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31 outubro 2016

FUMAÇA DE QUEIMADAS E A SAÚDE DE CRIANÇAS E IDOSOS NA AMAZÔNIA

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Nos últimos anos está cada vez mais evidente que os prejuízos decorrentes da derrubada e queima de florestas na Amazônia não se restringem apenas às perdas materiais e ambientais. A fumaça produzida por essas queimadas libera uma grande quantidade de material particulado na atmosfera que prejudica a saúde dos habitantes nas regiões afetadas. 

Ao contrário da poluição crônica e prolongada que assola os centros urbanos, a fumaça das queimadas na Amazônia expõe a população da região a períodos relativamente curtos (3-6 meses), porém contínuos e intensos de poluição cujos picos podem passar de 400 microgramas/metro cúbico de ar, bem acima das 20 microgramas consideradas como o máximo aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em Rio Branco durante a seca de 2005 picos de poluição de até 450 microgramas foram registrados.

As partículas finas liberadas pela fumaça de queimadas causam preocupação por que permanecem por mais tempo na atmosfera e, em função de sua capacidade de dispersão, podem ser transportadas a grandes distâncias. Elas podem se depositar nos brônquios terminais e nos alvéolos dos pulmões causando ou agravando problemas respiratórios e contribuindo para o aumento nas admissões hospitalares e emergenciais, utilização de medicamentos e aumento da mortalidade, especialmente entre idosos e crianças.

Um estudo sobre a tendência da mortalidade por doenças respiratórias em idosos e as queimadas em Rondônia entre 1998 e 2005 (Castro et al., 2009) mostrou que o aumento do número de focos de calor favorecia o aumento nas taxas de mortalidade por doenças do aparelho respiratório e pulmonar entre idosos acima de 65 anos. Foi encontrada correlação positiva e significante entre número de focos de queimadas e as taxas de mortalidade dos idosos pelas doenças citadas e que explicava entre 50% e 80% da mortalidade pelas doenças estudadas em idosos na região.

Outro estudo avaliou a associação entre o material particulado de queimadas e doenças respiratórias no sul da Amazônia (Carmo et al., 2010) e observou que um incremento de 10 microgramas/metro cúbico de ar na poluição do ar estava associado ao aumento de até 2,9% nos atendimentos ambulatoriais por doenças respiratórias de crianças no 6° e 7° dias subsequentes à exposição. Nas mesmas condições de incremento da poluição atmosférico em Cuiabá-MT, o aumento das internações hospitalares de crianças foi de 12,1% (Silva et al., 2013).

Em contraste com os resultados citados acima, em Manaus-AM, onde a poluição atmosférica decorrente de queimadas é muito inferior, as maiores taxas de internações hospitalares de crianças por doenças respiratórias ocorreram no período chuvoso em razão das condições meteorológicas, principalmente a umidade excessiva (Andrade Filho et al., 2013).

Durante a seca de 2005 verificou-se no mês de setembro um acréscimo de 45% no número de hospitalizações por doenças respiratórias em Rio Branco (em relação a 2004) (Mascarenhas et al., 2008), sendo os diagnósticos mais frequentes infecções das vias aéreas superiores (21%), bronquite (15%) e asma (12%). Os sintomas clínicos predominantes foram tosse (79%), febre (51%), dispneia (39%) e dor torácica (15%). Crianças até 9 anos representaram 48% dos atendimentos, seguidas de adultos (20-59 anos) com 36%, enquanto adolescentes (10-19 anos) e idosos (60 + anos) corresponderam a 9 e 8%. No período, os residentes de Rio Branco representaram 97% dos atendidos por doenças respiratórias.

Uma avaliação da relação entre as queimadas e morbidades respiratórias no Acre entre 1998 e 2005 realizada por Silva et al. (2008) concluiu não apenas que o aumento no número de focos de queimadas provoca o incremento no número de internações por doenças respiratórias, mas também um aumento na taxa de mortalidade associada a doenças respiratórias durante os períodos de queimadas. 

A literatura científica tem demonstrado de forma inequívoca que a poluição atmosférica decorrente de queimadas na Amazônia causa ou agrava problemas de saúde, especialmente os respiratórios em crianças e idosos. Embora ela não indique a dimensão do custo financeiro do problema para os sistemas de saúde dos estados e municípios, é possível que ele seja significativo.

Acreditamos não ser preciso fazer um estudo para avaliar o custo-benefício do uso do fogo como forma de preparo da terra para descobrir que o conjunto da sociedade paga um preço altíssimo pelo benefício de uns poucos produtores rurais. É preciso intensificar ainda mais a fiscalização e o controle e aumentar a punição para aqueles que, mesmo sabendo, teimam em derrubar e queimar de forma ilegal nossas florestas.

Para saber mais:

Andrade Filho, V.S. et al. 2013. Aerossóis de queimadas e doenças respiratórias em crianças, Manaus, Brasil. Rev. Saúde Pública, 47: 239-247.

Carmo, C.N. 2010. Associação entre material particulado de queimadas e doenças respiratórias na região sul da Amazônia brasileira. Rev. Panam. Salud Publica, 27: 10-16.

Castro, H.A. et al. 2009. Tendência da mortalidade por doenças respiratórias em idosos e as queimadas no Estado de Rondônia, Brasil - período entre 1998 e 2005. Ciência & Saúde Coletiva, 14: 2083-2090.

Mascarenhas, M.D.M. et al. 2008. Poluição atmosférica devida à queima de biomassa florestal e atendimentos de emergência por doença respiratória em Rio Branco, Brasil - Setembro, 2005. J. Bras. Pneumol., 34: 42-46.

Silva. R.G. et al. 2008. Relação entre as queimadas e as morbidades respiratórias no Acre no período de 1998 a 2005: uma abordagem espacial. In: XLVI Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural-SOBER. Rio Branco, Acre.


Silva, A.M.C. et al. 2013. Material particulado originário de queimadas e doenças respiratórias. Rev. Saúde Pública, 47: 345-352.

28 outubro 2016

A OCORRÊNCIA DE FLORESTAS ESTACIONAIS NO ACRE

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Os livros didáticos e mesmo o Zoneamento Ecológico do Estado (ZEE) classificam todas as florestas acreanas como sendo do tipo tropical úmida, ou seja, tecnicamente nossas florestas são, para essas publicações, ‘ombrófilas’. Essa palavra de origem grega significa ‘amigo das chuvas’ e sugere que nossas florestas sobrevivem e são dependentes de um clima majoritariamente chuvoso e com altas temperaturas médias anuais.

De fato, quem estuda o mapa da vegetação acreana produzido pelo ZEE (Acre, 2006) verificará que o tipo de vegetação predominante no Acre é a ‘Floresta Ombrófila Aberta’. Este tipo de vegetação, segundo o Manual Técnico da Vegetação Brasileira (IBGE, 2012) - referência oficial adotada no país para a classificação da vegetação nativa - é considerado como uma transição entre a floresta amazônica típica e outras vegetações extra-amazônicas e ocorre em locais em que a temperatura média anual pode chegar a 25 °C e o período de estiagem estende-se entre 2 e 4 meses por ano.

Essas informações oriundas da referência obrigatória para a classificação da vegetação brasileira denota que possivelmente um equívoco deve ter ocorrido na classificação da vegetação acreana durante a elaboração do ZEE. Vejamos.

A região leste do Acre, assim como todo o Estado, apresenta altas temperaturas médias anuais que podem variar entre 23,7 °C em junho e 26 °C em novembro (Duarte, 2006) e se qualifica como tendo condições térmicas para abrigar a vegetação do tipo ‘Floresta Ombrófila Aberta’. Entretanto, o mesmo autor afirma que o período chuvoso na região leste do Acre se estende entre outubro e abril e concentra 83% do volume anual de chuvas. Sobram, portanto, para os outros cinco meses do ano (maio a setembro) apenas 17% do volume de chuvas anuais.

Diante disso não é exagero dizer que a extensão do período seco na região leste do Acre (cinco meses), combinada com o baixíssimo índice pluviométrico ocorrente durante o mesmo (menos de 1/5 do total anual) desqualifica, sob o ponto de vista hídrico, essa parte do Estado para abrigar florestas do tipo ‘Ombrófilas Abertas’. Por isso, como se pode observar facilmente no entorno de Rio Branco no auge do período seco, “nossas” florestas Ombrófilas submetidas a períodos secos prolongados tendem a apresentar comportamento estacional. Na prática, observa-se que os indivíduos arbóreos de maior porte permanecem nessa condição quando o déficit hídrico atinge o seu ápice entre os meses meados de agosto e setembro.

Obviamente que se as florestas ‘Ombrófilas’ perdem as folhas durante uma parte do ano por razões climáticas elas não poderão continuar a ser formalmente classificadas como tal. Na literatura, florestas com esse comportamento são geralmente chamadas de estacionais. E florestas desse tipo geralmente ocorrem em regiões com clima sazonal (estações chuvosas e secas bem definidas). Além disso, no período de maior deficiência hídrica as árvores de médio e grande porte dessas florestas perdem suas folhas em percentuais que podem variar entre 20% (mínimo) a mais de 50% (em situações extremas).

No Manual Técnico da Vegetação Brasileira as florestas com comportamento estacional são classificadas como semidecidual se o percentual de árvores que perdem as folhas na estação seca situar-se entre 20% e 50% do total. Se o percentual for superior a 50% elas são classificadas como decíduas. As formações florestais que apresentam menos de 20% de indivíduos desfolhados no período seco são consideradas “sempre-verdes” (ou perenifólias) e nessa categoria estão incluídas as ‘Florestas Ombrófilas Abertas’ indicadas pelo ZEE como ocorrentes na região leste do Acre.

O Manual da Vegetação Brasileira indica que a ‘Floresta Estacional Semidecidual’ ocorre no Acre em áreas aluviais presente nas planícies e em alguns terraços mais antigos das calhas dos rios e em áreas de terras baixas sobre solos sedimentares até 200 m de altitude. Ele até indica algumas espécies encontradas nesse tipo de floresta, com destaque para a cerejeira (Amburana acreana), os ipês (Handroanthus spp.) e o pau pombo (Tapirira guianensis). De uma maneira geral florestas estacionais apresentam menor altura, biomassa e riqueza florística em relação às florestas tropicais úmidas em razão da forte influência da sazonalidade climática (ver Nogueira et al. 2008).

É importante ressaltar que as florestas estacionais acreanas não devem ser entendidas no sentido estrito da palavra, pois apenas o componente arbóreo emergente apresenta comportamento estacional. As palmeiras, o bambu (Guadua spp.) ou uma combinação de ambos, por exemplo, são perenifólios e dominam o sub-bosque de grande parte das florestas estacionais do leste do Acre.

As florestas com comportamento estacional encontradas na região leste do Acre estão geograficamente no limite sul do domínio da floresta Amazônica ‘Ombrófila’ (perenifólia). Elas predominam na região de cabeceira e no médio curso do rio Acre, estendendo-se também para a região ocupada pelo Parque Estadual Chandless.

Na Estação Ecológica Rio Acre, próximo de Assis Brasil, um inventário florístico de revelou que 70% das plantas encontradas integravam o estrato intermediário e o subosque florestal (Ferreira et al., 2011). Essa dominância relaciona-se com o comportamento decidual das árvores maiores, que perdem as folhas no período mais seco do ano e permitem que mais luz chegue ao interior da floresta, favorecendo o desenvolvimento das plantas de pequeno e médio porte.

Essa condição também torna as florestas estacionais do leste do Acre naturalmente mais secas e vulneráveis ao fogo (proposital ou acidental), especialmente no auge da estiagem entre os meses de julho e setembro, quando as folhas caídas das árvores maiores formam um colchão de material seco e inflamável sobre o solo.

Por isso, delimitar a extensão das florestas estacionais do leste do Acre é uma prioridade, pois ajudará a identificar áreas mais vulneráveis a incêndios florestais e contribuirá para minorar os prejuízos ambientais e econômicos que esses desastres representam para a economia local.

Referências:

- Duarte, A. 2006. Aspectos da climatologia do Acre, Brasil com base no intervalo 1971-2000. Rev. Bras. Meteorologia, 21: 308-317.

- Ferreira, E.J.L.  et al. 2011. Aspectos florísticos e fitossociológicos de uma floresta aberta com comportamento caducifólio e sub-bosque dominado por Rinorea viridifolia Rusby (Violaceae) no Leste do Acre. In: X Congresso de Ecologia do Brasil, 2011, São Lourenço-MG.

- IBGE. 2012. Manual Técnico da Vegetação Brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. 271p.


- Nogueira, E.M. et al. 2008. Tree height in Brazil's ‘arc of deforestation’: Shorter trees in south and southwest Amazonia imply lower biomass. Forest Ecology and Management, 255: 2963-2972.

26 outubro 2016

RESERVAS EXTRATIVISTAS HOJE, FLORESTAS VAZIAS AMANHÃ (I)

Evandro Ferreira
Blog Ambiente Acreano

Em 1992 o biólogo americano Kent Redford publicou na Revista BioScience (vol.42, n°.6, p. 412-422) um artigo intitulado “The Empty Forest” (Floresta vazia) no qual nos alertava, usando um trocadilho em inglês, do seguinte: “We must not let a forest full of trees fool us into believing all is well”. Uma tradução da frase resulta em algo assim: “Não podemos deixar uma floresta cheia de árvores nos enganar, fazendo-nos acreditar que tudo está bem”.

Na época da publicação do artigo, início dos anos 90, a destruição das florestas tropicais no mundo estava se intensificando novamente depois de uma diminuição causada pela recessão econômica global do final dos anos 80. Até então se estimava que desde 1960 cerca de 20% das florestas tropicais do planeta já haviam sido destruídas.

Apesar da situação crítica, a luta contra a destruição das florestas tropicais nessa época era difusa e não havia um movimento global como temos hoje – liderado por governos e entidades da sociedade civil – capaz de impor limites e, efetivamente, promover a sua diminuição. Naquela época ONGs de atuação global como o WWF e o Greenpeace não priorizavam as florestas tropicais e no Brasil a luta contra a destruição da Amazônia era liderada por organizações de extrativistas e indígenas.

Para compensar a devastação em curso, governantes de países que abrigavam florestas tropicais foram obrigados a tomar medidas de proteção para as mesmas. No Brasil, milhões de hectares de florestas da Amazônia foram transformados em Reservas Extrativistas. Outros milhões de hectares, no Brasil e no mundo, foram designados ‘florestas’ ou ‘parques’ sob a tutela estatal.

Na maioria desses casos, entretanto, prevaleceu na criação dessas ‘áreas de proteção’ o conceito de conservação e proteção na qual o homem continuava a ter o direito de explorar – de forma comercial ou apenas com fins de subsistência – os recursos nelas contidos. As exceções foram as áreas de proteção integral onde é vedado qualquer tipo de exploração dos recursos naturais.

Quando Kent Redford publicou seu artigo ele foi muito crítico em relação à “onda” de criação de áreas para a proteção de florestas tropicais daquele período porque se por um lado isso era uma forma de mostrar à sociedade que as florestas estavam efetivamente sendo protegidas, por outro a possibilidade de continuidade da exploração econômica das mesmas se constituía em uma ameaça real à sobrevivência daquelas florestas no longo prazo.

Redford observou que embora algumas florestas exploradas pelo homem possam aparentar um bom estado de conservação, elas não mantêm, necessariamente, sua integridade biológica. A caça intensiva e indiscriminada de animais de médio e grande porte e a exploração madeireira que retira da floresta espécies frutíferas chaves para a alimentação da fauna silvestre podem, no longo prazo, afetar a biodiversidade e diminuir as chances de recuperação dessas florestas.

Desprovidas de animais, especialmente os polinizadores e dispersores de suas próprias plantas, extensas áreas florestais aparentemente intactas ficarão ‘vazias ou silenciosas’ e paulatinamente perderão numerosas espécies arbóreas, arbustivas, epifíticas e lianescentes que entrarão em processo de extinção pela falta dos animais que as ajudavam a se perpetuar no ambiente florestal.

Obviamente que essas ‘florestas vazias’ de vida animal permanecerão de pé por muito tempo porque muitas espécies de plantas vivem dezenas ou centenas de anos. Mas, na medida em que elas – agora relíquias vivas – forem morrendo, a floresta vai ficar menos diversa e empobrecida.

Diante do que foi exposto, você leitor deve estar curioso para saber se esse fenômeno de ‘florestas vazias’ ou silenciosas está acontecendo na Amazônia e no Acre. A resposta é sim!

A pressão de ambientalistas contra a exploração e destruição indiscriminada das florestas tropicais, especialmente para a ‘garimpagem’ de espécies madeireiras de alto valor comercial e posterior conversão em áreas agropecuárias forçou os pesquisadores da área florestal a desenvolver técnicas de exploração madeireira de baixo impacto ambiental. Atualmente a exploração madeireira que faz uso dessas técnicas de baixo impacto é uma prática amplamente difundida por toda a região. E o Acre se destaca entre todos os Estados da Amazônia brasileira, pois aqui a tecnificação do processo atingiu níveis não vistos em outras regiões.

Entretanto, apesar desse tipo de exploração causar baixo impacto em outras árvores da floresta e ao ambiente explorado – especialmente a rede hidrográfica –, a exploração madeireira praticada em nosso Estado é danosa porque não discrimina as espécies que explora. E a fauna silvestre dependente de algumas das espécies exploradas é uma das principais vítimas de todo o processo.

Da lista de aproximadamente 50-60 espécies passíveis de exploração no Estado, pelo menos 20-25 tem potencial para ser classificadas como espécies-chaves para a alimentação da fauna silvestre. Essas espécies, conhecidas em inglês como “keystone plant resources” (Terborgh, 1986), são vitais para a estabilidade e a diversidade da comunidade de plantas em uma floresta. Elas geralmente são abundantes, produzem anualmente recursos nutritivos (frutos, sementes, néctar, etc.) de forma regular – especialmente durante o período de escassez dos mesmos na floresta – e alimentam uma grande diversidade de animais silvestres.

A identificação de espécies-chaves dentre as espécies madeireiras exploradas no Acre foi inicialmente levantada ‘por acaso’ pelo ex-deputado Zé Carlos (PTN-AC). Durante o recesso parlamentar 2007-2008 o então Deputado fez uma viagem de 10 dias percorrendo seringais e comunidades ribeirinhas ao longo do rio Yaco, em Sena Madureira, e recebeu dos habitantes locais reclamações de que muitas espécies madeireiras que serviam de alimento para a fauna silvestre estavam sendo retiradas em grande escala das florestas daquela região via exploração madeireira.

Dentre as espécies citadas pelos extrativistas e ribeirinhos, se destacavam a caxinguba, cajuzinho, andiroba, copaíba e a gameleira. A retirada dessas espécies da região estava contribuindo para uma diminuição significativa da fauna caçada tradicionalmente pelos moradores locais.

Artigo continua...

Para saber mais:
Kent H. Redford. 1992. The EmptyForest. Revista BioScience 42(6): 412-422.

John W. Terborgh. 1986. Keystone plant resources in the tropical forests. In Soule, M.E. & Wilcox, B.A. (Eds.). Conservation biology: an evolutionary-ecological perspective. Sinauer, USA.

03 outubro 2016

FONTES DE FUMAÇA E A NAVALHA DE OCKHAM*

Foster Brown** e Sonaira Silva***
  
Estes dias estamos no meio de um evento extremo climático – uma seca severa – que produz condições propícias para queimadas e consequentemente fumaça. Como exemplo, nos dias 23 e 24 de agosto deste ano a cidade de Rio Branco estava coberta com fumaça. Se continuar a seca como aconteceu nos anos 2005 e 2010, podemos ter outros dias assim, portanto vale a pena analisar um pouco de onde vem a fumaça e isto envolve entrar no processo científico ena aplicação da Navalha de Ockham.

A ciência, ao contrário da matemática, não prova nada, mas junta evidências a favor ou contra explicações de como a natureza funciona. Estas explicações mudam com tempo quando novas observações e teorias aparecem. No caso da fumaça, podemos aplicar a lei de conservação de massa, poeticamente colocada na frase atribuída ao cientista francês Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Mas Einstein indicou que esta lei é simplesmente uma aproximação do que já havia mostrado, que massa pode ser perdida e transformada em energia, como acontece no Sol. Mesmo assim, a lei é uma boa aproximação para compreendermos as fontes de fumaça.

No caso da fumaça em Rio Branco, a lei de conservação de massa implica que a fumaça pode vir de três fontes:(1) queimadas dentro da cidade; (2) queimadas fora da cidade mas dentro do estado do Acre; e (3) queimadas fora do estado do Acre.

No primeiro caso, esperamos fuligem e uma variação de concentração da fumaça na cidade. Se o vizinho queima no quintal dele, a fumaça seria densa, mas ela vai reduzir com a distância. No caso (2) as concentrações de fumaça seriam mais uniformes na cidade e com pouca fuligem. No caso (3), notamos em 2004 que ventos fortes associados à frentes frias podem trazer fumaça de longe, por exemplo, de queimadas em Beni e Santa Cruz na Bolívia,e afetar a qualidade do ar em Rio Branco. Ventos fortes do norte e nordeste podem trazer fumaça do Amazonas ou Rondônia.

As três fontes de fumaça contribuem para piorar a qualidade do ar em Rio Branco, mas qual é a maior fonte?A resposta depende das evidências e teorias disponíveis e muda com tempo. Se tiver muita fuligem, ela indica que as fontes estão bem próximas,na cidade.

No caso de fumaça uniforme, a determinação é mais complicada numa seca generalizada como aconteceu em 2005, 2010 e agora, em 2016. Quando se queima fora do estado do Acre, estamos também queimando dentro do estado, dificultando a distinção entre as duas fontes.

Podemos usar uma heurística de filosofia, ou seja, um guia para encontrar explicações, chamado a Navalha de Ockham. Na verdade foi um frei chamado Guilherme que nasceu em Ockham. Ele propôs a ideia no século 14,de não complicar explicações mais do que o necessário. No caso de fumaça, isto gera uma série de possíveis explicações para testar, que vão das mais simples às mais complexas.

A mais simples explicação para fumaça seria que alguém na vizinhança está queimando algo, mas podemos rejeitar esta ideia se não tiver fuligem e se a fumaça não for uniforme por centenas de metros ou quilômetros.

A segunda explicação seria que a fonte está fora da cidade, mas dentro do estado do Acre. Para ter uma avaliação mais confiável podemos analisar os focos de calor de satélites e talvez tenhamos imagens de satélite ou relatos de indivíduos que indicam movimentos de nuvens de fumaça.

Se não encontrar estas evidências, é a hora de testar a explicação de que a fumaça vem fora do estado. Para a fumaça chegar de longe, precisa de duas condições: muitas queimadas gerando fumaça e ventos fortes e consistentes destas queimadas até Rio Branco.

No caso dos dias 23 e 24 de agosto em Rio Branco, a fumaça foi quase uniforme na cidade, sugerindo que a fonte não foi dentro de Rio Branco. Imagens do satélite Aqua nas tardes de dias 22 e 23 de agosto mostraram fumaça oriunda de queimadas perto de Capixaba e Senador Guiomard. As nuvens de fumaça nas imagens estavam movendo-se no sentido sudeste para noroeste, sugerindo que para as manhãs de 23 e 24 de agosto, estas queimadas foram as fontes principais da fumaça em Rio Branco. Nestas imagens não foi observada fumaça densa atravessando a fronteira com a Bolívia ou com o estado do Amazonas.

A fumaça causa sérios problemas a saúde humana e afeta o funcionamento dos ecossistemas. A origem da fumaça é importante, entretanto mais importante é entender que ainda estamos no início de setembro, mês tipicamente com maior registro de queimadas e incêndios florestais no Acre.

Em 2005 e 2010, cerca de metade dos focos de calor do ano inteiro aconteceram em setembro. Nestes anos, mais de 300.000 e 100.000 hectares de floresta queimaram no Acre, respectivamente, gerando muito fumaça. Em 2005 o primeiro autor notou durante sobrevoos, grandes áreas de florestas queimando, produzindo densas nuvens de fumaça.

A Navalha do Ockham não é infalível, mas serve para priorizar a busca de explicações. Este setembro foi um pouco como os de 2005 e 2010 e tivemos outros eventos de fumaça na cidade, porém com menor intensidade.

As secas severas não causam, somente propiciam a geração de fumaça. Somos nós, seres humanos, que decidimos usar fogo e gerar fumaça na Amazônia. Esperamos que em secas futuras possamos escolher ter ar limpo dentro e fora do estado do Acre.

*Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, em 03/11/2016;
**Foster Brown, Pesquisador do Centro de Pesquisa de Woods Hole, Docente do Curso de Mestrado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais (MEMRN) e do Curso de Mestrado em Ciências Florestais (CiFlor) da Universidade Federal do Acre (UFAC). Cientista do Programa de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazônia (LBA), do INCT SERVAMB e do Grupo de Gestão de Riscos de Desastres do Parque Zoobotânico (PZ) da UFAC. Membro do Consórcio Madre de Dios e da Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais
***Sonaira Souza da Silva, Professora da UFAC e Doutoranda em Ciências de Florestas Topicais do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia.

Foto: Sonaira Silva