; Europa, dirigida de fato pelo eixo franco-alemão e Reino Unido, Japão, e agora China, Índia e Brasil) eram vetores dessa globalização. Agora, sabemos finalmente que o mercado financeiro responsável pela crise que estamos mergulhados também é capaz de colocar de joelhos um Estado da zona do euro e que pode ameaçar outros. A Grécia é apenas o primeiro elo da corrente. Um “teste” que põe a prova a solidariedade e a capacidade da resistência européia.

O ataque contra a Grécia começou com rumores. O mesmo que se vê agora na Espanha com um rebaixamento da qualificação na bolsa da dívida espanhola. O governo espanhol tem qualificado esses boatos de “ridículos”. Esperamos que tenha razão. Mas não há fumaça sem fogo. Os dirigentes dos países do sul da Europa devem levar a sério a situação e, sobretudo, exigir uma resposta coordenada. O que está em jogo é o futuro da moeda única e não sairemos da crise sem mudar a política do euro.

Não é necessário ser um prêmio Nobel da Economia para adivinhar desde que se instaurou a moeda única que os desequilíbrios estruturais da zona do euro (principalmente a desigualdade de desenvolvimento entre os diferentes países) não aguentariam o primeiro terremoto. Mas aqueles que afirmavam isso eram taxados de anti-europeus por parte dos “bem-pensantes” liberais e conservadores. Entretanto, a responsabilidade dos que construíram esta Europa ficou agora escancarada.

A Europa não soube reagir diante da crise mundial de 2008, tampouco defender-se dos ataques contra um dos seus membros e da razão dos mercados financeiros solicitando ajuda do FMI e impondo planos de uma dureza implacável aos países que estão na mira dos investidores-especuladores. Pior ainda: ao acolher a estratégia dos planos de austeridade, a Europa desembocará numa recessão generalizada, em uma crise social duradoura cujas consequências que ninguém pode prever. Por último, atuando desse modo, a União Européia tem estimulado os mercados financeiros para que ataquem outros países.

Tomemos o caso da Grécia. O pacote de 110 bilhões de euros não adiantará nada; é muito provável que este país não conseguirá passar dos 14% atual de déficit para 3% em 2014; o empréstimo se realiza sob condições excessivas (5%, viva a solidariedade européia!); por último, a aplicação das medidas exigidas romperá o crescimento grego nos próximos três anos. Mas não acaba aí. Depois que a Alemanha vacilou durante semanas para o resgate, muitos países europeus, como por exemplo, a Eslováquia, já declararam que não aportaram recursos que prometeram se não tiverem a certeza de que o governo grego agirá com dureza.

Na realidade, a Europa de Bruxelas e do Banco Central escolheu a saída da crise com a recessão, o desemprego, a deflação salarial e não com a recuperação, a colocação em marcha de uma estratégia keynesiana de criação massiva de empregos e de uma política européia solidária de crescimento compartilhado.
O que se quer perpetuar para satisfazer os especuladores é um pacto de estabilidade responsável do desempenho endêmico na Europa; é a falta de coordenação econômica entre os membros da zona euro, deixando as mãos livres ao Banco Central, é a ausência da política fiscal comum; é por último, o aumento das diferenças de desenvolvimento entre os países da zona do euro.

Acreditamos mesmo que os países que não conseguiram superar suas diferenças de convergência com os países mais ricos, apesar dos 25 anos de transferências de fundos de coesão e ajudas de todo tipo, poderão consegui-lo agora em tempos de vacas magras? E quanto tempo levará isto? O caso da Grécia é absolutamente exemplar, em função de que apesar do duro plano europeu, os mercados financeiros se negaram a confiar no governo grego. E a moeda única continua sendo atacada. Deveria a Grécia abandonar a zona euro? Estamos assistindo ao início de uma grande batalha que apenas começou.

Artigo publicado no IHU Online

FRAGMENTOS FLORESTAIS ABSORVEM MENOS GÁS CARBÔNICO ENQUANTO CRESCEM

Um terço da mata atlântica que restou está em fragmentos de até 100 hectares

Por Nilbberth Silva
Agência USP de Notícias

Depois que sofre fragmentação, a mata atlântica passa a absorver menos carbono da atmosfera. A conclusão é de um estudo feito por brasileiros e alemães que simularam a evolução de fragmentos de florestas por até 400 anos e compararam-na com a de áreas florestais mais extensas.

Atualmente, cerca de um terço da mata atlântica está preservada em fragmentos de até 100 hectares. A distância média entre os fragmentos é de 1,4 quilômetros. Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, o bioma cobria originalmente 1.300.000 quilômetros quadrados (km²), englobando 17 estados brasileiros, mais porções do Paraguai e Argentina. Com a destruição, sobraram cerca de 20% da cobertura original.

A redução da absorção de carbono reflete-se no “peso” da floresta. A mata atlântica intocada contém 250 toneladas de biomassa por hectare (ha). Os pesquisadores descobriram que fragmentos de 100 ha, depois de 100 anos, terão 228 toneladas de biomassa por hectare, 8,8% menos. Já um fragmento de 1 ha tem uma redução de 44%, com apenas 140 toneladas de biomassa por hectare. Fragmentos com biomassa menor também têm menor variedade de espécies, pois possuem menos recursos para alimentar a fauna e menos ambientes onde animais possam habitar.

“A mata fragmentada é como uma criança doente, que não consegue engordar. Se a floresta não está bem, o acúmulo de gás carbônico é incompleto”, compara Jean Paul Metzger, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP que cooperou com a pesquisa. O estudo foi feito pelo Centro Helmholtz para Pesquisa Ambiental (UFZ), da Alemanha, em parceria com o IB.

A biomassa diminui nas áreas fragmentadas por que elas sofrem mais com as perturbações que acontecem nas bordas da mata. Nessas regiões, chega mais luz e vento e há maior perturbação externa, como pisoteamento pelo gado e entrada de fogo. As árvores maiores acabam morrendo e são substituídas por espécies que conseguem sobreviver nessas condições. Essas plantas, chamadas pioneiras, absorvem menos carbono, têm menor biomassa e morrem mais rápido.

Outra causa da diminuição da biomassa é que as partes centrais dos fragmentos podem ficar isoladas. Nesta condição, a população de plantas de maior porte desaparece mais facilmente com doenças e catástrofes naturais, como inundações. A perda de espécies acontece, mas o processo é mais lento do que aquele da borda.

Simulação

Para chegar aos resultados, os pesquisadores construíram um programa de computador e simularam como a floresta afetada pela fragmentação se desenvolve durante 100 a 400 anos. Eles alimentaram o programa a partir de um banco de dados da USP com informações sobre árvores em fragmentos de mata atlântica localizados em Ibiúna (SP) e numa área de mata com cerca de 10 mil ha em Cotia (SP), a Reserva Florestal do Morro Grande. O banco de dados detalha as espécies, números de plantas, altura, características ecológicas de mais de 7 mil árvores. O programa consegue determinar a influência de fatores externos e internos na evolução da floresta.

Imagem: Dr. Henning Steinicke,UFZ

SOM AUTOMOTIVO LONGE DA VISTA DOS LADRÕES

Projeto apoiado pelo PIPE-FAPESP desenvolve central digital de som para automóveis que fica escondida e recebe músicas de celular e tocadores MP3 por Bluetooth

Por Fábio Reynol

Agência FAPESP – Um produto desenvolvido com o apoio do Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) poderá contribuir para reduzir o furto de aparelhos de som para automóveis.

Lançado em abril no Salão do Carro e Acessórios, em São Paulo, o Moovi é um sistema de áudio que não tem visor nem botões, por isso pode ficar oculto em qualquer lugar do veículo. Trata-se de uma central que recebe sinais digitais gerados por um tocador de MP3 ou celular, por meio da tecnologia Bluetooth.

O aparelho é ligado às caixas acústicas do veículo por conexões convencionais de cabos. Celulares equipados com tecnologia Bluetooth de transmissão de dados podem reproduzir músicas arquivadas no aparelho e ainda atender ligações em viva-voz por meio do equipamento.

O Moovi começou a ser desenvolvido em 2007 com o projeto “Desenvolvimento de um transmissor e receptor digital sem fio para uso automotivo”, que deu origem à empresa Noxt, atualmente incubada no Parque Tecnológico de São José dos Campos.

“Uma das principais vantagens do equipamento é a utilização do Bluetooth, que permite a reprodução de som com qualidade”, disse Daniel Kunzler Souza do Carmo, diretor executivo da Noxt, à Agência FAPESP. “Além disso, o sinal digital não está sujeito às interferências sofridas por aparelhos que fazem a transmissão por ondas FM.”

Por estar presente em vários modelos de aparelhos celulares e em computadores portáteis, a tecnologia Bluetooth permite que esses equipamentos possam se conectar diretamente com a central de som.

No entanto, tocadores de áudio MP3 com Bluetooth são raros, o que levou os desenvolvedores da Noxt a criar um transmissor digital que pudesse ser acoplado em qualquer aparelho com saída de som.

O transmissor Bluetooth vem com um plug do tipo P2 para se conectar às saídas de áudio dos MP3 players, tocadores de DVD portáteis e qualquer aparelho que possua essa entrada para fones ou caixas de som – como telefones celulares sem Bluetooth.

Com o lançamento, a Noxt montou um catálogo com 18 produtos, 12 dos quais são equipamentos com a tecnologia desenvolvida no PIPE. “São combinações ou variações de quatro equipamentos: um transmissor universal, o Moovi, um transmissor exclusivo para produtos Apple, o iMoovi, um receptor amplificado e um receptor não amplificado, o Moovi Lite”, disse Carmo.

O receptor de sinal não amplificado foi pensado para os automóveis que já contam com sistema de som ou para quem quiser instalar um amplificador mais potente. Ele é menor e pode ser conectado aos amplificadores automotivos convencionais ou a CD-players com entrada auxiliar.

Versão doméstica

O sistema automotivo gerou uma versão para ser utilizada em sistemas domésticos. Qualquer aparelho de som com entrada auxiliar pode ser conectado por um cabo RCA à unidade de recepção do Moovi ou Moovi Lite.

“Esse ramo doméstico foi detectado por meio de um estudo de mercado promovido dentro do PIPE”, disse Carmo, que considera a versão doméstica do equipamento um fruto inesperado do projeto de pesquisa.

“A sonorização de ambientes é um mercado menor, mas que permite ter maiores margens de lucro”, disse. Segundo ele, o comércio de aparelhos desse gênero para residências não chega perto do mercado nacional de autorrádios, que comercializa cerca de 2,5 milhões de aparelhos por ano.

Como os modelos automotivos, o Moovi para residências tem uma versão sem amplificação para ser conectado às entradas auxiliares de aparelhos de som e um modelo amplificado para ser ligado diretamente às caixas acústicas. Músicas ou filmes em um notebook que possua tecnologia Bluetooth podem ser ouvidos por meio desses equipamentos.

O projeto ainda gerou quatro depósitos de patentes referentes aos sistemas de reprodução de som, de transmissão do sinal digital, de transmissão por rádiofrequência e de reprodução de áudio e vídeo e recepção móvel de TV digital.

Carmo afirma que o sistema ainda não tem similar no Brasil nem no exterior. “Trata-se de uma tecnologia voltada para evitar o furto de autorrádios, uma necessidade infelizmente comum no Brasil”, disse.

Mais informações: www.noxt.com.br

(Foto: divulgação)

07 maio 2010

SEQUENCIAMENTO GENÉTICO DE ZEBUS

Pesquisadores farão o sequenciamento genético de raças zebuínas, que representam a maioria das criações bovinas do país

Agência FAPESP – Um trabalho coordenado pela unidade Gado de Leite da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) pretende fazer o sequenciamento genético do zebu, que abrange raças bovinas que formam a maioria do plantel brasileiro.

O projeto foi anunciado durante a Expozebu, exposição agropecuária em Uberaba (MG) e envolverá também a Universidade Federal de Minas Gerais, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais, os Polos de Excelência do Leite e Genética Bovina, o Instituto René Rachou e associações de criadores.

O anúncio foi feito cerca de um ano depois da publicação na revista Science do primeiro sequenciamento genético de um bovino, pertencente à raça hereford e subespécie Bos taurus taurus.

O trabalho pioneiro foi realizado por um consórcio internacional formado por mais de 300 pesquisadores, entre eles membros da Embrapa, do Departamento de Produção e Saúde Animal da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araçatuba (SP), do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e do Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, em Assis (SP).

A hereford é uma raça de origem europeia e é da mesma subespécie das raças holandesa, jersey e pardo suíço. O novo objetivo é levantar o código genético da subespécie Bos taurus indicus, que tem origem indiana e forma as raças zebuínas gir e guzerá.

“Essa segunda subespécie tem grande importância econômica para o Brasil e países de clima tropical. São animais rústicos que se adequam melhor às regiões de temperaturas mais elevadas”, disse Rui Verneque, chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Gado de Leite.

Em 2003, a FAPESP e a Central Bela Vista de Genética Bovina deram início ao projeto Genoma Funcional do Boi, que resultou na identificação de genes que podem ser utilizados para desenvolver produtos e tecnologias para aumentar a produção bovina e melhorar a qualidade da carne, a eficiência reprodutiva dos animais e a resistência do rebanho.

Mais informações: www.cnpgl.embrapa.br

(Foto: Embrapa)

05 maio 2010

DIVERSIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO E GESTÃO TERRITORIAL EM RESERVA EXTRATIVISTA

Desafios para a diversificação do extrativismo em função da gestão territorial na Reserva Extrativista Chico Mendes, Estado do Acre*

Evandro José Linhares Ferreira (1) & Maria Aparecida Alves Pereira(2)

Introdução

A criação das Reservas Extrativistas – RESEXs em meados dos anos 80 foi resultado da reação sistemática e organizada dos extrativistas à expansão desordenada da fronteira agrícola na região norte do Brasil, ocorrida a partir do início dos anos 70. Esta expansão, baseada no estabelecimento de projetos de assentamentos agrícolas e na abertura de extensas fazendas para a criação de gado, mostrou-se inadequada tanto sob o ponto de vista social quanto ambiental.

A transformação de extensas áreas florestais onde viviam os extrativistas em áreas de plantio de culturas de subsistência e pastagem foi nociva ao ecossistema da região e teve retorno econômico questionável (D’Antona, 2000). Além disso, desencadeou conflitos pela posse da terra que, além de causar numerosas mortes violentas, resultaram em profunda divisão social no campo, opondo de um lado os extrativistas, e do outro, pecuaristas e, em alguns casos, agricultores.

Desde o princípio, o foco principal das RESEXs era o desenvolvimento sócio-econômico dos extrativistas e a preservação da biodiversidade via exploração extrativista dos recursos florestais. Nesse novo sistema de assentamento rural, áreas de propriedade da União passaram a ser geridas coletivamente pelas comunidades extrativistas.

Nesta nova realidade, as unidades produtivas básicas das RESEXs passaram a ser as 'colocações', que, de unidades mono produtivas, se transformaram em unidades poli produtivas uma vez que os seringueiros e suas famílias, sem a figura do patrão - os proprietários dos seringais -, são agora responsáveis por assegurar a sua sobrevivência, obrigando-se a tornarem-se auto-suficientes (Marchese, 2005). Como resultado dessa nova realidade, em torno da casa dos seringueiros surgiram novas estruturas que testemunham esta diversificação produtiva e permitem o desenvolvimento de atividades produtivas nos diversos períodos do ano: casa de farinha, paiol, defumador, e em alguns casos, uma micro usina de castanha e estufas de secagem.

Passada a fase inicial, durante a qual dezenas de RESEXs foram criadas por toda a região, vive-se na atualidade o processo de consolidação das mesmas. E esse é um processo lento e que envolve, dentre outras ações, o fornecimento de condições materiais e ferramentas para ajudar na diversificação das atividades econômicas e valoração da produção via beneficiamento ou pré-industrialização, e no fortalecimento das organizações locais, especialmente através da capacitação dos recursos humanos para o gerenciamento cooperativo dos recursos e da atividade extrativista, de forma que a gestão territorial das RESEXs atenda não apenas os objetivos legais, mas os anseios das comunidades extrativistas.

A diversificação da produção na RESEX Chico Mendes, Acre

A RESEX Chico Mendes foi criada em março de 1990 e ocupa aproximadamente 970 mil hectares, representando 6,4% da área total do Estado do Acre (IBAMA, 1995). Sua população é de aproximadamente nove mil habitantes distribuídos em 45 seringais e aproximadamente 1500 colocações.

A diversificação da produção extrativista da RESEX Chico Mendes é um desafio técnico e social que deve observar limites legais que estabelecem que 90% de sua área devem ser destinadas à reserva legal onde os extrativistas realizam as atividades extrativas, enquanto que os 10% restantes podem ser usados para o desenvolvimento de atividades complementares, incluindo a agropecuária (IBAMA, 1995).

Apesar de um grande número de espécies nativas com potencial de exploração extrativista já ter sido identificado, na atualidade apenas a seringueira (Hevea brasiliensis), a castanha do Brasil (Bertholletia excelsa) e a copaíba (Copaifera spp.) são exploradas em escala comercial e representam ingresso econômico para os extrativistas. (Leite, 2004). Está claro, portanto, que o grande desafio para a consolidação sócio-econômica da RESEX Chico Mendes é fazer com que uma cesta de produtos florestais diversificados seja incorporada ao rol de produtos explorados, garantindo renda para os extrativistas sem causar impactos negativos à preservação da floresta.

O uso de sementes de palmeiras na confecção de artesanatos

Uma pesquisa realizada por Muxfeldt & Menezes (2005) constatou que dentre 20 tipos de sementes comercializadas para confecção de artesanatos em Rio Branco, nove são oriundas de palmeiras nativas. As sementes de palmeiras variam no tamanho, forma e estrutura, mas possuem um endosperma duro, uniformemente branco ou marcado por nervuras superficiais produzidas pelo tegumento (González, 1998) que favorece o seu uso artesanal.

As sementes de palmeiras usadas para a elaboração de artesanato em Rio Branco são colhidas de forma predatória na zona rural e vendidas aos artesãos, e, após o beneficiamento, ganham a forma de anéis, pulseiras, colares, brincos, chaveiros e outros produtos. A grande aceitação desses produtos resultou em uma considerável expansão da comercialização de sementes.

Diante das possibilidades mercadológicas favoráveis, da existência dos recursos naturais e do potencial das comunidades se engajarem ativamente na atividade, a coleta de sementes realizada com a observação de práticas de manejo sustentável e a capacitação de recursos humanos locais para agregar valor através do beneficiamento nas próprias comunidades mostrou que poderia ser uma alternativa real de diversificação da atividade extrativista na RESEX Chico Mendes capaz de contribuir efetivamente para a sua consolidação.

No presente estudo, é feita uma avaliação do plano de manejo para a exploração de sementes florestais em uma comunidade da RESEX Chico Mendes e suas implicações nas relações sociais e na gestão territorial comunitária.

Materiais e método

Á área objeto do presente estudo, a comunidade Chico Mendes, está inserida na RESEX Chico Mendes, com acesso através da BR 317, km 52, sentido Brasiléia-Assis Brasil.

Para o resgate do processo de implantação do plano de manejo foram realizadas entrevistas semi-estruturadas (Rocha e Silva, 2005) com técnicos, extrativistas e o presidente da associação da comunidade, além da leitura de documentos produzidos durante a elaboração e implantação do mesmo. No total, foram entrevistados 15 extrativistas e dois técnicos.

As entrevistas serviram para caracterizar a comunidade, identificar as principais dificuldades enfrentadas durante a elaboração do plano e as alternativas adotadas para superá-las. As informações sobre o manejo derivaram das entrevistas com os extrativistas visto que a época de coleta de sementes não coincidiu com a fase de campo do presente estudo. Para conhecer o processo de beneficiamento foi feito o acompanhamento in loco das rotinas na unidade de beneficiamento de sementes existente na comunidade Chico Mendes.

Resultados e discussão

O plano de manejo para a exploração de sementes de palmeiras na RESEX Chico Mendes

O plano de manejo para a coleta de sementes para uso em artesanatos foi concluído no final de 2004. Por sugestão da comunidade, e com base na demanda do mercado, foram incluídas as seguintes: açaí (Euterpe precatoria), inajá (Maximiliana maripa), jarina (Phytelephas macrocarpa), patauá (Oenocarpos bataua), paxiubão (Iriartea deltoidea) e paxiubinha (Socratea exorrhiza).











O plano foi elaborado obedecendo a atividades definidas como pré-exploratórias exploratórias e pós-exploratórias (Rocha, 2003). Na fase pré-exploratória, as comunidades e respectivos números de famílias selecionadas para participar do plano foram as seguintes: Boa Esperança (11), Chico Mendes (12) e Wilson Pinheiro (5). Nesta fase foram definidas as 28 áreas de coleta de sementes (ACS), cuja seleção priorizou os locais de maior ocorrência das espécies selecionadas e facilidade de acesso.











O levantamento da ocorrência das palmeiras, que usou o método de mapeamento tipo trilha (Rocha, 2001), mostrou que o açaí, patauá, paxiubão e paxiubinha estavam presentes em 100% das ACS, enquanto que a jarina foi encontrada em apenas oito ACS. Do total de indivíduos mapeados em todas as ACS, 76% corresponderam ao açaí, 9% patauá, 5% paxiubinha, 5% paxiubão e 5% jarina.

A fase exploratória consistiu na definição dos métodos de coleta de frutos a serem adotados pelos extrativistas durante a exploração das espécies. Ficou decidido que a coleta seria realizada tanto na copa das palmeiras, como no solo, embaixo da mesma. O primeiro método foi indicado para o açaí e o patauá, enquanto que o segundo foi adotado para a jarina, paxiubão e paxiubinha.

A fase pós-exploratória consiste no acompanhamento da atividade de manejo e na avaliação dos impactos provocados pela mesma via monitoramento da estrutura populacional das espécies manejadas e acompanhamento da produção. Esses dados fornecem informações importantes para a estimativa da produção futura e são utilizados para a elaboração do plano operacional anual - POA.

A gestão das áreas de coletas de sementes (ACS)

O levantamento das áreas com potencial para a coleta de sementes resultou no mapeamento de 284 hectares, que correspondem a 4,7 % da área total das colocações cadastradas no plano, que é de aproximadamente 6.500 hectares. Esta grande desproporção entre a área efetivamente trabalhada e a área total deriva de uma característica comum às florestas tropicais, que apresentam uma grande diversidade de espécie por hectare. Como resultado, o extrativismo praticado neste tipo de floresta sempre requer a exploração de grandes extensões para que a atividade seja economicamente rentável (Allegretti, 1994).

No caso do manejo de sementes na comunidade Chico Mendes, a intervenção dos extrativistas resultou em uma concentração das áreas de manejo em uma pequena área de cada uma das colocações, identificadas pelos extrativistas como de fácil acesso e de alta ocorrência das espécies de interesse. No futuro, a expansão das áreas manejadas será feita mediante o aumento da área mapeada ou incremento no número de colocações cadastradas no plano de manejo.

O beneficiamento das Sementes

O beneficiamento in loco das sementes fez cessar a comercialização do produto in natura das cinco espécies manejadas. Apesar de a comunidade ter sido capacitada para a montagem e confecção de artesanatos, o trabalho local com sementes para a produção de artesanato se encerra no beneficiamento. Em síntese, a comunidade ainda é uma simples provedora de matéria-prima beneficiada.

Atualmente são oferecidos no mercado de Rio Branco 22 produtos derivados destas cinco espécies, em sua maioria sementes inteiras, furadas ou não, e algumas vezes tingidas. A obtenção destes produtos está resumida no fluxograma ilustrado ao lado.

Organização e divisão do trabalho

O trabalho comunitário desenvolvido pela comunidade Chico Mendes é baseado principalmente na confiança dos membros da comunidade na sua organização social representada pela ‘Associação dos pequenos produtores extrativistas Chico Mendes’, que é responsável pela ligação dos elos da cadeia produtiva de sementes. É ela que realiza a compra das sementes junto aos manejadores, disponibilizando-as para o beneficiamento, bem como comercializa as sementes e realiza os pagamentos da mão-de-obra empregada no beneficiamento.









A implementação do plano de manejo resultou no surgimento de dois grupos de trabalho distintos dentro da comunidade estudada: os coletores e os beneficiadores de semente. Os coletores, que congregam todas as famílias cadastradas no plano de manejo, são representados pelos chefes de família e por jovens que receberam capacitação para escalagem e coleta de sementes na copa. Os beneficiadores de sementes, que congregam apenas três famílias, são representados principalmente por jovens do sexo feminino. Esse baixo envolvimento no processo de beneficiamento decorre da grande distância e da precariedade dos caminhos que algumas famílias extrativistas têm que percorrer para chegar até a unidade de beneficiamento de sementes.


















No que concerne a participação dos gêneros, verifica-se pouca ou nenhuma participação das mulheres na coleta das sementes, enquanto que no beneficiamento elas são maioria, geralmente realizando a quebra do tegumento das sementes de jarina, furação e pintura. Os homens fazem a manutenção dos equipamentos, o lixamento, polimento e brilho das sementes.
















Embora na atualidade os extrativistas envolvidos no beneficiamento de sementes não reclamem de enfermidades, foi observado que o trabalho de furação exige maior esforço dos braços e dedos (polegar e indicador) e provoca uma sobrecarga muscular da coluna cervical. Estas são características de um trabalho que não tem qualquer semelhança com as outras atividades cotidianas dos jovens dentro da RESEXs.
















Espera-se que quando a produção da comunidade se inserir em um mercado com demanda muito maior que a atual, a associação responsável pela atividade busque maior produtividade com um custo menor. Isto irá demandar um ritmo de trabalho intenso e jornadas mais prolongadas em um ambiente que é hoje ergonomicamente inadequado. Na unidade de beneficiamento da comunidade Chico Mendes, as cadeiras usadas pelos beneficiadores não têm encosto, falta apoio para os braços nas máquinas furadeiras, a altura dos assentos é incompatível com a altura das bancadas, entre outros. Vai ser necessário, portanto, o estabelecimento de regras simples como a estipulação do tempo diário de trabalho para evitar que a monotonia, a fadiga e a falta de motivação comprometam a atividade como um todo.

Desafios para o sucesso da atividade no âmbito da RESEX

A distância geográfica entre a comunidade e o mercado de Rio Branco, somada à dificuldade de comunicação e a impossibilidade de armazenamento das sementes beneficiadas por períodos muito prolongado são fatores que dificultam a inserção das sementes beneficiadas pela comunidade no mercado.

Mas as dificuldades não ficam limitadas apenas à comercialização externa. Das sementes atualmente exploradas, apenas a jarina tem preço definido, podendo chegar a R$ 2,50/kg de sementes não beneficiada, a R$ 25-30/kg de sementes beneficiadas. Para as demais espécies o preço ainda é muito incerto e variável. Esta indefinição desestimula um maior envolvimento das famílias porque torna incerto o valor a ser pago pelas sementes coletadas e o percentual destinado para a associação cobrir os custos de sua atividade.

Por esta razão, embora a comercialização de sementes beneficiadas e de peças artesanais prontas signifique uma excelente oportunidade comercial para artesãos, oficinas e lojas de venda de artesanato na cidade de Rio Branco, para os extrativistas da RESEX Chico Mendes ela ainda representa um desafio logístico e comercial que ao menor sinal de descontinuidade é afetado de forma profunda, provocando o afastamento das famílias envolvidas e muitas dificuldades para a manutenção ou retomada da atividade por parte da organização comunitária responsável.

Implicações para a gestão territorial comunitária

Embora a gestão territorial das áreas extrativistas das RESEX Chico Mendes aparente ser algo realizado de forma coletiva, pois a propriedade da terra é da união e não dos extrativistas, na prática, é uma ação que depende profundamente da decisão individual de cada uma das famílias lá assentadas. E isso ficou evidente durante a definição das áreas de coletas de sementes (ACS) nas ‘colocações’ das famílias que participam do plano de manejo. Estas famílias respeitam limites reais – representados por rios, igarapés, estradas de seringa – que separam uma colocação da outra e, na prática, cada família extrativista lá assentada se considera única e legítima proprietária de todos os recursos naturais ali existentes, incluindo madeira, animais, fontes de água, entre outros. Assim, não foi surpresa o inventário das ACS revelar um desequilíbrio na riqueza de palmeiras produtoras de sementes, resultando em algumas famílias mais favorecidas que outras.

O manejo ou exploração comunitária das sementes – sensu stricto – não é praticado na Reserva. A cooperação existe apenas no beneficiamento e um possível incremento da exploração de sementes só irá acentuar o desequilíbrio econômico entre as famílias envolvidas no projeto. A conseqüência dessa constatação é que a atual fragilidade da organização comunitária na RESEX Chico Mendes poderá fomentar profundas divisões entre os moradores e inviabilizar a gestão territorial conjunta de outros recursos naturais de forma que todas as famílias sejam igualmente beneficiadas. Isso é preocupante porque as sementes são apenas um dos vários produtos passíveis de exploração.

A conclusão do presente estudo sugere que a gestão territorial em áreas de RESEX é mais complexa do que se pensava e, na situação atual, onde a decisão da exploração dos recursos naturais depende de famílias e não do conjunto dos extrativistas, a concretização das alternativas econômicas para diversificar a produção e melhorar a renda dos extrativistas irá demandar muito mais tempo do que se pensava, comprometendo a consolidação desse modelo de assentamento que tanto contribui para a preservação da região.

Referências Bibliográficas

Allegretti, M. H. 1994. Reservas extrativistas: parâmetros para uma política de desenvolvimento sustentável na Amazônia. Em Anderson, A. et. al. (orgs.). O destino da floresta: reservas extrativistas e desenvolvimento sustentável na Amazônia. Rio de Janeiro, Relume. pp. 17-48.

D'Antona, A. O. 2000. Questões demográficas na definição, monitoramento e planejamento de reservas extrativistas da Amazônia Legal Brasileira. Anais do XII Encontro Nacional da Abep, Caxambu - MG.

González, N. E. B. 1998. Estúdio de germinación de Phytelephas macrocarpa (marfil vegetal) en condiciones in vivo e in vitro. Dissertação de mestrado. Universidad Nacional Agrária La Molina. Lima.

IBAMA. 2005. Plano de utilização da Reserva Extrativista Chico Mendes, Acre. Brasília.

Leite, A. C. P. 2004. Neoextrativismo e desenvolvimento no Estado do Acre: o caso do manejo comunitário do óleo de copaíba na Reserva Extrativista Chico Mendes. Dissertação de mestrado em Agroecossistemas. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis.

Marchese, D. 2005. Eu entro pela perna direita: espaço, representação e identidade do seringueiro no Acre. Trad. Elenckey B. Pimentel. EDUFAC, Rio Branco – AC.

Muxfeldt, R. E. e Menezes, R. S. 2005. Pesquisa censitária para levantamento de coletores e produtores de sementes para artesanato no vale do rio Acre. Relatório de Pesquisa, SEBRAE – AC.

Rocha, A. A. 2001. Análise do transecto-trilha:uma abordagem rápida e de baixo custo para avaliar espécies vegetais em florestas tropicais. Dissertação de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais, Universidade Federal do Acre. Rio Branco.

Rocha, A. A. 2003. Plano de manejo florestal sustentável comunitário de açaí (Euterpe precatoria), patauá (Oenocarpos bataua), paxiubão (Iriartea deltoidea), jarina (Phytelephas macrocarpa) e paxiubinha (Socratea exorrhiza) para a produção de polpa e sementes para artesanato, Brasiléia - Acre. Universidade Federal do Acre/Parque Zoobotânico. Plano de Manejo. Rio Branco - AC.

Rocha, A. E. e Silva, M. F. F. 2005. Aspectos fitossociológicos, florísticos e etnobotânicos das palmeiras (Arecaceae) de floresta secundária no município de Bragança, PA, Brasil. Acta bot. bras. 19(3): 657-667.

(*) Trabalho aceito para apresentação durante o I CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL APLICADA E GESTÃO TERRITORIAL, realizado entre os dias 22 e 24 de abril de 2010 na Universidade Federal do Ceará - UFC, Fortaleza-CE

(1) Pesquisador do Instituto de Pesquisas da Amazônia – INPA/Núcleo do Acre e do Herbário do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre-Ufac; (2) Engenheira Agrônoma do Banco da Amazônia – BASA, discente do curso de especialização em agricultura familiar UFAC/UFPA