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31 janeiro 2011

A VINGANÇA DA DECOREBA

Trabalho publicado na revista "Science" mostra que alunos que estudam por métodos do tipo decoreba aprendem mais do que os que utilizam outras técnicas. Resultado cairá como uma bomba na guerra pedagógico-ideológica que opõe os entusiastas da educação construtivista aos defensores de métodos tradicionais

Hélio Shwartsman
Folha de São Paulo

SÃO PAULO - Esta vai deixar alguns pedagogos de cabelos em pé. Trabalho publicado anteontem na "Science" mostra que alunos que estudam por métodos do tipo decoreba aprendem mais do que os que utilizam outras técnicas.

O "paper", que tem como autor principal o psicólogo Jeffrey Karpicke, da Universidade Purdue, comparou o desempenho de voluntários que estudaram um texto científico se valendo de um método que enfatiza a memória (leitura seguida de um exercício de fixação mnemônica) com o de alunos que usaram a técnica do mapa conceitual, na qual leem o texto e depois desenham diagramas relacionando os conceitos apresentados.

Desenvolvido por Joseph Novak nos anos 70, o mapa conceitual tem como pressuposto a teoria da aprendizagem significativa, segundo a qual aprender é estabelecer relações relevantes entre ideias.

Uma semana depois, os estudantes fizeram um exame para descobrir quanto haviam aprendido. O grupo da decoreba teve um índice de acertos 50% maior do que o do mapa. A grande surpresa, porém, foi que os memorizadores se saíram melhor tanto nas perguntas que envolviam a mera reprodução das ideias originais como também nas questões que exigiam que eles fizessem inferências, estabelecendo novas conexões entre os conceitos.

Um segundo experimento aprofundou um pouco mais esses achados, explorando, por exemplo, o desempenho de um mesmo estudante com os dois métodos de estudo. Em todas as situações, a decoreba apresentou melhores resultados que o mapa conceitual.

Evidentemente, ainda é cedo para generalizar as conclusões desse trabalho, que ainda precisa ser reproduzido em outros centros para ganhar nível de evidência. Mas já é certo que ele cairá como uma bomba na guerra pedagógico-ideológica que opõe os entusiastas da educação construtivista aos defensores de métodos tradicionais.

30 janeiro 2011

BOLÍVIA: MORALES FAZ 5 ANOS EM BAIXA

Pesquisas indicam que presidente tem apenas 36% de aprovação, o índice mais baixo dos cinco anos de governo. Segundo especulações, o líder indígena perdeu prestígio entre sindicatos e movimentos sociais, sua tradicional base de apoio

Amaro Grassi
Folha de S. Paulo 22/01/2001

O presidente da Bolívia, Evo Morales, completa hoje cinco anos de governo com a popularidade em um dos níveis mais baixos desde que assumiu, devido à crise causada por tentativa de cortar subsídio aos combustíveis.

Pesquisas divulgadas nesta sexta-feira por veículos locais indicam 36% de aprovação ao presidente, recuperação de seis pontos percentuais em relação aos 30% apurados no final de dezembro passado.

O índice registrado há um mês pelo instituto Captura Consulting foi o mais baixo dos cinco anos de governo Morales e gerou especulações sobre perda de prestígio do presidente mesmo entre sindicatos e movimentos sociais, sua tradicional base.

A onda de manifestações foi motivada pela decisão do governo de cortar subsídios aos combustíveis, causando aumento de até 82% nos preços e afetando setores de alimentos e serviços públicos.

Durante os intensos protestos em cidades como El Alto, um bastião governista vizinho a La Paz, prédios públicos foram atacados, manifestantes entraram em confronto com a polícia e até a renúncia de Morales foi pedida.

Acuado, o governo recuou da medida, mas não aplacou a insatisfação popular ante a tentativa de adoção de medida associada a impopulares antecessores do presidente.

La Paz alega não ter condições de manter o subsídio ante o aumento dos preços internacionais. Situações similares motivaram protesto que bloqueou cem brasileiros no sul do Chile há uma semana.

"Obrigaram Morales a retroceder como nunca haviam feito desde que ele chegou ao governo", afirmou à agência Efe o analista Jorge Lazarte. "[O presidente] já não pode governar como até agora, fazendo o que quer", disse.

PERSPECTIVAS

O descontentamento na base governista, que há pouco mais de um ano reelegia Morales com 64% dos votos --após um primeiro mandato marcado por conflitos com a oposição--, coloca ainda dúvidas sobre a agenda de La Paz para os próximos anos.

"[O episódio] marca uma "camisa de força" para o governo, porque os movimentos sociais tomaram consciência de sua força", afirma Javier Aliaga, da Universidade Católica Boliviana.

"Este sexto ano [de governo] se apresenta como importante divisor de águas, no sentido de que vem aí uma agenda mais econômica do que política", disse à Folha.

No primeiro mandato, Morales promoveu a nacionalização do setor de hidrocarbonetos --abrindo crise com o Brasil em 2006-- e uma nova Constituição, promulgada há dois anos, além de lidar com os sucessivos conflitos com opositores da região leste do país, a chamada "meia-lua".

Há um ano, assumia seu segundo mandato --agora de cinco anos-- prometendo focar na industrialização. "No primeiro governo, ele privilegiou as reformas políticas, o foco agora será geração de empregos e redução de pobreza", completa Aliaga.

OS DESAFIOS DAS RÁDIOS COMUNITÁRIAS NO BRASIL

Maior desafio de rádios comunitárias ainda é universalizar serviço no país

Por Desirée Luíse, do Aprendiz

“O maior desafio é a universalização do serviço de Radiodifusão Comunitária, pois, até hoje, apenas 4.153 rádios tiveram acesso [à autorização para atuar] e temos cerca de 30 mil que têm o direito”. A constatação foi feita pelo Coordenador Executivo da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) Nacional, José Sóter, em entrevista ao Portal Aprendiz por e-mail.

A situação das rádios comunitárias no país foi discutida, na última semana, durante o VII Congresso Nacional da Abraço, em Brasília (DF). O encontro contou com 460 participantes, entre radialistas e dirigentes de rádios locais.

Recentemente, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, afirmou que vai criar um departamento para tratar de temas referentes às rádios comunitárias, conforme recomendação da presidente Dilma Rousseff.

Uma das principais queixas das rádios é a demora do Ministério das Comunicações em aprovar o processo de implantação das emissoras. Para agilizar a questão e fortalecer a política para o setor, uma das propostas aprovadas durante o Congresso da Abraço foi a luta pela criação de uma Subsecretaria de Radiodifusão Comunitária.

Portal Aprendiz - Quais foram os principais temas discutidos no congresso este ano?

José Sóter - A pauta principal foi a reafirmação das bandeiras históricas do movimento, construídas desde a fundação da Abraço, em 1996, aprovadas na I Confecom [Conferência Nacional de Comunicação] e firmadas por acordo com o Governo Lula, em dezembro de 2009.

Aprendiz - Temas específicos também foram discutidos?

Sóter - Sim, como as tecnologias sociais, a utilização de software livre, a importância da grade de programação, a questão de gênero e o empoderamento das cidadãs via rádio comunitária, além dos aspectos trabalhistas. Também foi aprovada a luta pela criação da Subsecretaria de Radiodifusão Comunitária, o aumento de canais para pelo menos três entre 88 MHz e 108 MHz, anistia para os que executaram o serviço sem a autorização e a criação do Fundo para o Desenvolvimento da Radiodifusão Comunitária.

Aprendiz - A tecnologia social foi um dos temas discutidos. Qual é a importância de falar sobre isso?

Sóter - Como nós estamos na ponta das teias sociais, promovendo o acesso à informação, o debate sobre as tecnologias é muito importante para a inclusão dos cidadãos das comunidades. Muitas vezes as rádios passam por necessidades por desconhecer tecnologias simples e que podem mudar a sua forma de atuação.

Vale ressaltar que não estamos tratando da tecnologia pura e simples. Pois a tecnologia de mercado tem como objetivo o aumento da produtividade e não a inserção social. Agora, as tecnologias sociais visam a inclusão no campo da dignidade e do bem-estar comum.

Aprendiz - Qual é o maior desafio que a Radiodifusão Comunitária enfrenta?

Sóter - A universalização do serviço de Radiodifusão Comunitária, pois apenas 4.153 rádios tiveram acesso até hoje [à autorização para atuar] e temos cerca de 30 mil que têm o direito. Mas há outros: para as que já têm outorga é a sustentabilidade; para as a que estão organizadas e ainda não são outorgadas, conseguir isto; e para as comunidades que ainda não têm aviso de habilitação é a organização para esta busca.

Aprendiz - O que ocorreu de positivo para as rádios comunitárias em 2010?

Sóter - O ano passado foi destinado ao autoconhecimento do próprio movimento que andava um pouco disperso. Por isso, investimos em organização. Reunimos rádios de todos os estados e do Distrito Federal em um curso de capacitação em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a UNESCO, no primeiro semestre. Ainda, realizamos 24 congressos estaduais, no segundo semestre, envolvendo mais de duas mil emissoras, que culminaram na realização do VII Congresso.

Aprendiz - Qual é a principal perspectiva da Radiodifusão Comunitária?

Sóter - Já é um fato aceito por vários segmentos da sociedade que a rádio comunitária é uma indutora do desenvolvimento local em amplos aspectos. Onde ela se instala sempre há mudança da realidade que a cerca. Isso reaviva a perspectiva da promoção da inclusão pela comunicação radiofônica, por meio do qual a comunidade é agente ativo da comunicação, para o fortalecimento da identidade local, promoção dos produtos e serviços do entorno, estímulo à produção artística e cultural local e o respeito às diferenças, tão necessária para a construção de uma sociedade democrática.

Aprendiz – O desempenho das rádios comunitárias influencia diretamente no processo da mobilização social no país?

Sóter - Um dos pilares da Radiodifusão Comunitária é o pluralismo. Significa que na grade de programação de uma emissora comunitária a diversidade de opiniões é fundamental. Não podemos vender verdades, mas provocar dúvidas. Não podemos impor nosso pensamento, mas apresentar várias formas de pensar o mesmo tema ou a mesma realidade, e isso provoca o hábito do debate. Isso é importante para a formação de uma comunidade crítica, mais engajada nas questões sociais, que será mais difícil ser manipulada.

(Envolverde/Aprendiz)

29 janeiro 2011

O SUS E A POPULAÇÃO IDOSA

SUS não está pronto para atender o boom da população idosa. Em 40 anos, o número de idosos vai triplicar, alcançando quase 30% da população brasileira, o que significa uma maior demanda por recursos de saúde e medicamentos. SUS terá que investir em prevenção para lidar com o boom da população idosa

Marcelo Pellegrini
Agência USP de Notícias

Estimativas apontam que, em 40 anos, o número de idosos vai triplicar, alcançando quase 30% da população brasileira, o que significa uma maior demanda por recursos de saúde e medicamentos. No entanto, para se assegurar o atendimento de saúde deste grupo em expansão será necessário um aprimoramento nos serviços e uma alteração nas políticas de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). É o que aponta o farmacêutico André de Oliveira Baldoni, pesquisador responsável por um estudo que analisou a realidade de 1000 idosos atendidos pelo SUS, de novembro de 2008 a maio de 2009, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo.

“Se hoje já temos enormes filas de espera e muitas vezes o mau atendimento, a perspectiva para o setor de saúde nas próximas décadas, caso não haja um planejamento imediato, para atender a demanda crescente, só tende a piorar”, diagnostica o farmacêutico, que apresentou sua pesquisa junto à Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP. Segundo dados de 2008 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) existem no Brasil 21 milhões de pessoas com 60 anos ou mais.

De acordo com Baldoni os principais fatores responsáveis pelas deficiências do SUS são a falta de padronização de medicamentos que sejam seguros e com indicação específica para os pacientes idosos, a falta de investimento e priorização da atenção primária e a carência de políticas preventivas de doenças e de profissionais que atuem na prevenção das complicações em saúde, tais como educadores físicos e nutricionistas. Segundo o pesquisador, o investimento nessas áreas poderia reduzir as complicações com o tratamento das morbidades típicas da população idosa, e com isso diminuiria gastos do sistema público de saúde. “O envelhecimento populacional deve ser enfrentado com uma conquista e não como um problema social.”

Baldoni aponta como opção melhorar e diversificar o acesso aos medicamentos seguros. “Na atualidade observa-se que nas listas padronizadas, seja de um hospital ou de um município, há poucas opções de fármacos para o tratamento da mesma doença. E com isso quem prescreve fica limitado a receitar medicamentos padronizados, pois a renda per capita do idoso geralmente é muito baixa e isso gera mais um fator limitante. É importante ressaltar que a seleção dos medicamentos para compor a lista padronizada fica a cargo dos municípios que tem autonomia para isso. Esta padronização leva em consideração vários fatores dentre eles, o perfil nosológico (doenças mais prevalentes), epidemiológico e os recurso financeiros disponíveis, geralmente limitados.”

Além disso, deve-se oferecer treinamento e capacitação para as equipes de saúde no intuito de melhor orientar os idosos sobre o uso correto das medicações. “A capacitação profissional é fundamental para orientar sobre os diferenciais da farmacoterapia para idosos e para reduzir os efeitos adversos e o uso de medicamentos inapropriados”, defende. “Atualmente, 44,2% dos idosos utilizam pelo menos um medicamento inapropriado e 46% relataram pelo menos uma queixa de evento adverso.”

O estudo revelou que 16,3% dos idosos que retiraram medicamentos pelo SUS não receberam orientação sobre o seu uso correto por nenhum profissional da saúde. “Dados como este refletem a carência de recursos humanos enfrentada pelo setor”, afirma. Além disso, uma das grandes causas das complicações encontradas no tratamento de idosos está relacionada às doses inadequadas de medicamentos.

Baldoni aponta ainda que o organismo de um idoso passa por alterações fisiológicas que prolongam o efeito da maioria dos fármacos e, por consequência, as chances de intoxicação aumentam. “Não se pode tratar uma pessoa de 65 anos como um adulto de 25 anos”, completa.

Outra política necessária é o investimento no que o pesquisador denomina de “Atenção Primária”, ou seja, na conscientização e prevenção de doenças comuns aos idosos e onerosas ao Estado, como hipertensão e diabetes. Cerca de 73% dos idosos que fizeram parte do estudo relataram possuir pressão alta. Além disso, 57,4% disseram não receber visitas dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que são profissionais fundamentais para a prevenção de doenças.

O investimento em políticas preventivas, e inserção de profissionais que atuem na prevenção das doenças da população é um caminho que reduziria substancialmente os custos futuros do SUS, diz Baldoni. “Entre os entrevistados, 59% não praticavam atividades físicas regulares, o que favorece o desenvolvimento da diabetes, por exemplo. Ao se prevenir diabetes, evita-se procedimentos caros como a hemodiálise, o tratamento com insulina e, em alguns casos, a amputação de membros”, exemplifica.

Para Baldoni, também é necessário investir em conscientização. “É preciso acabar com a cultura da automedicação, responsável por grande parte das complicações das doenças em idosos. Cerca de 31% dos entrevistados se automedicam”, alerta.

“Acima de tudo a sociedade e os profissionais de saúde precisam mudar a cara da saúde passando de uma medicina curativa para preventiva, como preconiza a Organização Mundial de Saúde e o próprio SUS”, conclui.

28 janeiro 2011

ANALISE REVELA ATRIBUTOS QUE DEFINEM PREÇO DO GADO NELORE

Caio Albuquerque
Assessoria de Comunicação da Esalq/Agência USP

Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP em Piracicaba, uma pesquisa avaliou o impacto dos atributos de qualidade em tourinhos de elite da raça nelore comercializados em leilão. O estudo procurou estabelecer quais os principais atributos de qualidade relevantes para a formação do preço da venda de tourinhos, determinar os prêmios ou descontos gerados por cada atributo de qualidade no preço de venda e apontar os mais relevantes na composição do preço.
Produtor pode agregar valor se focar seleção em precocidade e fertilidade

O trabalho do pesquisador Yuri Clements Daglia Calil utilizou como amostra três leilões (368 observações) de uma fazenda padrão. A pesquisa apontou que os atributos dos animais que mais contribuíram para a formação dos preços, em um primeiro plano, foram a qualidade genética como um todo, expressa pelo Mérito Genético Total (MGT) e a qualidade fenotípica global, demonstrada pelo índice EPMURAS, que congrega os fatores estrutura corporal, precocidade, musculosidade, umbigo, raça, aprumos e sexualidade.

Em um segundo plano, mais específico, agregaram valor aos jovens reprodutores características relacionadas à precocidade e fertilidade, ou seja, perímetro escrotal, peso ao desmame e peso ao completar um ano, bem como musculosidade, precocidade, raça e aprumos. Os animais com MGT excelente tiveram um prêmio médio de 22% a mais em relação aos considerados como bons. Paralelamente, os touros com EPMURAS excelente, obtiveram valor 11% superior aos classificados como muito bons.

“A pesquisa procura valorizar a análise econômica para o elo mais importante e tecnologicamente sofisticado da cadeia de corte brasileira”, ressalta o pesquisador. “O estudo apresenta uma ferramenta que todos os pecuaristas podem utilizar para estabelecer seus critérios de seleção, bem como montar estratégias em seus leilões. Em suma, se os produtores focarem a seleção em precocidade e fertilidade, agregarão valor aos animais”.

Melhoramento

Calil observa que muito embora o Brasil fosse um expoente mundial em melhoramento genético bovino e os animais de elite desempenhem um papel de suma importância na cadeia de corte, raros estudos haviam sido desenvolvidos sobre o tema até então. “Os produtores de touros, sob orientação dos programas de melhoramento genético e consultorias especializadas, contemplam tanto características quantitativas quanto qualitativas nos seus objetivos de seleção”, afirma. “No entanto, carecem quantificar economicamente cada característica selecionada, o que representaria um grande passo para a objetividade do processo seletivo”.

Segundo o pesquisador, nas fazendas de cria, os reprodutores melhoram os índices de fertilidade, intervalo entre partos, a habilidade materna e o crescimento pré-desmama. Nas propriedades de recria têm impacto, principalmente, o crescimento pós-desmama. Nas fazendas de engorda influenciam o ganho de peso, a eficiência alimentar e a precocidade de terminação, entre outras características. No elo dos frigoríficos, os esforços do melhoramento genético impactam tanto no rendimento de carcaça quanto na cobertura de gordura. A maciez e a relação entre músculo e gordura também influenciam para o consumidor final.

“Assim, cabe estudar quais características têm maior impacto no valor econômico dos reprodutores comercializados, bem como os prêmios e descontos gerados por elas que incrementam, ou não, a renda dos pecuaristas”, explica Calil. “Por isso a pesquisa buscou indicar quais atributos os produtores devem priorizar nos seus objetivos de seleção para aumentarem sua renda, a qual atualmente é proveniente, em grande parte, da comercialização de animais e embriões em leilões”.

A pesquisa, orientada pelo professor João Gomes Martinês Filho, do Departamento de Economia, Sociologia e Administração (LES) da Esalq, faz parte da dissertação de Mestrado de Yuri Calil, defendida no Programa de Pós-graduação em Economia Aplicada da Esalq. O pesquisador é bacharel em Agronegócio pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais.

GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NO VALE DO JURUÁ

Fundação SOS Amazônia desenvolve processo pioneiro de gestão de recursos hídricos no Vale do Juruá

Raimundo Cavalcante

Com intuito de contribuir para a Gestão de Bacias Hidrográficas no Estado do Acre, a SOS Amazônia através do Consórcio de Manejo Ambiental de Bacias e Estradas (MABE), em cooperação técnica com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), vem desenvolvendo em Cruzeiro do Sul, Rodrigues Alves e Mâncio Lima o projeto: “Fortalecendo a Gestão Ambiental na Região da Amazônia Sul-Ocidental Brasileira”.

O projeto está alinhado a Política Nacional de Recursos Hídricos criada em 1997, que objetiva assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, com padrões de qualidade adequados aos respectivos usos. Além disso, o projeto propõe a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, visando o desenvolvimento sustentável, a prevenção a possíveis desastres ou o uso inadequado dos recursos naturais.

Segundo Vângela Nascimento, assessora técnica da SOS Amazônia, os módulos estão sendo direcionados aos estudantes universitários, lideranças comunitárias, representantes de associações rurais, sindicatos rurais, organizações não governamentais e órgãos públicos das esferas municipal, estadual e federal da Unidade de Gestão de Recursos Hídricos do Alto Juruá.

O processo de capacitação já atendeu 144 membros da sociedade do Vale do Juruá, para que haja um comprometimento e sensibilidade em relação às questões ambientais. Além de um participação ativa no processo de implantação dos dois Comitês de Gestão de Recursos Hídricos que serão implantados nas Bacias Hidrográficas do Paraná dos Mouras e Riozinho do Liberdade.

Os cursos de capacitação foram realizados através do Consórcio MABE e agrupa outras três organizações (IPAM, Woods Hole e Universidade da Florida), recebe apoio da USAID (Agência do Governo dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) e conta atualmente com a parceria do Instituto Chico Mendes (ICMBio) e a Prefeitura de Cruzeiro do Sul.

Além dos cursos de capacitação, foi realizado pela SOS Amazônia, um diagnóstico socioeconômico e ambiental, mobilização de agentes para a constituição dos Comitês de Bacias e elaboração dos Planos de Gestão das sub-bacias hidrográficas no Paraná dos Mouras e Riozinho Liberdade com o objetivo de criar um modelo de manejo colaborativo de bacias hidrográficas.

Entre os problemas diagnosticados na região estão: a falta de saneamento básico, a má destinação do lixo (queimados ou jogados nos igarapés), os programas do governo demoram muito para gerar o benefício na região (quando geram, é de forma desencontrada e sobreposta, a exemplo do programa de proteção as queimadas nos municípios de Rodrigues Alves e Mâncio Lima, com um grande número de projetos de assentamento, porém, foi detectado um grande número de queimadas em 2010), a violência está relacionada ao alcoolismo e as drogas (o Paraná dos Mouras é uma importante rota do tráfico da cocaína produzida no Peru).

Outro fator preocupante detectado tanto no Paraná dos Mouras quanto no Riozinho do Liberdade é a ocupação das áreas de preservação permanente (APP). Segundo Francisco Albecir, morador do Rio Liberdade, a comunidade já vem apresentando alguns problemas, principalmente as margens do rio, com o desmatamento destas áreas.

“Só o Paraná dos Mouras possui 17 afluentes, com uma população aproximada de 2.566 habitantes, distribuídas em 19 comunidades, sendo o Igarapé Apuí o principal, por ser habitado por um grande número de famílias”, explicou Vângela.

Para Janaína Almeida, do Departamento de Gestão de Água e Recursos Hídricos, da SEMA, as parcerias entre sociedade civil e governo, são principalmente nas atividades de capacitação e viabilização logística, vai viabilizar o processo de formação dos comitês de bacia no Vale do Juruá.

“Com a criação dos Comitês de Bacias vai ser possível traçar metas para melhorar a qualidade de vida dessas comunidades, buscando soluções para os conflitos relacionados aos recursos hídricos e tomarem decisões sobre os empreendimentos que serão instalados nas duas sub-bacias”, concluiu Vângela.

Informações Adicionais:
SOS AMAZONIA: Vângela Nascimento: (68) 3223-1036 vangela@sosamazonia.org.br

27 janeiro 2011

AEGYPTI, A MOSQUITA DA FLORESTA

Escritora doa 150 exemplares do livro 'Aegypti a Mosquita da Floresta' para biblioteca municipal do Centro de Multimeios.

A professora Kelen Gleysse Dantas autora do livro “Aegypti a Mosquita da Floresta”, lançado em setembro em Rio Branco, entregou nesta quarta - feira, 26, para a Coordenadora do Centro de Multimeios da Seme, Marília Bomfin, 150 exemplares do livro para compor o acervo de bibliotecas e escolas municipais.

“Aegypti a Mosquita da Floresta é uma obra muito importante para o crescimento intelectual de nossas crianças. Além da novidade na informação acerca da doença, o conto ainda possibilita à criança uma viagem ao mundo da imaginação, fazendo com que elas se identifiquem com as personagens da história”, explica a autora.

Marília Bomfin esclarece que a obra é uma criativa ferramenta no combate a dengue. “O Professor Moacir Fecury nos pediu para ajudar no combate a dengue em nosso município, através de ações junto às escolas de Educação Infantil. A equipe do Multimeios teve a idéia de criar uma história lúdica, capaz de informar e divertir as crianças. A Kelen abraçou a causa e foi mais além: escreveu e editou um livro!”, enfatiza Marília.

O livro infantil Aegypti A Mosquita da Floresta, é fruto de uma importante parceria com a Fundação Elias Mansour, através da Lei de Incentivo a Cultura e conta com as ilustrações do desenhista Enilson Amorim. A obra conta a história de uma mosquita má que sai da floresta e vai para a cidade em busca de lugares propícios para botar seus ovos. Quer entrar, mas de repente, aparece a dona da casa. E agora? O que a mosquita vai fazer? Será que ela consegue entrar? Quem é a dona da casa? O livro é uma história interessante. Sinônimo de diversão para crianças e adultos.

Kelen é formada em História e Mestre em Letras - Linguagem e Identidade, pela Universidade Federal do Acre(Ufac). Foi professora substituta da Ufac e Uninorte. Desde 2004 passou a fazer parte do quadro efetivo da Secretaria Municipal de Rio Branco, como professora. Atualmente desenvolve atividade como professora arte educadora no Centro de Multimeios, local onde descobriu a arte de contar histórias e o desejo de escrever histórias infantis.

O livro pode ser adquirido nas livrarias Nobel, Betel, Paim e Banca Universitária ao preço de 20 reais.

Nayara Lessa/AI

AS TIPOLOGIAS VEGETAIS DO PARQUE ESTADUAL CHANDLESS, ACRE, BRASIL

Estudo no Parque Estadual Chandless revelou a ocorrência de duas tipologias florestais inéditas para o Acre: as 'queimadas' e a floresta tropical caducifólia. Ambas tipologias não estão contempladas no Zoneamento Ecológico e Econômico do Acre.

Avaliação Ecológica Rápida da Vegetação do Parque Estadual Chandless (*)

Evandro José Linhares Ferreira (Responsável Técnico)
Antonio José Barreto dos Santos (Auxiliar Técnico – parataxonomista)


Parte 1

1. INTRODUÇÃO

As duas campanhas de campo da Avaliação Ecológica Rápida (AER) do Parque Estadual (PE) Chandless foram realizadas em fevereiro e agosto de 2008.

O aspecto técnico-científico mais importante do relatório é a constatação de que as tipologias florestais predominantes na UC não podem ser classificadas integralmente conforme ACRE (2000; 2006), que sugere a ocorrência, naquela região do Estado, das tipologias: Floresta Aberta com Bambu + Floresta Aberta com Palmeira, Floresta Aberta com Palmeira + Floresta Aberta com Bambu, Floresta Aberta com Bambu dominante e Floresta Aberta com Bambu em áreas aluviais (Figura 1).

FIGURA 1 - Mapa de vegetação do Estado do Acre (Fonte: Acre, 2000)

O trabalho de campo realizado durante a AER confirmou a ocorrência de apenas uma das formações sugeridas acima: a Floresta Aberta com Bambu em áreas aluviais. Duas novas formações estão confirmadas na área do Parque ou sua adjacência. Uma pequena mancha de Floresta Ombrófila Densa, no limite da UC com o Projeto de Assentamento (PA) no município de Santa Rosa e um tipo de floresta estacional não registrada anteriormente para o Acre.

Esta descoberta só foi possível porque durante a segunda campanha de campo, que coincidiu com a época seca, se observou que as florestas da unidade classificadas como Ombrófilas Abertas, sensu Veloso et alii (1974), apresentam um comportamento caducifólio de seu componente dominante, o dossel, em função do período seco superior a 4 meses que predomina naquela região do Estado.

Por essa razão, e considerando ainda que o percentual de árvores caducifólias observadas no estrato dominante das florestas das áreas de terra firme do Parque era superior a 50% dos indivíduos e que ele se encontra em uma região com duas estações climáticas (chuva e seca) bem demarcadas, a classificação mais apropriada para as formações florestais mais extensas e significativas da unidade é ‘Floresta Tropical Caducifólia’ sensu lato, considerando as proposições contidas no sistema de classificação da vegetação brasileira (IBGE, 1992).

As Florestas Caducifólias do PE Chandless são facilmente observadas em sobrevôos durante o período mais seco do ano e estão ilustradas na Figura 2, tomada em agosto de 2008 na parte sudoeste da UC. Nela é possível ver claramente que a maioria das árvores de grande porte, integrantes do dossel da floresta, se encontra sem folhas ou com folhas novas, indicando que passaram por processo recente de perda foliar.

FIGURA 2 - Imagem aérea da Floresta Tropical Caducifólia que predomina nas áreas de terra firme do PE Chandless (Foto: E. Ferreira, agosto de 2008)

No PE Chandless também foram encontradas formações vegetais conhecidas como ‘queimadas’, que antes da realização da AER eram conhecidas apenas pelos habitantes que residem naquela UC. As ‘queimadas’ consistem em pequenas áreas abertas desprovidas do estrato arbóreo, mas com a superfície recoberta por vegetação rasteira e poucas árvores emergentes colonizadas por lianas herbáceas. Visto do alto tem-se a impressão de pequenas clareiras feitas pelo homem no meio da floresta (Figura 3). Uma inspeção in loco, entretanto, revela que a falta de vegetação na área da ‘queimada’ se deve ao fato da mesma se constituir em uma espécie de igapó permanente ou parcialmente alagado.

De acordo com as poucas informações obtidas durante a AER, pode-se sugerir que as ‘queimadas’ não apresentam padrão regular de distribuição e não estão associadas com nenhum tipo particular de formação florestal. A vegetação herbácea e arbustiva que recobre a área da ‘queimada’ é muito densa e a lâmina d'água tem profundidade desconhecida, mas é, aparentemente, rasa. Todas as imagens aéreas e uma inspeção terrestre indicam que a acumulação de água nas ‘queimadas’ se deve a sua estreita relação com pequenos igarapés de águas claras, estando descartada a possibilidade de elas serem lagos derivados de meandros abandonados dos rios que drenam a UC.

FIGURA 3 - Imagem aérea de uma ‘queimada’, formação vegetal desconhecida que ocorre no PE Chandless (Foto: E. Ferreira, agosto de 2008)

As observações realizadas a partir de sobrevôos indicam ainda que podem existir dezenas dessas formações na região de influência do rio Chandless, na parte central do Parque.

Do pouco que se pode observar sobre as ‘queimadas’, é possível sugerir que elas sejam uma espécie de ‘wetland’, cuja definição é muito contraditória pois envovlve muitas variáveis (Cowardin e Golet, 1995). Foi possível observar durante a AER que as queimadas apresentam águas rasas e o solo local é saturado de água. Se supõe que haja acúmulo de material orgânico proveniente da vegetação e foi observada a presença de plantas adaptados à vida aquática. Estas características levam à eliminação da classificação das queimadas como Áreas Pioneiras de Influência Fluvial, como sugerido na classificação de vegetação do projeto RADAMBRASIL (IBGE, 1986).

Guntenspergen e Stearns (1985) apud Paz (2003) sugerem alguns conceitos relevantes para o entendimento desse tipo de ecossistema: (i) não são sistemas estáticos, mas altamente dinâmicos e situados na interface entre ambientes terrestres e aquáticos; (ii) mudam naturalmente, ou seja, estão sempre em evolução, buscando um equilíbrio com o ambiente ao redor, em função do clima, da hidrologia, das espécies presentes, da geologia e até da interação com sistemas adjacentes; (iii) apresentam características individuais resultantes da variação dos regimes climático e hidrológico, da diversidade de espécies e de eventos passados, gerando ecossistemas muito diferentes entre si.

Dessa forma, e considerando o inventário de áreas úmidas para a região Neotropical de Scott & Carbonell (1986), se classifica aqui as ‘queimadas’ como lagoas de origem fluvial, cujo principal elemento alimentador e de drenagem é formado por pequenos igarapés.

2. MÉTODOS

2.1. Definição dos locais de amostragem

A definição dos locais de amostragem foi feita alguns meses antes da ida a campo mediante o uso de imagem de satélite e usando como base o mapa de vegetação do Estado publicado em ACRE (2000). Foram selecionados alguns pontos potenciais para a instalação de trilhas ao longo da unidade. A determinação das localidades para a abertura das trilhas levou em consideração as condições de acesso aos respectivos locais e a representatividade da tipologia que se pretendia amostrar.

Em dezembro de 2007, por ocasião da primeira campanha de campo, e em junho de 2008, por ocasião da segunda campanha, equipes precursoras foram à unidade para proceder a abertura das trilhas. Para a primeira campanha, realizada inteiramente dentro da área da UC, foram instaladas nove trilhas em formações florestais localizadas ao longo dos principais cursos de água que drenam a unidade. As trilhas abertas estavam assim distribuídas: uma ao longo do igarapé Cuchichá, uma na área do igarapé Chandless-chá e as demais ao longo do rio Chandless (Figura 4, linhas em cor vermelha). Para a segunda campanha, que também incluiu levantamentos em áreas adjacentes à UC, e que teve como base a cidade de Santa Rosa do Purus, foram instaladas seis trilhas. Quatro delas foram abertas em áreas florestais de lotes de agricultores do Projeto de Assentamento Agrícola Santa Rosa, do INCRA, na divisa com o Parque, e duas dentro da área da UC (Figura 5, linhas em cor laranja).

FIGURA 4 - Trilhas abertas na UC durante a 1ª. Fase da AER, em fevereiro de 2008 (Fonte: SOS Amazônia)

Durante o trabalho de campo outros pontos de observação foram selecionados na medida em que as equipes envolvidas na coleta de dados indicassem a necessidade.

2.2. Levantamentos de campo – Inventários Florísticos

a) Parcelas: para a realização dos inventários foram abertas parcelas de 1.000 m² (100 x 10 m), subdivididas em 5 parcelas menores de 10 x 20 m. Em cada uma das parcelas foram levantadas todas as plantas com mais de 10 cm de DAP (diâmetro a 1,30 m do solo), incluindo as lianas de maior porte. Este método é similar ao adotado durante a AER da Estação Ecológica Rio Acre (Ferreira e Oliveira, 2005; Silveira et alii, 2006).

b) Amostragem dos diferentes táxons nas parcelas: as epífitas foram contabilizadas na parcela um de cada um dos transectos instalados. As pteridófitas e ervas de menor porte foram contabilizadas na parcela 2, sendo que a densidade foi determinada em uma pequena subparcela medindo 2 x 2 m. Todas as plantas com menos de 10 cm de Diâmetro a Altura do Peito (DAP), incluindo as regenerações, foram inventariadas na parcela 3. Isto foi feito porque muitas vezes estes táxons ocorrem em grande número, comprometendo a agilidade do trabalho. A diversidade e densidade de bambu foram inventariadas na parcela 4. A contabilização das espécies de bambu foi feita com base na contagem do número de colmos por parcela visto ser impossível discriminar os indivíduos.

FIGURA 5 - Trilhas abertas na UC e áreas adjacentes durante a 2ª. Fase da AER - agosto de 2008 (Fonte: SOS Amazônia)

Para cada uma das plantas amostradas, foram anotados os nomes vulgares, família botânica, feita a identificação de gênero e espécie no campo, ou posteriormente no herbário. Além disso, foi anotado o DAP das plantas com mais de 10 cm de diâmetro e estimada a altura total e comercial. Foi anotado ainda o estágio fenológico de cada planta levantada.

c) Transecto praia-floresta (segunda campanha): consistiu na abertura de um transecto com 200 m de comprimento, medido desde a margem do rio até a floresta primária de terra-firme. Ele foi aberto de forma perpendicular ao curso do rio e todas as plantas até 5 m de distância para o lado esquerdo e direito do transecto foram identificadas. O inventário foi qualitativo.

d) Trilhas menores (primeira campanha) e pontos de observação sem abertura de trilhas ou instalação de parcelas (primeira e segunda campanha): foram abertas duas trilhas com 100 m de comprimento (primeira campanha) ao longo de pontos onde a vegetação necessitava ser estudada porque outros membros da expedição tinham realizado trabalho no local ou pelo fato da vegetação local ser de interesse para todas as equipes e não ter sido incluída nos transectos citados acima. Na segunda campanha foram realizadas observações não sistemáticas em áreas naturais (Lago do Capitão, margem e floresta adjacente ao lago do Luisinho) e antropizadas (área urbana de Santa Rosa, cercanias do lixão da cidade e uma fazenda de criação de gado).

Em todos os pontos amostrados, as coletas botânicas, para posterior identificação botânica das amostras, foram realizadas apenas quando as espécies possuíam flores ou frutos ou quando não era possível realizar a identificação no campo. As informações levantadas nos transectos, nas trilhas menores e ao longo dos pontos de observação permitiram fazer uma caracterização das diferentes fisionomias, determinar a composição de espécies vegetais presentes e avaliar o estado de conservação e os impactos antrópicos.

3. CARACTERIZAÇÃO DA VEGETAÇÃO DO PE CHANDLESS

3.1. Caracterização, definição e classificação

A característica mais marcante da vegetação do PE Chandless é o comportamento caducifólio do dossel das suas florestas nas áreas de terra firme. Esta é a principal razão que impede a classificação das formações florestais da UC como Floresta Ombrófila Aberta, conforme proposto no manual técnico da vegetação brasileira (IBGE, 1992). Este manual oferece como alternativas para a classificação das florestas do PE Chandless a possibilidade de denominá-las Florestas Tropicais Semicaducifólias ou Caducifólias.

A primeira classificação, terminologicamente mais adequada, não se aplica porque conceitualmente IBGE (1992) condiciona a ocorrência de florestas semicaducifólias às regiões com dupla estacionalidade da condição climática: uma tropical, com estação de chuvas intensas seguida de período seco, e outra subtropical sem período seco, mas com seca fisiológica em decorrência do frio intenso no período de inverno (temperaturas médias inferiores a 15ºC).

Há que se observar, entretanto, que a definição de formação semicaducifólia – sem considerar o aspecto climático, é, em teoria, mais aplicável aos casos das florestas encontradas no PE Chandless. Como indicado acima, apenas parte dos componentes da formação florestal tem comportamento caducifólio – o dossel. Os estratos intermediários e inferiores são perenifólios. As palmeiras, por exemplo, são perenifólias e dominam o sub-bosque de grande parte das florestas da UC.

Resta, portanto, classificar conceitualmente as florestas do PE Chandless na única alternativa disponível no sistema de classificação do IBGE (1992): Floresta Tropical Caducifólia. Esta formação, conforme o manual citado, é definida como “caracterizada por duas estações climáticas bem demarcadas, uma chuvosa seguida de longo período biologicamente seco, ocorre na forma de disjunções florestais, apresentando um estrato dominante macro ou mesofanerófito predominantemente caducifólio, com mais de 50% dos indivíduos despidos de folhagem no período desfavorável”. O fato das condições climáticas na região do PE Chandless não apresentarem um período seco tão prolongado como sugerido na conceituação acima não invalida a classificação das florestas da UC nesta categoria.

Vale, todavia, uma crítica ao sistema de classificação do IBGE. Conceitualmente, Florestas Caducifólias sugerem que todos os estratos perdem simultaneamente as folhas em uma determinada época do ano. Em contraste, Florestas Semicaducifólias sugerem que apenas um ou alguns dos estratos, mas não todos, perdem as folhas. Infelizmente, o sistema de classificação da vegetação brasileira parece dar um peso grande demais às condições climáticas, impedindo ou limitando a correta aplicação dos termos fitológicos mais adequados.

Os primeiros indícios de que as florestas naquela região são distintas das demais formações já registradas para o Acre remontam ao trabalho de caracterização da vegetação da ESEC Rio Acre (Ferreira, 2006). Posteriormente, sobrevôo realizado pela equipe técnica da Fundação SOS Amazônia em julho de 2007, e relatos do professor da Universidade Federal do Acre - UFAC, Roberto Feres (comunicação pessoal, 2008) reforçaram as suspeitas sobre a ocorrência de um alto grau de deciduidade do componente arbóreo daquelas florestas. A segunda etapa de campo da AER do Chandless realizada no período seco e o sobrevôo da unidade feito na mesma época (agosto de 2008) confirmaram não apenas o caráter diferenciado das florestas de terra firme do Parque, mas também que uma extensa área florestal localizada na região leste do Acre, ao longo da fronteira peruana, e que deve abranger também a área da ESEC Rio Acre, apresenta o mesmo comportamento.

3.2. Afinidades com a vegetação da ESEC Rio Acre

A vegetação do PE Chandless tem afinidade com aquela encontrada na ESEC Rio Acre (Ferreira, 2006). Em 2005, Ferreira e Oliveira já tinham observado que a maioria dos indivíduos arbóreos nas florestas das encostas e dos topos das elevações na área da ESEC era decídua no período da seca. Entretanto, como aquele ano foi climaticamente atípico em razão da ocorrência da seca mais severa registrada na Amazônia Ocidental, a formalização desta nova classificação não foi possível. Durante a segunda etapa da AER daquela UC, ocorrida no período chuvoso, os inventários florísticos realizados por Silveira et alii (2006) identificaram que 61% das formas de vida classificadas como arbóreas correspondiam a espécies deciduais. Esse resultado reforçou a idéia de que na região leste do Acre, as formações vegetais não se comportavam como típicas Florestas Ombrófilas Abertas.

Tanto o PE Chandless como a ESEC Rio Acre estão inseridos no domínio da Formação Solimões (BRASIL, 1976), caracterizada pela presença de rochas sedimentares de idade pliopleistocênica da Sub-Região dos Baixos Platôs da Amazônia, dissecada na forma de interflúvios colinosos ou em relevo ondulado. As condições climáticas nas duas UCs são equivalentes, com índice pluviométrico em anos normais de 1.900 mm, podendo, entretanto, recuar para menos de 1.500 mm em anos muito secos, e uma sazonalidade da precipitação bastante pronunciada (Duarte, 2006). O período seco, por exemplo, chega a se estender por até cinco meses (meados de abril a meados de setembro), mesmo nos anos considerados climaticamente normais.

Ao contrário do que foi observado na ESEC Rio Acre, onde as diferentes feições fitoecológicas variam de acordo com as características peculiares que estas adquirem em função do relevo nas quais estão inseridas (Ferreira, 2006), no PE Chandless a altitude não pareceu ser o elemento controlador das mudanças na tipologia florestal. Lá, a presença ou ausência do bambu e de palmeiras no sub-bosque são os elementos definidores da paisagem.

3.3. PE Chandless no limite sul da Floresta Ombrófila Aberta da Amazônia

As florestas com comportamento caducifólio encontradas no PE Chandless estão, geograficamente, no limite sul do domínio da Floresta Ombrófila Aberta da Amazônia. Silveira et alii (2006) não descartam essa possibilidade e sugerem que a presença de espécies decíduas e semidecíduas nas florestas dessa parte da Amazônia refletem relações florísticas dessa região com Florestas Estacionais, Cerrado e as Matas Secas. Eles afirmam que na ESEC Rio Acre, as florestas abertas com palmeiras associadas com bambu, apresentam elementos comuns entre as florestas semidecíduas e o cerradão, que é o elemento chave na relação entre florestas estacionais ou semidecíduas e o cerrado.

Ferreira e Oliveira (2005) já haviam alertado para a ausência da palmeira açaí Euterpe precatoria e uma abundância acima do normal da jaciarana Syagrus sancona na área da ESEC. O mesmo padrão de ausência-ocorrência destas espécies foi observado no PE Chandless. Nesta UC, a jaciarana é particularmente abundante nas florestas que margeiam o rio Chandless após a boca do igarapé Cuchichá, chegando a rivalizar em abundância com outras espécies de palmeiras mais comuns como a paxiubinha Socratea exorrhiza e paxiubão Iriartea deltoidea. É importante notar que o gênero Syagrus, com 34 espécies nativas em território brasileiro (Lorenzi et alii, 2004), é o grupo de palmeira mais diversificado nas regiões de cerrado no Centro-Oeste do país

3.4.Florestas caducifólias: um novo paradigma na fitogeografia acreana?

Admitir que as florestas do PE Chandless são Estacionais e Caducifólias vai de encontro à classificação fitogeográfica ‘clássica’ do Estado proposta em BRASIL (1976; 1977), cuja escala efetiva de estudo é de 1:1.000.000. Da mesma forma, ela contraria as linhas gerais dessa classificação, porém com um pouco mais de detalhamento, adotadas nas fases I e II do Zoneamento Ecológico e Econômico do Acre (ACRE, 2000; 2006), que usou escala de 1:250.000.

A AER do PE Chandless, durante as suas duas campanhas de campo, consistiu em um esforço de pesquisa sistemático, detalhado, representativo, intensivo e repetitivo. Nela as imagens de satélite e respectivas hipóteses de tipologias inferidas a partir delas serviram para guiar a instalação de pontos amostrais e os estudos no campo se basearam em inventários florísticos. Pereira e Bersch (2006), comentando sobre a forma como se definiram as grandes formações fitoecológicas do Acre, afirmam que ela se baseou unicamente na interpretação de imagens de satélite e em informações de inventários florestais. Pode-se, dessa forma, inferir que a classificação da vegetação acreana como Floresta Ombrófila Densa, Floresta Ombrófila Aberta e Campinaranas está fortemente baseada em aspectos estruturais e fisionômicos. Muito pouco foi considerado dos aspectos florísticos, climáticos e de comportamento fenológico das florestas nativas do Estado.

3.5. Gênese das Florestas Caducifólias na região

Por (1992) sugere que as florestas estacionais, especialmente as da bacia do rio Paraná e as florestas residuais e de galeria ao longo das principais bacias fluviais daquela região, funcionaram como uma ponte ecológica para as migrações florísticas entre a Mata Atlântica e as florestas no oeste da Amazônia localizadas nas adjacências do Rio Paraguai e tributários do Rio Madeira, no oeste, incluindo o rio Guaporé. Muitas destas florestas são estacionais semideciduais e se distribuem pela depressão pantaneira do Mato Grosso do Sul, margeando rios da bacia hidrográfica do Paraguai (IBGE 1992).

Ratter (1987) aponta para a existência de manchas de florestas semidecíduas na região mais seca da “hiléia” no Mato Grosso e outros enclaves. Estudos recentes, como os de Sasaki et alii (2008) no Parque Estadual do Cristalino, localizado no extremo norte do Mato Grosso, confirmam a sugestão de Ratter e apóiam as idéias de Por, ao identificar a ocorrência de Floresta Estacional Semidecidual e Campinaranas em conjunto com Florestas Ombrófilas Abertas no referido Parque.

Prado & Gibbs (1993) alertam para a pouca atenção dada à influência das mudanças climáticas ocorridas no passado sobre a expansão da vegetação semidecídua e decídua e postulam que as espécies envolvidas na retração-expansão cíclicas das florestas são atualmente elementos das caatingas e de algumas florestas deciduais e semidecíduas que ocorrem nos Estados de Goiás, Minas Gerais, São Paulo e norte do Paraná.

3.6.AER do PE Chandless: novas questões fitoecológicas

A AER do PE Chandless levanta outras questões fitoecológicas importantes, especialmente as relacionadas com a presença das florestas com sub-bosque dominado pelo bambu Guadua spp.

Uma questão que necessita ser investigada é se o comportamento fenológico do dossel da floresta existente da UC e regiões adjacentes é uma resposta a possíveis mudanças climáticas que estão em curso na região leste do Acre em função do alto índice de desmatamento (acima de 30%).

Outra questão diz respeito a um possível favorecimento climático indireto ao estabelecimento e manutenção das extensas áreas de florestas com bambu dominante naquela região. Esta suposição se baseia em observações de campo e de sobrevôos, que revelaram que a floresta com bambu dominante tem sempre um componente arbóreo menos numeroso do que na condição onde o bambu Guadua spp.está ausente. A deciduidade do dossel das florestas por período prolongado em função da estiagem que abre espaço físico vital e aumenta de forma dramática o nível de luminosidade que chega às camadas mais baixas da vegetação pode estar favorecendo a rápida colonização do sub-bosque dessas formações florestais pelo bambu.

Uma eventual confirmação dessa hipótese mostrará, então, que são as condições climáticas específicas daquela região, e secundariamente as características do solo e talvez a disponibilidade de água, o fator que tem limitado a expansão das florestas dominadas por bambu para regiões adjacentes no oeste do Acre, sul do Amazonas e no Peru.

TABELA 1 - Descrição sumária das tipologias vegetais do PE Chandless e suas subdivisões

CÓDIGO

AER

DESCRIÇÃO

1

FORMAÇÕES PIONEIRAS

1a

FORMAÇÕES PIONEIRAS DE INFLUÊNCIA FLUVIAL (FPIF)

Conjunto de formações vegetais pioneiras em diferentes estágios de desenvolvimento, em áreas de ativa deposição aluvial.

1b

FORMAÇÕES PIONEIRAS ALUVIAIS (FPA)

Conjunto de formações vegetais pioneiras em diferentes estágios de desenvolvimento em áreas inundáveis, em solos arenosos nas margens do rio Purus.

2

FLORESTA OMBRÓFILA ABERTA DE INFLUÊNCIA ALUVIAL

Florestas em terraços alagáveis, adjacentes aos rios Chandless e Chandless-chá e igarapé Cuchichá.

3

FLORESTA OMBRÓFILA DENSA

Florestas em fundos de vales em áreas de terra firme, encontrada no limite da UC com o município de Santa Rosa do Purus.

4

VEGETAÇÃO SOBRE LAGOAS DE ORIGEM FLUVIAL (QUEIMADAS)

Composta por ervas, arbustos e lianas, se constituindo em formações isoladas, de pequena superfície e permanentemente alagadas.

5

FLORESTA TROPICAL CADUCIFÓLIA COM BAMBU NO SUB-BOSQUE

Constitui-se em manchas com densidade variável de dominância do bambu, geralmente fáceis de serem segregadas.

6

FLORESTA TROPICAL CADUCIFÓLIA COM PALMEIRAS NO SUB-BOSQUE

6a

Floresta bem estruturada e dossel uniforme presentes nos fundos de vales e mais raramente no topo de elevações.

6b

Floresta das encostas e topo das elevações, mal estruturadas, muitas vezes ocupando áreas onde o bambu morreu em anos recentes.

3.7. Caracterização resumida das tipologias do PE Chandless

Existem 6 grandes tipologias na área do PE Chandless (Tabela 1): Formações pioneiras de influência fluvial (FPIF) e aluvial (FPA), Floresta Ombrófila Aberta de Influência Aluvial, Floresta Ombrófila Densa, Queimadas (QMA), Florestas Tropicais Caducifólias com palmeiras no sub-bosque e Florestas Tropicais Caducifólias com bambu no sub-bosque. As FPIFs estão distribuídas ao longo das margens dos rios e grandes igarapés, nas áreas de ativa deposição fluvial. A Floresta Ombrófila Aberta de Influência Aluvial ocorre nos terraços temporariamente alagáveis ao longo dos principais cursos de água que drenam a UC. A Floresta Ombrófila Densa é encontrada em pequenas manchas nos fundos de vales. As queimadas, que representam a menores formações, são encontradas em pontos isolados na parte central da UC. As Florestas Caducifólias com palmeiras e bambu no sub-bosque predominam nas áreas de terra firme da unidade.

As formações com bambu dominante geralmente ocorrem nos locais de mais baixa altitude, muitas vezes adjacentes a áreas aluviais, ou chegando a ocupar a margem dos rios. As formações onde as palmeiras dominam o sub-bosque estão presentes nas áreas mais altas e distantes dos grandes cursos de água. Nas regiões onde ela predomina, se observa que ela tem características distintas. Nos fundos de vales, por exemplo, é comum a ocorrência de paxiubais Iriartea deltoidea, o estrato herbáceo é mais diversificado e numeroso e a floresta geralmente é bem estruturada. No topo das elevações, as florestas são mais abertas e a ocorrência de palmeiras de médio porte no sub-bosque é muito grande, especialmente nos casos de jarina Phytelephas macrocarpa e murmuru Astrocaryum spp.

(*) Trabalho TERMO DE REFERÊNCIA Nº 03 / 2007 Tarefa: 01.03.19.02.01.02 / Parque Estadual Chandless / SEMA-AC, executado pela Fundação SOS Amazônia

26 janeiro 2011

SERVIÇOS DE SAÚDE NA FRONTEIRA DO BRASIL COM O PERU E A COLÔMBIA

Pesquisador da Fiocruz constatou: brasileiro que mora na fronteira não pode ser atendido nos outros países. No entanto, o contrário pode acontecer, pois para o SUS não interessa a nacionalidade. Assim, um brasileiro com problema grave de saúde tem que viajar até a cidade brasileira mais próxima para receber atendimento, mesmo estando próximo de outro país com o qual fazemos fronteira e com melhores condições de atendimento

Elton Viana
Agência Fiocruz de Notícias

Das 27 unidades federativas do Brasil, 11 fazem fronteira com 10 países da América do Sul. São 15.719 km de extensão de fronteiras com uma população brasileira de cerca de 3 milhões de habitantes. Garantir o acesso e uma boa qualidade dos serviços públicos de saúde aos habitantes dessas áreas fronteiriças,tem sido uma preocupação dos países envolvidos na questão. No Brasil já existe o Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS Fronteira), que tem por objetivo promover a integração de ações e serviços de saúde na região e contribuir para a organização e o fortalecimento dos sistemas locais de saúde nos municípios fronteiriços. “O nosso governo já reconhece a peculiaridade geográfica da área e tem o interesse de integrar os sistemas de saúde locais. Não interessa que doença o cidadão tem, o que interessa é que ele necessita de cuidados”, explica Antônio Levino, médico e pesquisador da Fiocruz Manaus, que acaba de defender a sua tese em saúde pública na Fiocruz Pernambuco, com o tema Caracterização geográfica, epidemiológica e da organização dos serviços de saúde na tríplice fronteira Brasil/Colômbia/Peru.

A pesquisa desenvolvida por Levino – sob a orientação do pesquisador e diretor da Fiocruz Pernambuco, Eduardo Freese – analisa a possibilidade de uma integração formal dos serviços de saúde situados na fronteira entre estes três países. Segundo ele, com a superação do antigo conceito de fronteira, cuja lógica era de competição direta entre os países e de militarização, e que tem sido substituída pela política de cooperação internacional. “A fronteira muda qualitativamente e países vizinhos passam a pensar como solucionar um grupo de problemas que são comuns. No caso deste trabalho destacamos a questão da saúde. A fronteira existe como um divisor legal de território, contudo a saúde não pode ser pensada desta forma. O atendimento na região de fronteira deve ser inclusivo, valorizando o ser humano, independentemente de sua nacionalidade”, defende o pesquisador.

Para Levino é possível conciliar os serviços de saúde de forma integral e prestar uma melhor atenção ao cidadão que vive na fronteira. O Sistema Único de Saúde (SUS) – modelo brasileiro de saúde pública – apresenta uma proposta mais inclusiva de organização da assistência. Sustentados com base na arrecadação de impostos, os recursos são descentralizados para os fundos de saúde das três esferas de governo e o atendimento é prestado para quem contribui ou não, fazendo valer o direito à saúde, que é assegurada na Constituição. Já nos países vizinhos o modelo pode ser entendido como excludente à medida que o Estado contrata empresas privadas para gerir a saúde pública, sendo o atendimento realizado por pacotes adquiridos a partir da sua renda e “contratados”, de acordo com sua capacidade contributiva.

Modelo de saúde nos países de fronteira

No estudo Caracterização geográfica, epidemiológica e da organização dos serviços de saúde na tríplice fronteira Brasil/Colômbia/Peru foi percebida a boa estrutura que os países vizinhos apresentam em muitas de suas unidades médicas em termos de espaço físico, aparelhagem e recursos humanos. Contudo, o modelo de atendimento segrega o indivíduo, de acordo com sua condição social e financeira. Um exemplo é a Colômbia, que adotou no seu sistema de saúde o modelo chamado Plano Obrigatório de Saúde (POS). Este sistema terceiriza a saúde, remunerando por meio de um fundo – oriundo de contribuições e impostos – várias operadoras de saúde, onde os cidadãos são divididos em duas categorias: o POS contributivo e o POS subsidiado. O primeiro trata-se do cidadão que paga mais ou o equivalente para receber assistência e pode utilizar um pacote de serviços diferenciado. O valor pago a mais, vai para um fundo excedente. Já o subsidiado desembolsa uma contribuição menor, consequentemente, tendo uma série de restrições no seu acesso aos tratamentos.

Já no Peru a rede de saúde é subdividida em quatro subsistemas, também associada a diferentes clientes. O Plano Integral é destinado a quem não tem renda ou ganha pouco. Essas pessoas são cadastradas e classificadas como carentes. O outro subsistema é o ESSALUD, voltado para assalariados, profissionais liberais ou funcionários públicos, é o único plano nacional destinado a quem possui carteira assinada e contribui na fonte, possuindo uma rede hospitalar própria para esta clientela. O terceiro subsistema é um Plano Nacional de Atendimento as Forças Militares (Exército, Marinha, Aeronáutica e Polícia Nacional). O último subsistema é o privado, onde quem pode pagar, contrata um plano de saúde de forma privada. No Peru estes sistemas são fechados sem comunicações entre si.

“Quando olhamos os sistemas destes três países, se encontrando na fronteira com características diferentes, percebemos a população transitando em meio a qualidades de atendimentos com contrastes sociais. Como desenvolver uma ação de cooperação entre estes sistemas?”, pergunta Levino. Hoje, um cidadão brasileiro que mora na fronteira, não pode ser atendido em outro país. No entanto, em tese, o contrário pode acontecer, uma vez que para o SUS não interessa a nacionalidade. “O fato de não termos uma fronteira integrada faz com que, hoje, um brasileiro que mora na fronteira, tendo um problema mais grave de saúde, tem que viajar quilômetro até uma cidade brasileira mais próxima para receber atendimento, mesmo estando ele próximo de outro país com o qual fazemos fronteira e com melhor condição de atendimento”, explica.

A tese aprovada em novembro apresenta um conjunto de informações importantes, que podem subsidiar as autoridades sanitárias no processo de integração dos sistemas locais de saúde. A partir de um questionário aplicado aos gestores de 47 estabelecimentos de saúde, de 16 localidades fronteiriças, foi traçado um perfil completo da oferta de serviços na zona de fronteira, contemplando: urgência e emergência; assistência à mulheres gestantes; controle da tuberculose, hanseníase, hipertensão e diabetes; oferta de leitos hospitalares e de UTI; disponibilidade de profissionais especializados; além da oferta de exames, consultas e cirurgias especializadas.

25 janeiro 2011

CANA-DE-AÇUCAR NO SUDOESTE DA AMAZÔNIA

A inserção recente da cana-de-açúcar no sudoeste da Amazônia: novos indícios da instabilidade do território em Rondônia e Acre (*)


Mirlei Fachini Vicente Pereira (**)


Introdução

[Colheita mecanizda de cana no Acre. Foto: Gleilson Miranda/Secom/AC]

A partir dos anos setenta até os dias de hoje, o poder público e a iniciativa privada operam políticas que visam tornar a agricultura uma atividade moderna e competitiva nos estados de Rondônia e Acre, no sudoeste da Amazônia brasileira. O meio geográfico e a estrutura fundiária da região conhecem, neste período, certa preparação para a empresa capitalista de origem externa.

Tal processo se intensifica no final da década de noventa, com a viabilização de um novo corredor de exportação, a hidrovia Madeira-Amazonas (que escoa a produção de grãos realizada no norte e noroeste do Mato-Grosso), e a agricultura de soja voltada para o mercado externo torna-se viável também no estado de Rondônia. Esta cultura de exportação tem expandido em diversos municípios no sul do Estado (sobretudo nos campos originalmente cobertos pelo cerrado), promovendo novas dinâmicas de uso do território que conferem importante reconfiguração das atividades agrícolas na região.

Assim, a história da ocupação e do uso do território nos Estados de Rondônia e Acre é muito marcada por um embate entre diferentes lógicas territoriais, onde, de um lado, resistem atividades tradicionais de produção agropecuária pouco capitalizadas (que às vezes se aproximam mesmo dos cultivos de subsistência), enquanto, de outro lado, agentes e capitais externos à região promovem, amiúde, ações para a inserção de práticas agropecuárias modernas e mais capitalizadas, voltadas sobretudo para um mercado consumidor que se localiza em outras regiões do país, ou mesmo no exterior.

Mais recentemente, nestes primeiros anos do novo século, novos esforços externos têm alcançado e transformado vastos espaços desta parte da Amazônia, inserindo, com amplo apoio de políticas públicas, a atividade sucroalcooleira, ou ainda, e melhor dizendo, o cultivo de cana-de-açúcar voltado especialmente para a produção de álcool combustível ("etanol"). A participação do Brasil como país agroexportador na divisão internacional do trabalho ganha ainda mais força neste período atual com as políticas de produção dos chamados biocombustíveis, demandando maior produção agrícola para a exportação de commodities valorizadas no mercado externo. O recente crescimento da área produzida e da produtividade da cana-de-açúcar (ou de etanol) em diversas unidades da federação atesta a tendência subordinada do país na divisão internacional do trabalho, resultando numa atividade que se volta em grande parte para o mercado externo.

É por isso que novas áreas cultivadas e um novo conjunto de unidades produtivas (grandes usinas) e objetos técnicos voltados para o processamento da cana-de-açúcar aparecem de norte a sul do Brasil, sobretudo no Centro-Sul do país, mas também em áreas localizadas até mesmo no interior da Amazônia, onde nunca a produção extensiva da cana-de-açúcar para a produção de álcool houvera existido. Paralelamente à inserção deste novo cultivo, tais novas regiões produtoras também são alvo de vetores econômicos e políticos importantes, que legitimam mudanças importantes, no mais das vezes caracterizadas por uma fragmentação territorial que desmantela organizações espaciais pretéritas, dotando o espaço de uma entropia de origem externa e tornando o território instável (SANTOS, 1978).

Em que pese tal fenômeno ser ainda muito recente, arriscamos avaliar alguns dos (des)caminhos que a inserção do cultivo de cana-de-açúcar e da produção de álcool combustível conhece na Amazônia, o que faremos neste ensaio, a partir dos casos acreano e rondoniense.

Para pensar a instabilidade do território: a inserção recente da cana-de-açúcar no Sudoeste da Amazônia

Que tipo de fenômeno geográfico poderia caracterizar determinado território como instável? As profundas transformações a que o território brasileiro está exposto configuram um dinamismo resultante de uma "rápida evolução" (fruto mesmo de um crescimento econômico e de um desenvolvimento do conjunto da nação) ou trata-se mesmo da proliferação de usos territoriais corporativos e de origem exógena (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 299) que, no mais das vezes, indicam a ausência de um projeto pautado em propósitos bem definidos e corretamente direcionados?

O avanço da cultura da soja, do modo como ele ocorre no Brasil, parece resultar justamente desta corrida sem freio a um crescimento concentrador que só tem preocupação com o mercado externo e com a acumulação de alguns poucos agentes que continuam a figurar como os mais privilegiados. Tais processos parecem indicar a natureza de um fenômeno espacial que, em determinados lugares, configura o que Milton Santos e María Laura Silveira denominaram "território instável" (SANTOS, 1978; SANTOS; SILVEIRA, 2001; SILVEIRA, 2002).

Tal instabilidade do território que, no dizer de Santos e Silveira (2001, p. 299), já aparece em frações do território brasileiro como uma verdadeira "crise de identidade", pode ser observada na porção sudoeste da Amazônia brasileira, nos estados de Rondônia e Acre. Para além da constituição de novas áreas da produção moderna de soja para a exportação (especialmente no estado de Rondônia), o sudoeste amazônico tem sido alvo de alguns projetos bastante recentes de inserção da produção de cana-de-açúcar e da instalação de usinas voltadas à produção de álcool combustível (etanol).

O discurso que privilegia a inserção do cultivo e da industrialização da cana-de-açúcar é sempre aquele voltado para o "desenvolvimento", pois, em tese, significa diversificação e autossuficiência na produção, o que significaria acesso a um combustível mais barato. No entanto, os projetos de instalação das usinas de álcool no sudoeste da Amazônia têm, no mais das vezes, a pretensão de uma produção também voltada para a exportação e que deixa de atender, portanto, as necessidades locais.

Insistências e crise da inserção do cultivo da cana e da produção de álcool no estado do Acre

[Autoridades do governo acreano prestigiando o início das atividades de colheita de cana na usina Alcool Verde. Foto: Gleilson Miranda/Secom/AC]


No estado do Acre, em que o projeto de desenvolvimento territorial aparece em muito pautado no discurso da sustentabilidade (ACRE, 2006), uma inserção recente do cultivo de cana-de-açúcar é estimulada pelo próprio governo do estado.

Desde 2005, o governo estadual do Acre trabalha para adquirir as instalações de uma antiga usina de álcool (a Alcobrás), implantada na década de oitenta no município de Capixaba (vale do rio Acre), empreendimento que até então nunca funcionara. Em 2007, o Banco do Brasil, que havia financiado o empreendimento e era detentor de seu patrimônio, repassa ao estado do Acre os bens remanescentes da usina. A alternativa para colocar a usina em funcionamento foi o arrendamento do patrimônio a um grupo privado do setor de açúcar e álcool, o Grupo Farias, com sede em Pernambuco (1).

Numa espécie de "parceria público-privada", o governo do Acre media as ações do grupo Farias para a formação da nova usina, que fora batizada de "Álcool Verde", com a intenção de que a participação do governo do estado pudesse orientar as atividades de modo que o empreendimento não gerasse impactos sociais e ambientais negativos. Um conjunto de normas foi formulado, como é o caso, por exemplo, da necessidade de se estabelecer parcerias entre o grupo que gerencia o empreendimento e pequenos produtores rurais do município que, potencialmente, poderiam arrendar parte de suas terras à usina. A nova usina acaba sendo fundada com a seguinte composição acionária – 60% das ações sob controle do Grupo Farias, 10% adquiridos pelo empresário Maurílio Biaggi, 25% controlados por empresários acreanos e 5% de propriedade do Estado do Acre.

O empreendimento já é considerado o de maior expressão econômica e financeira do estado na atualidade. Apenas no ano de 2007 o grupo Farias investiu cerca de 15 milhões de reais, com planos de investimento que totalizam mais de R$ 25 milhões até o ano de 2010, quando a usina deverá operar em sua capacidade máxima, com produção anual de 90 milhões de litros de álcool, o que deverá movimentar anualmente cerca de 70 milhões de reais (MAIA, 2008). Fala-se na geração de 880 empregos nos períodos de safra, quantidade que diminuirá para 635 postos durante a entressafra (ÁLCOOL VERDE/NEPUT-UFV, 2008, p. 15). Quando em funcionamento, a usina, única do gênero no Acre, deverá ocupar cerca de 10% da área de pastagens degradadas do vale do rio Acre (porção leste do Estado). Segundo dados divulgados pelo próprio grupo Farias, em outubro de 2007, já estavam diretamente empregados cerca de quatrocentos funcionários, principalmente no trabalho de plantio e colheita, ainda que esteja previsto o emprego da técnica mecanizada de colheita da cana (ROSAS, 2007).

Mesmo que existam impasses ambientais e toda uma resistência do IBAMA à expansão do cultivo de cana-de-açúcar e das usinas na Amazônia, o próprio zoneamento do território realizado pelo governo do estado (Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre) permite e indica que a área a ser ocupada pelas plantações de cana (que se enquadra na chamada "Zona 1" do ZEE) é propícia para tal atividade, alegando que apenas as áreas de pastagens deverão converter-se em áreas para a nova cultura, ou seja, o que rege a política do zoneamento é essencialmente uma base ecológica. Para além dos aspectos ecológicos, o zoneamento ecológico-econômico realizado na Amazônia parece, às vezes, ser incapaz de levar em consideração toda a dinâmica (social, geográfica, política) do uso do território (ACSELRAD, 2000).

Aproveitando-se da situação e do poder de barganha perante o volume de capital que investe no lugar, o Grupo Farias vale-se mesmo de um discurso de valorização da preservação do meio ambiente, alegando que as suas atividades no município incluem, para além do uso exclusivo de pastagens degradadas e pouco produtivas, também a realização de programas de monitoramento e recuperação ambiental que incluem a recomposição de matas ciliares para a proteção de áreas de preservação permanente, ações que, de fato, já figuram como exigências para a liberação de licenças para o funcionamento deste tipo de empreendimento.

Manifestando a força de uma psicoesfera modernizadora (SANTOS, 1996), ainda que as preocupações territoriais de caráter social e ambiental apareçam frequentemente no discurso do Estado, grande euforia "desenvolvimentista" acompanha o projeto da Álcool Verde, e uma série de jornais locais, de imediato, começam a divulgar as transformações que ocorrem na paisagem da BR-317 com a inserção do cultivo da cana (2). O Relatório de Impacto Ambiental produzido pelo grupo Farias, que é uma das condições para a instalação da usina, conclui que

A instalação do empreendimento na região poderá criar um pólo de desenvolvimento, com incremento da agricultura e de todos os negócios que ao redor dela gravitam, na criação de empresas somente viáveis pela presença do empreendimento (ÁLCOOL VERDE/NEPUT, 2008, p. 87) (grifo nosso).

Dessas promessas, o empreendimento foi capaz de mobilizar uma série de produtores assentados em projetos de reforma agrária, que deixaram em segundo plano as suas atividades em busca de emprego na usina. A situação, de certo modo, parece escapar ao controle do poder público (3), fazendo mesmo com que apareçam, por parte do grupo que controla a usina, propostas para a compra das ações controladas pelo Estado do Acre.

Até o final do ano de 2009, o empreendimento não havia iniciado suas operações produtivas, já que, por diversas razões de ordem normativa (sobretudo por problemas de adequação às normas de caráter ambiental), os investimentos necessários para pôr a usina em funcionamento não foram realizados, ainda que o início da produção esteja previsto para 2010. Mais uma vez, o projeto corporativo de grandes grupos empresariais externos ao lugar aparece como projeto hegemônico, e desta nova "instabilidade do território", que se torna agora mais frágil e mais dependente de políticas e capitais externos ao lugar, desenha-se um novo futuro (ainda incerto) (4) para as famílias de assentados que praticam a agricultura no vale do rio Acre.

Arranjos normativos e "êxito" da produção de álcool em Rondônia

[Governador de Rondônia, Ivo Cassol, visitando plantação de cana-de-açúcar em Cerejeiras. Foto: Decom/RO]

Se, no Acre, o sistema de normas ambientais é exigente de uma série de adaptações ou restrições ao funcionamento das usinas produtoras de álcool, em Rondônia, ao contrário, um arranjo de normas territoriais garante o "êxito" da produção, especialmente pelas oportunidades de isenção fiscal oferecidas pelo Programa de Incentivos Tributários do estado. Assim, o território se torna viável (SILVEIRA, 2002, 2003) e Rondônia aparece como uma unidade da federação "atrativa", que passa a ser alvo de interesse de grupos externos que atuam no setor sucroalcooleiro.

Tal mecanismo normativo que garante os incentivos territoriais foi estabelecido em 2005, através da Lei n. 1558, intitulada Lei de Incentivos Tributários do Governo de Rondônia, que visa incentivar empresários a investir no território rondoniense. A lei prevê a isenção de 60 a 85% do ICMS devido pelas empresas, além de isentar de outros tributos recolhidos pelo Estado, incentivos que podem ser desfrutados por um período de até dez anos. Repetindo práticas de "desenvolvimento" que ocorrem em boa parte do território brasileiro, soma-se a esta política de isenção fiscal também a prática muito generalizada da doação, pelas prefeituras municipais, de terrenos, infraestrutura e também a isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). É desta entrega facilitada dos recursos territoriais que se produz uma verdadeira "acumulação prévia" (PEREIRA, 2006), que viabiliza a instalação e garante, a priori, rentabilidade aos investimentos corporativos.

Atraída pelas vantagens fiscais oferecidas pelo Estado, a primeira usina instalada em Rondônia localiza-se no município de Santa Luzia d'Oeste (Usina Boa Esperança) e entrou em funcionamento no ano de 2008. Com investimentos da ordem de R$ 70 milhões (R$ 29 milhões financiados pelo Banco da Amazônia), o empreendimento tem capacidade instalada para a produção de 300 mil litros de álcool combustível por dia (não há previsão para início da produção de açúcar), produto que está sendo comercializado por doze diferentes distribuidoras no estado (5).

Tal como no caso acreano, estes novos objetos técnicos de produção no campo (usinas) atuam, necessariamente, como estimuladores de um novo cultivo, já que não há tradição deste tipo de atividade no estado de Rondônia. Disto, temos novamente uma instabilidade territorial que decorre potencialmente das transformações estruturais do espaço herdado, com reconfigurações produtivas, rearranjos da estrutura fundiária, entre outras ações que, em muitos casos, terminam por tornar ainda mais corporativo o uso do território. O resultado direto deste novo empreendimento produtivo em Rondônia é que o município de Santa Luzia, que há poucos anos não apresentava nenhuma área cultivada com cana-de-açúcar, era, já em 2007, responsável por mais de 85% da produção do estado (IBGE, 2009).

Até mesmo onde o cultivo de soja já se encontra bem estabelecido no estado de Rondônia, a cana-de-açúcar e a atração de usinas aparecem como nova estratégia de acumulação e crescimento econômico, tal como ocorre em Cerejeiras, o segundo município maior produtor de soja no estado.

O grupo mato-grossense USIMAT anuncia, em 2007, a instalação de uma usina de álcool em Cerejeiras e inicia o plantio de 300 hectares, com estimativa de alcançar 20 mil hectares em 2009, com início da produção de álcool programada para 2010 (produção anual estimada em 80 milhões de litros). Há expectativas de investimentos da ordem de R$120 milhões e proliferam-se os discursos em que sempre há lugar para a esperança de que novos empregos sejam gerados (6).

A função das normas e dos incentivos mais uma vez aparecem como o principal viabilizador do projeto – a localização do município de Cerejeiras abaixo do "Paralelo 13" (áreas que, em tese, menor impactam as zonas de florestas equatoriais) oportuniza melhor inserção da produção nos mercados da Europa e dos EUA, onde cada vez mais aumentam as restrições de cunho ambiental à importação de gêneros industrializados produzidos em áreas tropicais. Para além disto, a prefeitura de Cerejeiras doou terreno e realizou serviços de terraplanagem no local de instalação da usina, além do papel do Estado, que participou de forma decisiva na atração do empreendimento, concedendo incentivos fiscais e tributários. Há intenção de que a produção possa ser exportada a partir da hidrovia do Madeira, o que tornará o produto ainda mais competitivo no mercado externo (7). Assim, os problemas solucionados são antes de tudo os que aparecem como necessários à atração de empresas e capitais externos, que, no mais das vezes, tem seus interesses endereçados a demandas longínquas.

Considerações finais – Desenvolvimento? Por quais vias?

Para além de deixar em segundo plano importantes necessidades locais, como é o caso, por exemplo, da produção de gêneros alimentícios que continuam sendo importados, a expansão do cultivo da cana-de-açúcar no sudoeste da Amazônia é realizada de forma corporativa, e atende mais aos interesses de agentes privados do que aos interesses do lugar e da nação.

Neste início de século, quando o álcool combustível (agora "etanol"), produto de que o Brasil detém tecnologia e liderança de produção, torna-se commodity valorizada (e globalizada) no mercado internacional, o país deixa de regular os preços da própria produção, perde o poder de regulação sobre o que produz. O aumento da produção, que agora ocorre em áreas sem nenhuma tradição e sem infraestrutura, não significa poder de barganha no mercado internacional, nem mesmo garantia de preço acessível e estável para o mercado interno.

Mais uma vez, a ideia de modernização e de desenvolvimento regional se impõe a espaços tantas vezes tidos como "atrasados", como comumente são referidas as áreas de produção agrícola tradicional e voltadas para o consumo local, nos estados de Rondônia e Acre. Deste modo, impera, nestes projetos de inserção da cana-de-açúcar e da produção do álcool combustível na Amazônia, uma psicoesfera que prepara espíritos e legitima ações e projetos corporativos (SANTOS, 1996) que, no mais das vezes, não possuem o menor compromisso com as características pretéritas do lugar (o "espaço herdado"), valorizando práticas estranhas à cultura local e agentes externos que disseminam novas necessidades e novos comportamentos sociais (8).

Onde imperam um tipo de "desenvolvimento" e atividades que pouco atendem aos interesses locais, prevalece uma dinâmica imprevisível do território, cujo controle escapa às instâncias locais de organização. Daí podermos pensar na emergência de um território instável, comando cujo uso é guiado por interesses longínquos.

Este território instável também resulta de um uso territorial cuja razão muito atende aos interesses corporativos, fenômeno que pode ser identificado nestes projetos recentes que incentivam e promovem a inserção do plantio da cana-de-açúcar e a instalação de usinas de álcool no sudoeste amazônico, empreendimentos que amplamente desfrutam de incentivos fiscais e territoriais estrategicamente elaborados para a atração do investimento privado, como se tal medida fosse, por si só, capaz de garantir o desenvolvimento da região e do país.

Notas

(1) Além das novas instalações no Acre, o Grupo Farias atua no ramo de açúcar e álcool nos estados de Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, Rio Grande do Norte e São Paulo.

(2) Segundo informações divulgadas pela imprensa local (Jornal Página 20, Rio Branco), os ganhos anuais com a atividade pecuária chegam a R$ 200,00 por hectare, enquanto o arrendamento da mesma área para o plantio de cana rende R$ 300,00, sem despesas com insumos e funcionários. "A palavra cana soa doce aos ouvidos dos produtores, tanto grandes quanto pequenos. A partir da divisa dos municípios de Senador Guiomard e Capixaba é difícil ver boi. Os pastos estão sendo substituídos pela nova cultura numa velocidade impressionante. Arrendar terras para o Grupo Farias, acionista majoritário da Usina Álcool Verde, tornou-se melhor negócio do que a pecuária" (ROSAS, 2007).

(3) É o caso, por exemplo, de vários dos assentados do Projeto Zaqueu Machado e Alcobrás I e II, os mais próximos ao empreendimento, que preferem vender sua força de trabalho em troca de um salário mínimo e da carteira assinada, como fora muito divulgado no Jornal Página 20. "Mesmo com algumas regras para limitar a entrada de assentados, são será fácil. O próprio Mauro Ribeiro (secretário estadual de Agricultura e Pecuária) admite a existência de um diagnóstico em que 60% dos colonos têm vontade de plantar cana. Essa é uma tarefa que facilita a vida da Álcool Verde, que necessitará de 38 mil hectares para produzir o suficiente. Por enquanto, a plantação consome 1,8 mil hectares, com previsão de chegar a 2,4 mil até o fim do ano. A meta é chegar a sete mil hectares em 2008" (ROSAS, 2007).

(4) Durante o ano de 2009, o empreendimento encontrava-se em processo de adaptação do projeto da usina às exigências ambientais do IBAMA e também de constantes pedidos de revisão do EIA-RIMA pela Promotoria Pública e pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Acre.

(5) "A usina [em Santa Luzia-RO] ocupa área de 22 hectares, totalizando 4,9 mil metros quadrados de área construída. Seus reservatórios têm capacidade para armazenar 10 milhões de litros de álcool combustível. Todo o processo produtivo é controlado por sete modernas centrais de processamento de dados. Técnicos da usina monitoram tudo na tela do computador". "Ao todo, são 392 funcionários, sendo 147 da usina de álcool e 245 da lavoura" (CORECON, 2009).

(6) Vide, por exemplo, reportagem de Afonso Locks, publicada no jornal Folha de Rondônia (Ji-Paraná-RO), em 28/10/2007.

(7) Dados obtidos na reportagem "Cerejeiras: progresso com usina de álcool", publicada na revista Alerta Notícias, Vilhena, Ano II, n. 30, julho de 2007.

(8) A psicoesfera, reino das crenças e dos valores, acompanha e mesmo se antecipa à renovação da tecnoesfera (a esfera dos objetos técnicos no território) (SANTOS, 1996, p. 204). Tal como reconhece Ana Clara T. Ribeiro (1991, p. 48), "Essa psicoesfera produz a busca social da técnica e a adequação comportamental à interação moderna entre tecnologia e valores sociais. Alguns setores produtivos parecem alimentar, com especial ênfase, os processos culturais de consolidação dessa psicoesfera, conformando verdadeiros pólos emissores de valores".

Referências

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CORECON (Conselho regional de Economia de Rondônia). Rondônia ganha sua primeira usina de álcool. Seção Notícias, 22 de novembro de 2008. Disponível em: . Acesso em: 25 fev. 2009.

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(*) Artigo originalmente publicado na revista Interações (Campo Grande) vol. 11 no. 2 Campo Grande Jul/Dez 2010.

(**) Professor Adjunto, Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: mirlei@ig.ufu.br