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27 abril 2012

O CÓDIGO DA "MAIORIA"

Pode-se chamar o resultado da votação do Código como algo inerente ao jogo democrático. Pode-se chamar a isso também de crime de lesa-pátria. Na democracia a opinião é livre. Mas as consequências do voto são compulsórias.

André Trigueiro*

Aprovou-se um Código Florestal sem o amparo da boa ciência, que não garantirá segurança jurídica no campo nem livrará o país do desgaste das chamadas “batalhas das liminares”. Foi aprovado um relatório cuja primeira versão, assinada pelo deputado Aldo Rebelo e aprovada no ano passado na Câmara, trazia a seguinte dedicatória: “Aos agricultores brasileiros”. Era a primeira indicação de que o Código Florestal, na verdade, mais se prestava a ser um novo marco regulatório do setor produtivo do que qualquer outra coisa. Não que o Código fosse perfeito, imune a críticas ou ajustes. Mas perdeu-se, já na largada do processo, as condições adequadas para a promoção de um debate franco, aberto, com interlocutores qualificados de diferentes instituições ligadas ao assunto e parlamentares criteriosamente escolhidos por suas respectivas bancadas para conduzir um projeto estratégico de desenvolvimento do país.

Na votação do Código em 1º turno na Câmara, a maioria dos parlamentares votou sem a menor preocupação em conhecer o texto, debatê-lo, fazer propostas ou ajustes. O clima era de insatisfação generalizada na “base aliada” com o tratamento dispensado pelo Palácio do Planalto. Lideranças ressentidas com a falta de diálogo, com a escassez de recursos federais que não estariam mais sendo repassados como antes, e com o clima de “caça às bruxas” causado pela demissão de ministros, deram a resposta no voto. Um voto no escuro. Ninguém sabia dizer ao certo o que era o texto, o que estavam votando e que consequências aquilo teria.

A tramitação do texto no Senado foi alvo de maiores cuidados e menos paixão. Houve avanços em relação ao que foi aprovado na Câmara, mas tanto o relator Jorge Vianna quanto a ministra Izabella Teixeira foram duramente criticados por organizações ambientalistas pelo fato de trabalharem em favor de um acordo possível. Na verdade, o governo deu a impressão de que demorou muito a acordar. Parecia disperso, consumindo precioso tempo e energia em outras frentes de mobilização política. Quando se deu conta, já era tarde. Parte dos ambientalistas também ficou estigmatizada pela aversão ao diálogo.

Embora pesquisas de opinião revelem que a maioria da população é contra as mudanças propostas no Código Florestal, as manifestações de rua ou pela internet contra a proposta de mudança no Código não demoveram a bancada ruralista de sua estratégia: aproveitar o desgaste dos partidos da base aliada com o governo para avançar rapidamente na direção de objetivos mais ousados. É quando entra em cena o deputado Paulo Piau, relator do texto-base que veio do Senado. As 21 mudanças propostas por ele feriram de morte o texto que selava o acordo da base aliada no Senado. O governo se recusou a negociar um texto que era entendido como definitivo, e os dois principais partidos da base aliada, PT e PMDB, deram a mais fragorosa demonstração de que as aparências não enganam: o governo nunca teve uma base aliada sólida. Quem aparece junto na foto, não se sente junto de fato.

O que deveria ser um projeto estratégico, de longo prazo, costurado por pessoas à altura do imenso desafio de assegurar ao Brasil a condição de celeiro do mundo e país megabiodiverso, sem que uma característica exclua a outra, agravou tensões, o dissenso, o fracasso do diálogo.

Os que se apressam em dizer que a maioria venceu devem prestar atenção não apenas ao número final da votação, mas na qualidade do número. Segundo reportagem da Revista Época publicada no ano passado 3.767 candidatos a deputado federal nas últimas eleições captaram R$ 887 milhões para suas respectivas campanhas. Os 513 eleitos mais os 58 suplentes que assumiram alguma cadeira na Câmara após licença do titular foram responsáveis por 70% desse montante. Em resumo: para se eleger deputado federal é preciso muito dinheiro, e é difícil imaginar que os eleitos se sintam totalmente desobrigados a prestar contas ou realizar favores aos que financiaram com tanto empenho suas campanhas.

Pode-se chamar o resultado da votação do Código como algo inerente ao jogo democrático. Pode-se chamar a isso também de crime de lesa-pátria. Na democracia, a opinião é livre. Mas as consequências do voto são compulsórias. A presidente Dilma pode vetar o Código. O Congresso poderá, por sua vez derrubar o veto da presidente. Que o único país do mundo com nome de árvore não transforme o generoso verde de sua bandeira em um tenebroso deserto de esperança e sentido.

*André Trigueiro é jornalista da Rede Globo é escreve no microblog "Mundo Sustentável"

26 abril 2012

"CÓDIGO FLORESTAL AGORA É CASO DE JUSTIÇA", DIZ JORGE VIANA

Charlene Carvalho/Assessoria de Imprensa

A proposta de Código Florestal aprovada pela Câmara dos Deputados, nessa quarta-feira (25/04), “deixa de ser um caso de política, para virar um caso de justiça”. Esta é a avaliação que Jorge Viana (PT), um dos relatores do projeto no Senado Federal. O parlamentar pondera que, além de um “retrocesso” para a legislação ambiental brasileira, o texto leva a um quadro de “insegurança jurídica”, ao legalizar os desmatamentos ilegais cometidos no País até 2008.

“A diferença entre o remédio e o veneno é o tamanho da dose. Os setores radicalizados do ruralismo foram com tanta sede ao pote que fizeram uma proposta que deixa de ser um caso de política, para virar um caso de justiça. O que é muito ruim para os produtores rurais”, avaliou.

O cenário de insegurança citado por Viana foi objeto inclusive de uma das audiências públicas que discutiu a proposição no Senado com juristas. Na ocasião, o ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), destacou que além de inconstitucional, perdoar quem desmatou resultaria em um acúmulo de processos nos tribunais, por causa das multas e advertências aplicadas pelos órgãos de defesa ambiental, obedecendo a legislação em vigor. Por isso, o próprio ministro sugeriu a separação dos dispositivos transitórios – orientações para quem desmatou conseguir voltar para a legalidade, prevendo reflorestamento – e permanentes – normativas mais rígidas para defender o meio ambiente no presente e futuro.

Acolhida pelos relatores do Senado, Viana e Luiz Henrique (PMDB-SC), e negociada com todas as lideranças envolvidas no debate, essa alteração representou a saída para o estrago que a Câmara havia cometido na legislação, durante a primeira votação, e também uma política pioneira de reflorestamento. Porque os agricultores mais do que obrigados a replantar as árvores derrubadas, eram incentivados a isso para ter acesso aos incentivos econômicos citados no texto. Mas nem assim os ruralistas mais radicais se deram por satisfeitos e derrubaram pela segunda vez qualquer instrumento que levasse à recomposição florestal, como conta Jorge Viana.

“O desmonte da proposta da mediação e do equilíbrio do Senado, foi absoluta. Eles fragilizaram, ainda mais, o cuidado que nós devemos ter com as florestas. E isso de uma maneira antipedagógica. Quer dizer, dando o acolhimento de legalidade, valorizando e dando os parabéns para quem agiu na ilegalidade, em vez de separar aqueles que querem produzir dentro da Lei e reparar o dano ambiental. Ninguém produz bom alimento e de maneira sustentável o alimento, sem um meio ambiente equilibrado, existe uma interdependência entre o meio ambiente, água, solo, clima, florestas, biodiversidade, produção de alimentos e criação. É isso que o Brasil não pode perder. Tem que aproximar meio ambiente da produção, e não distanciar como a proposta votada na Câmara ontem faz”, afirmou o petista.

Viana afirma que a presidenta Dilma Rousseff deve vetar o Código. “Quando a Câmara fez a primeira votação, com a Emenda 164, que passava mão na cabeça de quem tinha desmatado ilegalmente, não criava nenhuma política de recomposição de floresta, não mostrava a prioridade do cuidado das nascentes, das águas, que é tão importante para a própria agricultura; a presidente Dilma foi a voz mais alta e disse: ‘não vou passar a mão no desmatadores, não vou fazer coro com a anistia’”, recordou.

A disposição da presidenta também foi lembrada pela sociedade civil e entidades ambientalistas que, desde quarta-feira à noite, pedem nas redes sociais que Dilma vete o Código Florestal aprovado. Nesse sentido, o senador considerou que é o momento da sociedade, produtores e criadores que buscam a sustentabilidade unir forças nas redes para que o Governo ganhe ainda mais respaldo para vetar.

“É hora de nos juntarmos para que o Brasil, País que tem a maior área de biodiversidade do Planeta, não viva um inferno de destruição. Já existem tantos problemas nas cidades e de insustentabilidade em áreas de produção. O caminho é diferente do que a Câmara apontou ontem. Eu lamento. É com tristeza que digo isso, porque nós temos que ampliar o debate sobre desenvolvimento sustentável, a Rio+20 está aí”, disse, sinalizando uma preocupação com a repercussão internacional que o projeto vai ter.

Causa de vida

Jorge Viana lembra ainda que, como engenheiro florestal por formação, a defesa do meio ambiente é mais do que uma bandeira política, é uma “causa de vida”. Ele observou que enquanto relator não poderia fazer o “texto dos seus sonhos”, mas buscar um equilíbrio entre todas as correntes envolvidas no processo. Disse ainda que o Código perdeu quando “uma parcela importante do movimento ambiental cruzou os braços entre o que foi votado no Senado e na Câmara”.

O senador mostrou-se gratificado com a atuação da bancada petista nas duas Casas e de outros parlamentares que defenderam com veemência uma proposta mais verde. “Fico feliz de ver o PT firme no Senado e na Câmara, fazendo a luta pelo desenvolvimento sustentável, pela proteção das florestas e das águas. Essa é uma história bonita: um partido que tem três décadas de vida, como o PT, me deixa orgulhoso pela postura dos nossos deputados e deputadas, e obviamente de outros que nos ajudaram a fazer o Brasil reconhecer que tem sim na Câmara muita gente que quer o Brasil sustentável”, sustentou.

25 abril 2012

GEOGLIFOS E GEOSISTEMAS POLÍTICOS: UM PASSADO SURPREENDENTE DA AMAZÔNIA

Será que os objetivos dos ambientalistas que lutam pela preservação e restauração da floresta amazônica na atualidade não deveriam levar em consideração o fato de que na época da criação dos geoglifos, em tempos pré-colombianos, existia uma grande extensão de florestas abertas na região?


Barbara J. Rei/Antropóloga e Biologista-NPR
[Tradução: Evandro Ferreira, Blog Ambiente Acreano/Sugestão de Alceu Ranzi]


Será que a nossa compreensão sobre os assentamentos pré-colombianos na Amazônia têm qualquer relação com o debate sobre o atual modelo de desenvolvimento da região?

Em algum momento entre 1.000 e 2.000 anos atrás, as pessoas que viveram na região amazônica onde hoje é o Brasil construiram gigantescas esculturas na terra, os geoglifos, em forma de quadrados, círculos, elipses, retângulos e octógonos.

O New York Times informou sobre esses geoglifos na semana passada. Estes símbolos cerimoniais - se de fato, como alguns arqueólogos suspeitam, é isso que eles são - já são conhecidas há algum tempo. Com o aumento do desmatamento na Amazônia, mais dessas obras ancestrais estão vindo à luz. E com eles aumentou a certeza de que os antigos habitantes da amazônia praticavam agricultura intensiva e viviam espalhados em um amplo território politicamente organizado.

Esses fatos destroem uma falsa idéia preconcebida sobre a Amazônia pré-colombiana: enormes extensões de florestas intactas repletas de macacos, aves, onças e insetos, habitadas por uns poucos e dispersos grupos de humanos que sobreviviam da prática da caça e coleta.

Para ter uma melhor compreensão sobre o que é conhecido do passado da Amazônia, esta semana entrei em contato com William Woods, o geógrafo e antropólogo da Universidade de Kansas citado no artigo do New York Times. Segundo ele, "nos últimos 20 anos abundantes e convincentes provas vêm se acumulando e sugerem que havia mais pessoas na Amazônia há 500 anos que o que se observa hoje nas áreas fora das grandes cidades da região”. Em vez de pequenos grupos isolados uns dos outros, estamos falando de grandes agrupamentos humanos politicamente organizados, explicou.

Naquela época, a floresta nativa era muito mais aberta do que é hoje, e havia uma mistura de prósperos assentamentos permanentes, campos de cultivo, pomares e jardins. Palmeiras e Castanheiras já eram cultivadas. Estes habitantes ancestrais não apenas alteraram a paisagem em sua volta, mas desempenharam um papel importante na criação da paisagem.

Woods tem muito interesse nas ‘Terras Pretas dos Índios’. As ‘Terra pretas’, diz ele, "foram criadas pelos povos indígenas há centenas, algumas há milhares de anos atrás, e estão associadas a longos e duradouros locais de assentamentos indígenas onde hoje se pode encontrar amostras de cerâmicas, ossos de animais e peixes, e outros resquícios de artefatos culturais."

Então, a terra preta é o melhor exemplo de atividade antrópica no passado amazônico - e era uma atividade muito bem sucedida. Estes solos negros, Woods explica, "são muito mais férteis do que os solos vizinhos avermelhados altamente intemperizados, e têm sustentado esta fertilidade até os dias atuais, apesar do clima tropical e de cultivos freqüentes ou periódicos”.

Isso é uma coisa muito interessante para pessoas como eu, que não estava plenamente consciente sobre a importância da antropologia, uma ciência que tem o poder de transformar a maneira como pensamos sobre as interações humanas e ambientais ocorridos no nosso passado.

Para se ter uma idéia mais completa sobre a América pré-colombiana, Woods recomenda o livro ‘1491’ de Charles C. Mann. Com base no excelente artigo de C. Mann publicado em 2002 na revista 'The Atlantic', eu reforço a recomendação Woods.

Por agora, estou preocupada com uma questão que surgiu com o artigo publicado no New York times. Como essa melhor compreensão sobre o passado da Amazônia deve influenciar a maneira como pensamos sobre a conservação da Amazônia nos dias atuais?

É hora de jogar no lixo a idéia estereotipada e condescendente – construída de uma forma nobremente selvagem – de que “centenas de anos atrás, tribos indígenas migrantes viviam em harmonia com a natureza na floresta amazônica e não deixaram nenhuma pegada ecológica”.

A questão difícil é, para onde vamos a partir daqui?

Não devemos perder de vista o fato de que o desmatamento atual na Amazônia ocorre por uma combinação de razões, que vão desde o desmatamento para abertura de pastagens para o gado emfazendas, até operações de exploração madeireira em grande escala.

Mas será que os objetivos dos ambientalistas que lutam pela preservação e restauração da floresta amazônica na atualidade não deveriam levar em consideração o fato de que na época da criação dos geoglifos existia uma grande extensão de florestas abertas na região?

Eu me pergunto que tipo de relacionamento esta questão tem com uma outra: o que as pessoas que vivem hoje na Amazônia querem, no que se refere à preservação de sítios arqueológicos chave em seus países, incluindo estes onde hoje estão localizados os geoglifos?

Que tipo de balanço deve ser buscado entre preservar a floresta e preservar o patromônio cultural brasileiro?

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Artigo originalmente publicado no site da National Public Radio/NPR-USA. Para ler o artigo “Geo-Glyphs And Geo-Polities: Amazonia's Surprising Past”, clique aqui.

Crédito das imagens: Geoglifos (Site Geoglifos.com.br)/Manifestantes contra criação de gado na Amazônia (Blog Rios Vivos)

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23 abril 2012

ESTUDO APONTA ALTA DESNUTRIÇÃO EM CRIANÇAS DE ACRELÂNDIA E ASSIS BRASIL

Estudo realizado com crianças de menos de 5 anos em Acrelândia e Assis Brasil revela alta deficiência nutricional. O déficit de crescimento, em relação à idade das crianças, é 40% superior à média brasileira, e o déficit de peso, para a estatura, é 108% superior ao índice nacional

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

[Corrigida e atualizada às 13:30h]

Nos últimos anos foi observado um notável declínio na desnutrição em crianças brasileiras menores de 5 anos. Contudo, as desigualdades regionais persistem e a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS/Ministério da Saúde) de 2006 revelou que a Região Norte manteve o dobro da prevalência do déficit de estatura e peso em relação à média brasileira, sugerindo vulnerabilidade das crianças da região às condições de pobreza, insegurança alimentar e precário acesso aos serviços de saúde. Diante desse contexto, pesquisadores da USP, UFAC e UFMG investigaram a prevalência da desnutrição em crianças menores de 5 anos e os fatores a ela associados nos municípios de Acrelândia e Assis Brasil, no Acre.

O estudo consistiu na avaliação de 667 crianças, sendo 49,3% do sexo masculino e 50,7% do sexo feminino. Por faixa etária, foram analisadas 246 crianças de 0 a 23 meses e 421 de 24 a 60 meses.

Os resultados indicaram que a prevalência de déficit de estatura para idade é um importante problema de saúde pública e nutricional nos municípios estudados, com prevalência geral de 9,9%, um valor cerca de 40% superior ao observado no restante do Brasil, que é de 7%. Os fatores associados a esse déficit foram: pobreza, analfabetismo do pai ou padrasto, ausência da mãe biológica no domicílio, ter 2 ou mais irmãos menores e exposição ao esgoto a céu aberto no âmbito domiciliar.

Com relação ao déficit de peso para estatura, a prevalência geral foi de 4,1%, ou cerca de 108% superior ao índice nacional, que é de 1,98%. O único fator associado foi o baixo peso ao nascer. Contribui para essa situação o fato de que embora o aleitamento materno tenha sido iniciado para a maioria das crianças estudadas (97,5%), sua prevalência exclusiva até o sexto mês foi de apenas 33,6%.

Os estratos com menor renda familiar per capita tiveram maior prevalência de déficit de estatura para idade. Para os autores, a elevada proporção de pobreza no Acre pode ser considerada como o principal fator da alta prevalência de desnutrição encontrada. Outros estudos realizados no país demonstraram que o incremento na escolaridade materna e aumento do poder aquisitivo entre as famílias mais pobres são responsáveis por mais de 21% do declínio da prevalência de déficit de estatura para idade no país.

A desnutrição infantil observada em Acrelândia e Assis Brasil também está associada à presença de esgoto a céu aberto. Em 2000 foi estimado que apenas 34% dos domicílios no Acre estavam interligados à rede de abastecimento de água e 17,6% eram atendidos pela rede de esgotamento sanitário.

A pesquisa revelou que a ausência da mãe biológica no domicílio favorece a desnutrição infantil, pois elas tendem a alocar mais recursos para a compra de alimentos que os pais. A existência de um maior número de irmãos menores, que elevam os gastos familiares e reduzem o tempo e os recursos alocados para o cuidado de cada criança, também favorecem a desnutrição. O analfabetismo do pai ou padrasto tem efeito negativo na nutrição das crianças porque influencia na realização de práticas adequadas de saúde e alimentação, e dificulta a compreensão de informações orientadas pelos serviços de saúde ou veiculadas em outras instâncias.

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O artigo “Desnutrição em crianças menores de 60 meses em dois municípios no Estado do Acre: prevalência e fatores associados”, de autoria de Orivaldo Florêncio de Souza, Maria Helena D’Aquino Benício, Teresa Gontijo de Castro, Pascoal Torres Muniz e Marly Augusto Cardoso, foi publicado na Revista Brasileira de Epidemiologia (Vol. 15, Nº 1, páginas 211-221. 2012). Para ler a íntegra do artigo clique aqui.

ANIBAL DIZ QUE VAI TRABALHAR PARA ATRAPALHAR VOLTA DO ANTIGO FUSO

”Vou usar todas as ferramentas regimentais possíveis para emperrar o projeto do fuso”

Fabio Pontes/Agazeta.net

O senador Anibal Diniz (PT), disse na manhã deste sábado (21) que vai trabalhar de todas as formas para emperrar a votação do projeto de lei que restabelece a diferença de duas horas do Acre em relação a Brasília. ”Vou usar todas as ferramentas regimentais possíveis para emperrar o projeto do fuso”, afirmou durante encontro da Frente Popular, onde também esteve presente o governador Tião Viana, autor, em 2008, do PL que reduziu de duas para uma a diferença horária.

O senador petista ressaltou que o objetivo deste emperramento é fazer com que a discussão do fuso fique em voga somente durante seu projeto de uma nova consulta popular, desta vez um plebiscito. “O fuso horário deve ficar como está. O discurso do Petecão é fútil, não tem validade”, criticou ele seu colega de Casa, o senador Sérgio Petecão (PSD).

Esta semana Petecão deu declarações dizendo que estará empenhado em agilizar a tramitação do projeto enviado pelo Planalto que devolve o fuso horário que prevaleceu de 1913 a 2008. Ainda na semana passada, o PL teve sua primeira vitória ao ser aprovado pela Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados. Agora ela segue para a CCJ e plenário, depois vai para o Senado.

20 abril 2012

OSMARINO AMÂNCIO SE DEFENDE DE ACUSAÇÃO DE EXTRAÇÃO ILEGAL DE MADEIRA NA RESERVA DE CHICO MENDES‏

Jaidesson Peres

O extrativista, morador da Reserva de Chico Mendes, no Acre,  Osmarino Amâncio Rodrigues, foi  vítima de acusações infundadas por parte de fiscais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A acusação, veiculada na grande imprensa, era de que o extrativista estaria comercializando madeira apreendida de forma ilegal e clandestina.

 A notícia surge no momento que e o companheiro concorre, com a Chapa de Oposição apoiada pela CSP-Conlutas,  às eleições do  Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia (AC). Segundo a nota  do companheiro: “Quem conhece o cenário político acreano sabe que tenho razões para me sentir perseguido”.
 A nota foi divulgada na semana que em várias mobilizações estão ocorrendo em memória da luta dos que tombaram lutando pela reforma agrária e em defesa dos povos que tiram  da terra o seu sustento.

 Segue, abaixo, a defesa feita por Osmarino Amâncio:

 Nessa última semana foi destaque na imprensa acreana a apreensão de madeira realizada em minha colocação na RESEX Chico Mendes por fiscais do ICMBIO, em conjunto com funcionários da prefeitura de Brasiléia, acompanhados pela Polícia Federal. Chamou-me a atenção a quantidade de imprecisões que pude identificar nessa cobertura jornalística. A começar pelo fato de terem se referido a mim como “ambientalista”, coisa que nunca fui, e como “ex-assessor” de Chico Mendes, fazendo parecer que, ao invés de liderança de um movimento social, Chico tenha sido mais um desses políticos que se cercam de amigos e parentes a quem distribuem cargos de confiança. Na verdade, de Chico Mendes fui companheiro na luta pela permanência dos seringueiros nas terras das quais estávamos todos sendo expulsos naquela época (processo que, ao que tudo indica, segue acontecendo em toda a Amazônia, incluindo o Acre). Quando nosso movimento ganhou repercussão nacional e internacional, vieram nos dizer que estávamos lutando pelo meio ambiente. Num primeiro momento, não sabia do que se tratava essa tal de ecologia, pensei que talvez fosse uma “sobremesa”. Para mim e para os demais, incluindo não só Chico Mendes, mas a outra centena morta pelo latifúndio, nossa luta tinha mais em comum com os sem terra do sul do país do que com que essa conversa de salvar a floresta pra conter o aquecimento global. Queríamos a floresta em pé, mas com os seringueiros morando nela, tirando dali seu sustento, colocando seu roçado, caçando, pescando e derrubando madeira pra suas necessidades do dia-a-dia (carvão pra cozinhar, tábuas pra fazer casa, estaca pra fazer cerca, etc.).

 Para isso elaboramos a proposta de criação das Reservas Extrativistas, como uma forma de Reforma Agrária adaptada às necessidades dos Povos da Floresta, inspirada também na luta dos indígenas pela demarcação de seus territórios. Participei de todo esse processo, estive diante do presidente José Sarney quando ele assinou o decreto de criação da RESEX Chico Mendes. Foi uma vitória do nosso movimento. Tínhamos nosso pedaço de terra e autonomia pra decidir como usá-lo, de acordo com o plano de utilização feito com nossa participação, conforme nossas tradições e necessidades.

 Mas o tempo passou e perdemos essa autonomia. Quando foi criada a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o controle da RESEX passou para um Conselho Deliberativo onde opinam muitos técnicos e outras pessoas que não vivem na Reserva e, ao que parece, não enxergam com bons olhos nossa permanência na floresta. A sobrevivência do seringueiro, do trabalhador extrativista, não é mais a preocupação central. Pelo contrário, de defensores da floresta, de mártires que impediram o avanço das grandes pastagens, lutando contra as queimadas e o corte raso, passamos a criminosos ambientais. Porque a acusação feita a mim é apenas mais um capítulo da batalha que vem sendo travada entre os moradores da RESEX e a legislação criminalizadora, imposta contra nossas práticas, aplicada sem dó nem piedade pela fiscalização truculenta do ICMBIO. Qualquer jornalista minimamente interessado em trazer a público a situação pode entrevistar extrativistas que se sentem intimidados, humilhados, perseguidos pelos funcionários desse órgão que, pra nossa desgraça, recebeu o nome de nosso companheiro Chico Mendes. Esses fiscais mostram suas armas como ameaças veladas, mas vêm a público, conforme já fui divulgado pela imprensa, afirmar que estão sendo ameaçados de morte.

 A propósito, o fiscal que apreendeu a madeira em minha colocação já me denunciou no passado à Polícia Federal, alegando que eu havia afirmado, em uma Assembleia na Associação do Seringal Humaitá, que iria “levá-lo pra cova”. Todas as testemunhas ouvidas pelo delegado afirmaram que eu não havia feito essa ameaça, mas que havia afirmado que qualquer multa aplicada pelo ICMBIO “os moradores da RESEX vão levar pra cova”. Simplesmente porque não têm dinheiro para pagá-las! O mesmo fiscal fez outra denúncia à Polícia Federal, afirmando que eu sou servidor público (o que seria usado para questionar minha permanência na RESEX). Novamente, a alegação se mostrou sem fundamento. Como há uma série de pessoas insatisfeitas com a atuação da fiscalização do ICMBIO, estou encaminhando o relatório de meu caso e outros para que esse órgão abra uma sindicância, pra apurar se a atuação de seus funcionários está de acordo com a legalidade (que eles tanto afirmam defender). Espero que a imprensa também acompanhe essa sindicância, com o mesmo interesse que demonstrou em relação à denúncia feita contra mim.

Em relação a esta só posso afirmar que é baseada em suposições falsas. O fiscal afirma que eu estava vendendo a madeira a marcenarias, o que não pode provar, porque não é verdade. Dos 25 metros cúbicos apreendidos, em torno de 10 a 15 estavam na forma de blocos, o restante na forma de estacas, para cercas. Estavam na beira do ramal e eu pretendia levá-las na zorra (carro de boi) até perto de casa, onde ia transformá-las em tábuas pra reformar minha casa, que está deteriorada, fazer uma cozinha e construir uma casa pra minha mãe, que mora na cidade, mas quer voltar para o seringal. Ao contrário do afirmado pelo fiscal do ICMBIO, a madeira apreendida não estava escondida. Eu mesmo mostrei pra ele a localização na primeira vez em que esteve em minha casa. (No dia da apreensão – que pra mim é sentida como um verdadeiro roubo – eu estava na cidade, como era de conhecimento do fiscal, e fui informado sobre a operação por jornalistas que vieram me procurar para dar entrevista). Eu tinha marfim pra fazer o assoalho e cedro para as paredes e cobertura, porque tem mais durabilidade, outra madeira ia estragar em seguida. Pra estaca tinha tarumã. Em geral, a gente usa árvores que estão mortas ou morrendo, já ocas. Se não aproveitar, elas se perdem. A gente só usa a castanheira quando ela está assim e já não dá mais frutos. Nenhum seringueiro vai derrubar uma castanheira que ainda produz, se a castanha faz parte da nossa alimentação.

O fiscal do ICMBIO afirmou publicamente que encontrou 28 tocos de árvores derrubadas na minha colocação. Só não explicou que isso é tudo o que ele conseguiu encontrar em mais de 1000 hectares. Moro nessa colocação há mais de 20 anos e só retiro madeira para minhas necessidades. A quem tiver curiosidade, posso mostrar o destino dado a cada uma das árvores derrubadas por mim. E ainda aproveito a visita para levar o interessado a ver as árvores que já plantei nessa área (mogno, castanheira, cerejeira, toari, cedro, jaca, graviola, etc). Um cenário bem diferente daquele deixado pelo manejo madeireiro apoiado pelo governo, que eu sempre denuncio. Em minha área não se vê o destroço que já tive o desprazer de conhecer na Floresta Estadual do Antimary. Daqui não saem caminhões carregados de árvores centenárias, como pode ver quem passa pela BR 364, dirigindo-se a grandes madeireiras que exportam nossa madeira, pagando uma miséria para o “dono da árvore”, mas lucrando muito com a maquiagem de sustentabilidade do tal selo verde. Ainda assim, quem aparece no jornal, quase nas páginas policiais, sou eu, não esses empresários, a quem ninguém nunca tem coragem de aplicar multa nenhuma.

Por fim, reafirmo que a denúncia não é verdadeira, baseando-se, até onde sei, no relato feito por um vizinho que já há um ano faz essas acusações contra mim. Nesse caso, seria a palavra dele contra a minha, nada mais. A madeira só foi retirada de minha colocação pelo próprio ICMBIO, sem meu conhecimento e antes do fim do prazo para que eu me defendesse das acusações. Diante de tudo isso, resta perguntar: por que essa denúncia foi trazida a público (e com toda essa repercussão) só agora, um ano depois, justamente no momento em que estou concorrendo à eleição para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia, na chapa de oposição àquela que é aliada do governo? E, o que é o pior, uma semana depois de receber ligações anônimas me perguntando se eu “aguentaria a pressão que viria pela frente”? Não bastasse tudo isso, no dia 10 de abril, quando estive na sede do ICMBIO em Brasileia para requerer o comprovante de que sou morador da RESEX, documento exigido para inscrição das chapas na eleição do STR, fui informado de que meu nome não consta no cadastro do órgão! O registro aponta um desconhecido Pedro Rodrigues como morador da Colocação Pega Fogo, Seringal Humaitá. No mínimo, um erro grosseiro do ICMBIO. Quem conhece o cenário político acreano sabe que tenho razões para me sentir perseguido. Que a imprensa não seja cúmplice!

16 abril 2012

DESAFIOS PARA A GESTÃO COLETIVA DOS RECURSOS NATURAIS NAS RESERVAS EXTRATIVISTAS ACREANAS

O fracasso na diversificação da produção nas Reservas Extrativistas acreanas, que se pensava residir apenas em questões técnicas e mercadológicas, também se deve às dificuldades para a implementação de uma gestão verdadeiramente comunitária dos recursos naturais por parte dos extrativistas

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

A criação das Reservas Extrativistas (RESEXs) na Amazônia em meados dos anos 80 foi resultado da reação sistemática e organizada dos extrativistas à expansão desordenada da fronteira agrícola na região norte do Brasil ocorrida a partir do início dos anos 70. Esta expansão, baseada no estabelecimento de projetos de assentamentos agrícolas e na abertura de fazendas para a criação extensiva de gado, mostrou-se inadequada tanto sob o ponto de vista social quanto ambiental na maior parte da região. No caso do Acre, a transformação de extensas áreas florestais originalmente ocupadas por extrativistas em áreas de plantio de culturas de subsistência e pastagem foi nociva ao ecossistema da região, teve retorno econômico questionável e desencadeou conflitos pela posse da terra que causaram numerosas mortes violentas.

Desde sua gênese, o foco principal das RESEXs era o desenvolvimento sócio-econômico dos extrativistas e a preservação da biodiversidade via exploração extrativista dos recursos florestais. Nesse novo sistema de assentamento rural, áreas de propriedade da União passaram a ser geridas coletivamente pelas comunidades extrativistas e nesta nova realidade as unidades produtivas básicas passaram a ser as ‘colocações’, definidas de forma sintética como áreas florestais com tamanho variável, mas quase sempre superiores a 100 hectares, ocupadas, administradas e exploradas por uma família extrativista. Essas minúsculas ‘colocações’ passaram a desempenhar o papel exercido anteriormente pelos gigantescos seringais, que englobavam dezenas de colocação e eram administrados de forma monocrática por seus proprietários, os antigos seringalistas.

Esta mudança do papel exercido pelas ‘colocações’ no contexto do extrativismo fez com que elas deixassem de ser unidades mono produtivas voltadas exclusivamente para a produção da borracha, e eventualmente a coleta de castanha do Brasil (Bertholletia excelsa), transformando-se em unidades poli produtivas uma vez que os extrativistas e suas famílias, sem a figura dos seringalistas, passaram a ser responsáveis por assegurar a sua sobrevivência, obrigando-se a buscar a auto-suficiência. Hoje, as novas estruturas e atividades produtivas observadas no entorno das residências dos extrativistas das RESEXs são o testamento dessa mudança.

Passados mais de 20 anos desde a criação das primeiras RESEXs no Acre, período no qual pelo menos mais uma dezena delas foram criadas, é lamentável ter que admitir que elas ainda estejam passando por uma (prolongada) fase de consolidação sócio-econômica. Essa demora se deve, em parte, ao fato dessa consolidação ser um processo lento e que envolve, dentre outras ações, o fornecimento de condições materiais e financeiras para ajudar na diversificação das atividades econômicas, na valoração da produção via beneficiamento ou pré-industrialização local, e no fortalecimento das organizações comunitárias extrativistas, especialmente através da capacitação dos recursos humanos para o gerenciamento cooperativo dos recursos e das atividades extrativistas, de forma que a gestão econômica e territorial das Reservas atenda não apenas os objetivos legais previstos na legislação, mas também os anseios das comunidades extrativistas.

Um caso emblemático é o da RESEX Chico Mendes, criada em março de 1990 e que ocupa cerca de 970 mil hectares ou 6% da área total do Acre. Com uma população estimada em nove mil habitantes distribuídos em 45 seringais e aproximadamente 1500 ‘colocações’, a diversificação da produção nesta Reserva se constitui em um desafio técnico e social, pois deve observar limites legais que estabelecem que 90% de sua área devem ser destinadas à reserva legal, onde são realizadas as atividades extrativas, enquanto que os 10% restantes podem ser usados para o desenvolvimento de atividades complementares, incluindo a agropecuária.

A pecuária na RESEX Chico Mendes, como já sabemos, avançou em demasia nos 10% das áreas destinadas às atividades complementares e atingiu ou está próximo de atingir o seu limite territorial. O desafio maior na atualidade é, portanto, a exploração de forma econômica e ecologicamente sustentável dos 90% de área ocupada pela floresta.

Uma atividade recente, a exploração comunitária de madeira, tem avançado com amplo apoio governamental e empresarial e, embora em seu primórdio, parece ser objeto de controvérsia. É uma atividade que garante renda efetiva aos extrativistas, porém de custo altíssimo que faz com que quase todo o seu ciclo produtivo, desde o inventário florestal, fique na dependência de terceiros, especialmente prestadores de serviços técnicos e empresas exploradoras da madeira. Por esta razão, não se sabe se o retorno financeiro da atividade no longo prazo vai ser realmente o esperado pelas comunidades extrativistas que estão abraçando a atividade.

O investimento em novas alternativas extrativistas ainda continua a ser uma necessidade premente porque, infelizmente, apesar de numerosas iniciativas por parte de várias instituições de pesquisa, os avanços nessa área ainda são tímidos. Um grande número de espécies nativas com potencial de exploração já foi identificado, mas na atualidade apenas a seringueira (Hevea brasiliensis), a castanha do Brasil, a copaíba (Copaifera spp.) e algumas espécies produtoras de sementes usadas no artesanato são exploradas em escala comercial e representam ingresso econômico para os extrativistas.

Quais as razões desse aparente fracasso? Técnicas, mercadológicas, políticas?

Tudo contribui um pouco, mas algo que raramente é citado merece ser comentado: a gestão territorial e coletiva das RESEXs realizadas, em teoria, pelas comunidades extrativistas pode estar contribuindo para a demora na consolidação e diversificação de suas atividades econômicas.

Embora esta gestão aparente ser algo realizado de forma coletiva, pois a propriedade da terra é da união e não dos extrativistas, na prática, é uma ação que depende profundamente da decisão individual de cada uma das famílias lá assentadas. Embora as ‘colocações’ não tenham limites geográficos definidos na legislação que criou as RESEXs, na prática, cada família assentada respeita limites reais – representados por rios, igarapés, estradas de seringa – dentro dos quais elas se consideram únicas e legítimas proprietárias de todos os recursos naturais existentes, incluindo madeira, animais, fontes de água, entre outros. Assim, não é surpresa inventários de recursos naturais revelarem desequilíbrios na riqueza potencial de cada unidade produtiva das Reservas. E esse desequilíbrio tem implicações diretas no manejo e exploração dos recursos, com algumas famílias sendo mais favorecidas que outras.

A aprovação do manejo comunitário da madeira na RESEX Chico Mendes foi um bom exemplo da complexidade e dificuldade na aprovação de iniciativas inovadoras no âmbito da Reserva. Foram numerosas as reuniões e a aprovação final da atividade não foi feita sem que intrigas, inimizades, disputas políticas, rivalidades entre comunidades aflorassem.

A conseqüência dessa constatação é que a fragilidade e a politização da organização comunitária na RESEX Chico Mendes poderá fomentar profundas divisões entre os moradores e inviabilizar uma gestão territorial conjunta de seus recursos que garanta benefícios equivalentes para todas as famílias. Por isso se deve considerar que a gestão dos recursos naturais nas Reservas Extrativistas acreanas é algo muito mais complexo e importante do que se pensava anteriormente. Seu sucesso não depende apenas da existência de mercado e técnicas apropriadas para a exploração dos recursos.

Na situação atual, onde a decisão da exploração dos recursos naturais depende de famílias e não do conjunto dos extrativistas, a concretização das alternativas econômicas para diversificar a produção e melhorar a renda dos extrativistas irá demandar muito mais tempo do que se pensava, comprometendo a consolidação desse modelo de assentamento que tanto contribui para a preservação ambiental do estado.

Crédito das imagens: Gleison Miranda/AC; Almir Andrade/TV Gazeta-AC.

01 abril 2012

PESQUISA: EMPREGO DOMÉSTICO É REPLETO DE HUMILHAÇÕES E DESIGUALDADES

Mariana Soares
Agência USP de Notícias

[Negras, pobres e nordestinas: maioria no emprego doméstico]

O emprego doméstico é um local em que podem se observar vários tipos de desigualdades, como as de gênero, classe e raça. Além disso, as domésticas ainda sofrem, cotidianamente, com as humilhações de suas patroas, que explicitam as desigualdades e as distâncias sociais. Isso é o que conclui o estudo Desigualdades em distâncias – gênero, classe, humilhação e raça no cotidiano do emprego doméstico, realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A pesquisa analisou o dia-a-dia de empregadas domésticas e como sua ocupação abrange as desigualdades.

O sociólogo Jefferson Belarmino de Freitas entrevistou dez mulheres que trabalham como empregadas domésticas, além de duas empregadoras. Fora isso, ainda analisou cartilhas de etiqueta direcionadas às patroas (como o livro “Etiquetas sem frescuras”, de Cláudia Matarazzo), matérias jornalísticas sobre o tema e documentos de instituições que lidam com questões de Direitos Humanos.

Neste processo, o sociólogo percebeu como o emprego doméstico é um poço de desigualdades de todos os tipos. A esmagadora maioria de trabalhadores da categoria é formada por mulheres, o que denota uma desigualdade de gênero. Entre elas, a maior parcela é formada por mulheres negras (e nordestinas, no caso da cidade de São Paulo, que foi usada no estudo), estando presente a questão da raça. Todas elas também pertencem a uma classe econômica mais baixa, e a humilhação e o preconceito aparecem em decorrência de todos esses tipos de preconceito. As duas patroas entrevistadas pertencem à classe alta, mas segundo o autor do estudo, o universo dessas mulheres foi melhor abarcado pelos materiais secundários (as cartilhas e reportagens), até porque nem sempre elas gostariam de ter sua privacidade relacionada com a desigualdade.

Foi no decorrer das entrevistas que Freitas percebeu como a humilhação era um tema muito falado pelas trabalhadoras, e como ela está presente em tudo, sendo corroborada por várias situações. Para ele, essa questão está muito ligada à distância social entre as duas partes. Distância essa que é em certa medida necessária para a reprodução do emprego doméstico, pois a patroa precisa mostrar que ela é a patroa, é necessário mostrar quem manda.

“No emprego doméstico, temos dois grupos sociais distintos em um mesmo espaço físico, mas a distância social entre eles é muito grande. As empregadas se sentem humilhadas quando percebem a externalização dessa distância social, desse sentimento de “mostrar quem manda”, o que acaba entrando em contraste com o discurso feito por algumas patroas de que elas são da família”, diz. Esse jogo de pouca (“você é da família”) e muita distância social está em permanente movimento, pois é quando a patroa explicita a distância entre elas que aparece a humilhação e que começam os conflitos no ambiente de trabalho. “É por conta disso que os sindicatos da categoria tentam banir essa ideia de que elas são da família, mostrando que aquela é uma relação trabalhista como outra qualquer, o que na prática é muito difícil de acontecer, visto que ela se dá no âmbito privado”, acrescenta o pesquisador.

Preconceitos e cordialidade

Historicamente, o emprego doméstico começou a ser problematizado pelas feministas, que queriam mostrar as estruturas do patriarcado, como era da mulher a responsabilidade pelos problemas de âmbito privado (cuidar da casa). Mas o trabalho doméstico não é só uma questão de gênero.

Embora o problema da divisão sexual do trabalho exista, ele não é o único. Enquanto isso, o preconceito de raça é muito difícil de ser tratado em nossa sociedade pois, segundo o pesquisador, há uma tendência em achar que esse preconceito não existe mais. Afinal, afirmar que ele existe na vida privada é afirmar que ele não está extinto “e que nós não somos tão legais quanto pensamos”.

Para o sociólogo, “há um costume de se pensar que nós brasileiros somos cordiais e tratamos as pessoas muito bem, mas as humilhações sofridas pelas domésticas mostram que nós não necessariamente fazemos isso ou somos assim”. Por isso, uma grande contribuição de seu estudo, que foi orientado por Antonio Sergio Alfredo Guimaraes, é conseguir encadear na base do argumento muitas desigualdades do emprego doméstico e mostrar como ele pode abarcar vários tipos de preconceito. “Não a toa, muitas dessas mulheres querem mudar de emprego, porque essa é uma profissão muito estigmatizada. Algumas nem falam publicamente qual é a sua ocupação.”