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15 outubro 2009

LIVRO: 'O NOVO MANUAL DE NEGÓCIOS SUSTENTÁVEIS'

"Não há mais opção: ou se faz de maneira sustentável ou cai fora do mundo dos negócios", diz Smeraldi

Por Thais Iervolino, do Amazonia.org.br

Com o seu livro "O Novo Manual de Negócios Sustentáveis" recém-lançado, o diretor da organização Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, Roberto Smeraldi, concedeu uma entrevista exclusiva ao Amazonia.org.br.

Nela, o diretor aborda a importância da sustentabilidade na área financeira e dos negócios, fala das principais conquistas da organização - que neste mês completa 20 anos - e também alerta para os principais desafios ambientais durante as próximas décadas.

Para ele, é preciso pensar na inovação tecnológica não como 'engenhocas'. "Normalmente, quando se pensa em inovação tecnológica, limita-se a isso: a algo que gasta menos água. É preciso pensar numa dimensão estratégica que envolve toda a sociedade em cima de coisas de grande porte. É uma tecnologia que envolve cadeias, investimentos em cima de uma mudança de prioridades", diz ele.

Confira a entrevista.

Amazonia.org.br - Por que lançar um manual de negócios sustentáveis em 2009?

Roberto Smeraldi - Nós havíamos aberto um caminho em 2004 [quando foi publicado o primeiro Manual de Negócios Sustentáveis], mas o contexto atual é de mudança muito rápida. Portanto, para nós, era necessário atualizar essa discussão.

Entendemos que havíamos aberto um canal de discussão sobre o tema, mas que depois o contexto mudou muito, embora muito do que foi escrito tenha validade hoje. Houve uma aceleração das perspectivas tanto econômicas quanto tecnológicas que exigia um pouco da visão mais atualizada.

Amazonia.org.br - Quais foram as principais mudanças ocorridas no Brasil e no Mundo que fizeram surgir a necessidade de mais um manual?

Smeraldi - As mudanças podem ser muitas, ainda mais se você considerar o avanço tecnológico: uma série de coisas que mostram caminhos e que não estavam previstos na edição anterior do manual, ou que mostram coisas que se achava que viriam daqui a décadas e que são - na realidade - para amanhã.

São muitas mudanças, mas há duas que chamam a atenção: em 2007 o fato de o mundo abrir os olhos para a crise climática, a partir do relatório do IPCC [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, na sigla em inglês] e tudo aquilo que se seguiu; e, em 2008, a crise financeira - com uma necessidade de reinvenção de muitos setores.

Esses dois elementos tornaram coisas que eram de domínio de pessoas que pensavam para o futuro em coisas da atualidade, para já.

Amazonia.org.br - Qual o intuito do manual, além de atualizar e antecipar esses temas?

Smeraldi - Normalmente se assume que você, para fazer um negócio sustentável, paga um preço, como se para ser mais bonzinho fosse preciso pagar mais. Essa é a abordagem que existe. A ideia é reverter isso para uma lógica de que na realidade é mais caro fazer no jeito convencional.

Não é só mais caro, é menos competitivo fazer da maneira convencional. Não é só uma questão de custo, é uma questão de ver custo versus receita, custo versus perspectiva de lucro... Não é só uma questão de olhar para a planilha dos custos, é olhar para o negócio como um todo. E, olhando para o todo, a maneira convencional de fazer negócios começa a mostrar sua obsolescência.

O principal é essa mudança de perspectiva. Embora o Manual de 2004 já sinalizasse isso, a gente ainda estava um pouco na linha de dizer que existe opção de fazer as coisas bem feitas. Agora estamos dizendo que não há mais opção: é fazer da maneira sustentável ou você vai cair fora do mundo dos negócios. O recado é mais radical.

Amazonia.org.br - Como você comprova a mudança? Com base em que?

Smeraldi - Há um capítulo onde eu falo da mudança inacreditável - se você pensar com a perspectiva de alguns anos atrás, do começo desta década - que está tendo na lista das 500 grandes empresas do mundo. Estão sumindo desta lista gigantes que se achavam intocáveis.

Isso acontece no Brasil também. O fato que determinadas marcas eram consideradas eternas está começando a não só ser questionado mas a realmente mudar. Tem-se megabancos que somem de um dia para o outro, megaindústrias, montadoras, numa crise dramática. Tem-se megacoisas que são compradas por outras e só ficam as marcas porque são conhecidas, mas as empresas somem.

Essa onda de mudanças é tão rápida que é um dos elementos principais que nos faz dizer que a questão da sustentabilidade é essencial para se planejar um negócio.

Isso acontece também com as tecnologias. Hoje existe a crise do jornal impresso, por exemplo, no mundo inteiro. É uma crise no modelo do negócio. Quem imaginaria isso uma década atrás?

Isso acontece não só nas indústrias que poderíamos considerar vinculadas às tecnologias antigas, mas no mundo da informação. Esse contexto nos obriga à reinvenção. Quem não se reinventar cai fora. É isso o que nos move a fazer essa avaliação da aceleração.

Amazonia.org.br - O lançamento do livro marca também o aniversário de 20 anos da Amigos da Terra. Nessas duas décadas, quais as conquistas que devem ser comemoradas?

Smeraldi - É basicamente um pouco a questão de ter trilhado caminhos novos. É ter, por exemplo, pago aquele preço ingrato do pioneirismo que ajuda outros depois a entrar no trilho quando já se entendeu que valia a pena entrar no trilho. Basicamente correr o risco de entrar num caminho que é roubada.

A contribuição que a entidade deu para políticas públicas e para o mundo empresarial - isso vale para o resto da comunidade ambientalista e para a sociedade em geral - é de ter apostado em experimentos um pouco antes do tempo e que depois eles se revelaram realmente caminhos, de ter pautado temas que depois a sociedade entendeu que eram realmente importantes, independentemente de ter concordado ou não com nossa abordagem.

Mesmo aqueles que não concordavam com nossa abordagem se beneficiaram com o caminho aberto por nós. Isso desde quando pautamos o tema da madeira, no começo dos anos 1990, inclusive da questão da ilegalidade e legalidade; o tema do fogo, com as soluções municipais - a ideia de hoje de "negociação com multiatores", com "stakeholders" - isso na realidade foi feito pela primeira vez com os protocolos municipais do fogo nos anos 1990, que foi a primeira tentativa de juntar o índio, o trabalhador rural, o fazendeiro, o prefeito e ter uma agenda comum.

A certificação florestal, construída há alguns anos, e a certificação agrícola, discutida hoje, está pautando a questão da pecuária, que agora virou um dos temas do ano. Em todas as épocas a contribuição foi ter pautado esses temas, essas áreas de discussão chave e acho que constitui um patrimônio de aprendizado que considero um dos mais importantes.

Especificamente com relação a temas. A própria escolha em colocar o nome "Amazônia" na organização, em 1988, era algo provocadora, até recebida com ceticismo pelo movimento ambientalista no Brasil na época, que via a Amazônia como "uma região atrasada, que não tinha capacidade local". Mesmo aqueles que estavam em prol da Amazônia com a lógica de "salvar", era "salvar", não era nunca uma lógica de colocar a Amazônia no centro.

Hoje o que acontece é o contrário. A Amazônia tem protagonizado inclusive muitos dos avanços em termos de projetos, de experimentação, de extrativismo, de produção, de modelos em geral até entre os mais avançados que tem tido no Brasil. Essa é uma coisa que eu vejo que o Brasil de hoje é diferente, embora ainda exista uma abordagem neocolonialista, que ainda quer chupar recursos da Amazônia para outras regiões sem desenvolver o local, por parte dos políticos, mas já mudou muito em termos de abordagem da imprensa, por exemplo.

Outra coisa importante é a questão dos bancos. Isso nem em relação a vinte anos atrás, é em relação a dez anos, já que começamos isso em 2000. Isso é tão importante porque é o combustível para todos os setores, é a condição que está atrás de tudo. E até 2000 essa questão simplesmente não era sequer considerada, não existia. Quando fizemos o primeiro levantamento com os bancos, eles respondiam "questão ambiental para nós é substituir lâmpadas dos nossos escritórios". Para eles não existia uma função do banco em relação à questão ambiental fora de seus edifícios, era uma questão que dizia respeito a como eles coletavam o lixo, como eles reciclavam o papel.

Isso mudou muito. Hoje se conseguiu engajar todos os bancos basicamente em cima de suas responsabilidades em todos os sentidos - econômico, social, legal...

Talvez, parece-me que outra ação importante - que está em andamento irreversível - é a do caminho para o Brasil ser o País que vai definir critérios de certificação na área de agricultura em geral e que provavelmente vai exportar isso para o resto do mundo, em vez de importar, em ver de atender os critérios estabelecidos por alguém.

Amazonia.org.br - Você diz que, de uma forma ou de outra, a organização pautou a agenda não só do setor ambiental, mas de toda a sociedade como um todo. Daqui para frente, quais são os desafios a serem pautados?

Smeraldi - Do ponto de vista das políticas públicas, eu enxergo a questão da tributação, de revolucionar todo o sistema tributário de uma maneira a refletir a sustentabilidade dos processos, dos produtos, dos serviços em geral que são taxados. Esse, do ponto de vista das políticas públicas, vai ser o grande tema de transformação, porque vai mudar a estrutura de preço, as políticas de compra, as condições de competitividade.

O sistema da inovação - que inclusive o livro trata - também é outro elemento importante. Não deve ser pensado como engenhocas de tecnologias.

Normalmente, quando se pensa em inovação tecnológica, limita-se a isso, a algo que gasta menos água. Não, é preciso pensar numa dimensão estratégica que envolve toda a sociedade em cima de coisas de grande porte. Um pouco aquilo que eu cito no livro, do Sachs [Ignacy Sachs], "a civilização da biomassa". Aquilo é uma revolução tecnológica, mas não é uma invenção de um cara que teve uma ideia genial e encontrou uma maquininha para fazer alguma coisa, não. É uma tecnologia que envolve cadeias, investimentos em cima de uma mudança de prioridades.

Essa é uma questão que vai ser chave e que vai ter que dialogar ou, provavelmente, estar em conflito com algumas outras opções de peso que estão sendo feitas, mas que vão no sentido contrário, como é o caso do Pré-Sal.

O Pré-Sal pode ser algo que se diz "não posso deixar de aproveitar", mas você olha só esse lado, no copo meio cheio e não olha para o copo meio vazio que diz que, ao apostar nisso, ao direcionar os meus recursos nisso, o que eu deixo de fazer?

Não dá para fazer tudo ao mesmo tempo. A sociedade se organiza. Ela fica dependente de determinadas coisas ou de outras. É preciso pensar no que eu vou deixar de fazer, nas tecnologias que eu vou deixar de investir para apostar nisso.

Como eu vou estar daqui a 20 ou 30 anos por conta de eu apostar nesse negócio? Eu corro o risco de estar fora de competitividade com meus produtos nos mercados internacionais, eu corro o risco de ter atrasado o meu desenvolvimento tecnológico-industrial em duas, três décadas, eu posso ter umas décadas perdidas de adaptação com isso porque eu faço uma escolha que é para o futuro à luz de uma coisa que, na realidade, está no fim.

E está no fim não por exaustão do recurso. Como dizem os economistas "a idade da pedra não acabou por falta de pedra". Quer dizer, continua existindo um monte de pedras, só que hoje a gente não acha que ela é tão valiosa. Para eles, a pedra era uma maravilha.

O problema é apostar em uma coisa que é importante para um determinado padrão tecnológico e ela se tornar completamente sem importância. E essa escolha é para um período.

Durante duas décadas só terão custos do Pré-Sal, não haverá benefícios e, quando se terão os eventuais benefícios, será uma época em que isso [petróleo] vai começar a ser aposentado. Pelo menos as indicações que nós temos da Agência Internacional do Petróleo dizem que a curva começará a decrescer em 2.025, em 2.030, justamente quando o Pré-Sal começaria a ser a matriz da nossa economia.

Então um tema chave é apostar na inovação tecnológica versus apostar em determinados recursos que pertenciam à outra época. Esse vai ser outro grande tema dos próximos anos.

(Envolverde/Amazônia.org.br)