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15 outubro 2009

O DECLÍNIO DA HEGEMONIA DOS EUA

Estudar mudanças da política externa norte-americana é fundamental para entender o mundo contemporâneo, segundo Tullo Vigevani, coordenador do INCT sobre os Estados Unidos. Para ele, apesar do declínio, hegemonia do país deverá durar mais de 30 anos

Mudanças hegemônicas

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP – A hegemonia dos Estados Unidos no cenário internacional está em declínio, de acordo com o professor Tullo Vigevani, do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Marília (SP).

Mas, segundo ele, estudos realizados por pesquisadores brasileiros nas últimas duas décadas mostram que o país da América do Norte ainda permanecerá no posto de primeira potência do planeta por pelo menos 30 anos.

Por isso, diz Vigevani, estudar a política externa norte-americana é fundamental para compreender o mundo contemporâneo e planejar políticas públicas. É por isso que um grupo de cientistas de diversas instituições se reuniu para formar o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Estudos sobre os Estados Unidos, aprovado no início de 2009 e que tem a coordenação de Vigevani.

Apoiando-se nesses 20 anos de estudos, o objetivo é aglutinar as pesquisas feitas em diversas instituições brasileiras sobre o gigante norte-americano e compreender a gênese de sua política externa em temas relacionados à economia, à segurança e às relações com organismos internacionais e com a América do Sul.

O instituto pesquisará ainda as mudanças verificadas nos últimos anos – e que estão se intensificando ainda mais após a eleição de Barack Obama – nas políticas externas norte-americanas em relação a temas como direitos humanos e meio ambiente.

Segundo Vigevani, o projeto do INCT – que tem apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – agrega diversas instituições, mas tem seu núcleo em um programa conjunto da Unesp, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

A concepção do instituto tomou forma a partir de estudos iniciados em 1999 por Sebastião Cruz, do Departamento de Ciências Políticas da Unicamp. Essas pesquisas deram origem, em 2003, a um Projeto Temático, apoiado pela FAPESP, sobre as modificações no sistema internacional. Diversos outros projetos se seguiram.

O Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia é conduzido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), por meio do CNPq, em parceria com a FAPESP, em São Paulo, e com outras instituições nos demais estados. O apoio da FAPESP permitiu a ampliação dos recursos federais investidos em São Paulo para a criação de institutos.

Os projetos aprovados têm as características dos Projetos Temáticos da FAPESP, modalidade que se destina a apoiar propostas de pesquisa com objetivos suficientemente ousados, que justifiquem maior duração e maior número de pesquisadores participantes.

Agência FAPESP – Por que ter um INCT voltado especificamente para estudos sobre os Estados Unidos?

Tullo Vigevani – Um dos objetivos centrais é ter um projeto que seja capaz de adensar, no Brasil, os estudos sobre os Estados Unidos. Na ocasião em que foi anunciada publicamente a lista de INCTs aprovados, o professor Marco Antonio Zago, presidente do CNPq, referiu-se diretamente ao nosso instituto. Ele afirmou que, assim como temos muitos brasilianistas nos Estados Unidos, no Brasil precisamos de uma massa crítica de estudiosos dedicados aos Estados Unidos. Acredito que isso também dá uma boa ideia da missão do nosso instituto.

Agência FAPESP – Esses estudos têm foco na política externa dos Estados Unidos?
Vigevani – A análise das relações exteriores do Estado norte-americano permeará nossos estudos. Mas a finalidade do instituto não é a discussão genérica sobre as relações internacionais – e nem mesmo sobre as relações bilaterais. A ideia é compreender como se faz a política externa dos Estados Unidos. O objetivo, portanto, é estudar os processos de formulação da política exterior norte-americana.

Agência FAPESP – O senhor falou em adensar os estudos sobre os Estados Unidos já feitos no Brasil. A pesquisa no INCT partirá, então, de uma plataforma já estabelecida?
Vigevani – O projeto do INCT se apoia em uma tradição de pesquisa formada ao longo de 20 anos. O instituto agrega diversas instituições, mas seu núcleo é o Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas – um programa conjunto da Unesp, da Unicamp e da PUC-SP. Esse núcleo agrega muitos projetos que convergem para a temática das relações internacionais e, em particular, para mudanças no sistema internacional nas últimas duas décadas – grande parte deles dizia respeito especificamente aos Estados Unidos. Temos diversos trabalhos concluídos sob a forma de livros e artigos sobre a política norte-americana.

Agência FAPESP – Levando em conta os estudos que o senhor mencionou sobre as mudanças ocorridas nos últimos 20 anos, podemos dizer que a importância dos Estados Unidos no mundo permanece a mesma?

Vigevani – Examinar os cenários que se referem à centralidade dos Estados Unidos no cenário internacional é um dos focos do instituto. Essa centralidade foi sem dúvida imensa no século 20. Mas nosso ponto de partida é que nos próximos 30 anos o país continuará tendo um papel de grande relevância, ainda que isso possa ir se modificando.

Agência FAPESP – Então a centralidade norte-americana não se dissipará tão rapidamente. Ela continuará por um longo período, como que por inércia?
Vigevani – Mesmo que haja um forte desenvolvimento do poder chinês, isso não modificará de um momento para outro o conjunto das relações – ainda que a centralidade norte-americana entre em uma fase de declínio. A capacidade tecnológica e de atração de cérebros dos norte-americanos, assim como sua influência política e cultural, continua muito grande. E esses processos não podem ser alterados rapidamente. Por isso consideramos os estudos sobre os Estados Unidos como fundamentais para a compreensão do mundo contemporâneo e também para a formulação de políticas públicas brasileiras.

Agência FAPESP – A eleição de Barack Obama foi um fator de mudança importante nas políticas norte-americanas. Com isso os estudos sobre as mudanças nas relações internacionais ganham ainda mais relevância?

Vigevani – A eleição de Obama é certamente muito importante. O projeto do instituto foi consolidado antes desse episódio, mas as equipes estão pesquisando as mudanças que já estão ocorrendo em relação às formulações de políticas de finanças, comércio, agricultura, direitos humanos, meio ambiente e segurança. O que verificamos até agora é uma tendência importante ao enfraquecimento do unilateralismo dos Estados Unidos.

Agência FAPESP – A que se deve esse abrandamento do unilateralismo norte-americano?
Vigevani – Há duas ou três motivações principais. Em primeiro lugar deve-se ao próprio fracasso da política unilateralista que caracterizou o período de George W. Bush. Em segundo lugar, aos custos da liderança – como chamamos na literatura. Significa que a manutenção da liderança tem um preço e chegou o momento de arcar com seus custos. Em terceiro lugar, deve-se à própria modificação das relações de poder. O peso da economia norte-americana no mundo tem seguido uma linha declinante nos últimos 65 anos.

Agência FAPESP – Podemos dizer que a crise econômica atual também está relacionada aos custos da manutenção da liderança norte-americana?
Vigevani – Não se trata de um fator isolado, mas uma parte da crise financeira dos Estados Unidos está ligada, sim, ao preço da hegemonia. Mas eu acrescentaria que não há custos apenas no sentido econômico – há um custo político da hegemonia. Por isso, para o instituto, as questões de direitos humanos e meio ambiente terão uma importância central. As pesquisas têm mostrado que as mudanças das posições dos Estados Unidos nesses dois temas se dão, provavelmente, por conta do custo da sustentação de posições que entram em choque com muitos outros países.

Agência FAPESP – Apesar de assumir o país em um momento de crise financeira e declínio da hegemonia, Obama poderá sair ganhando politicamente ao adotar políticas externas menos agressivas?
Vigevani – Sim, um dos objetivos centrais da política de Obama é melhorar a qualidade do soft power norte-americano. Nesse campo, o meio ambiente e os direitos humanos são instrumentos importantes, ainda que o governo encontre dificuldades para essas mudanças.

Agência FAPESP – Dentro da temática dos processos de formulação da política exterior norte-americana há linhas principais de pesquisa?

Vigevani – O projeto prevê o desenvolvimento de pesquisas em quatro grandes áreas: “Política econômica internacional dos Estados Unidos”, “Grande estratégia e política de segurança dos Estados Unidos”, “O papel dos Estados Unidos nas estruturas de governança global” e “Integração e crise na América do Sul e a política dos Estados Unidos para a região”.

Agência FAPESP – A área voltada para política econômica internacional poderá ganhar destaque especial com a crise mundial?

Vigevani – Essa área implicará diversas questões, mas em particular tratará da formulação da política financeira internacional dos Estados Unidos e os impactos dessa formulação para a política financeira do mundo. Casualmente esse tema ganhou mais relevância com a crise que começou em setembro de 2008, mas o projeto do instituto já estava pronto antes desses acontecimentos. Essa linha de estudos – na qual temos pessoal de todos os níveis a partir do mestrado até pesquisadores seniores de alto porte – tratará de dois aspectos principais: as questões financeiras e as questões de formulação de políticas de comércio exterior dos Estados Unidos.

Agência FAPESP – Que aspectos serão tratados na área de estratégia e política de segurança dos Estados Unidos?
Vigevani – Estão incluídas aí questões relativas aos problemas militares – a ação internacional e a estratégia de segurança dos Estados Unidos – e também políticas de segurança especificas, como, por exemplo, na área de segurança energética. Isso implica o debate sobre o acesso ao petróleo e às fontes alternativas e de energia.

Agência FAPESP – Já houve mudanças expressivas na política de segurança do país?
Vigevani – Certamente, a retirada do Iraque é uma alteração radical da política de segurança dos Estados Unidos que foi formulada no início da década, depois dos atentados de 11 de setembro. Isso não é uma iniciativa particular de Obama, mas ele está dando continuidade a uma nova política que está sendo formulada tendo em vista o fracasso da anterior.

Agência FAPESP – O que caracteriza essa política fracassada?
Vigevani – Uma das hipóteses levantadas pelo projeto era a concepção de que a segurança internacional estava centrada nos Estados Unidos desde 1945. Isso, em parte, continua sendo verdade, porque o único país com capacidades militares globais são os Estados Unidos. Mas essa capacidade e essa superioridade inconteste estão sendo questionadas pelas novas formas que têm adquirido as questões de segurança. Mais uma vez, no entanto, não se trata de mudanças rápidas.

Agência FAPESP – E quanto ao papel dos Estados Unidos nas estruturas de governança global?
Vigevani – Essa área é muito importante, porque há um grande debate na literatura acadêmica sobre a relação do país com órgãos internacionais como as Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio e todos os outros organismos internacionais, setoriais ou regionais. Não seria possível discutir a formulação da política externa norte-americana sem levar em conta essas relações.

Agência FAPESP – A última área, relacionada à política norte-americana para a América do Sul, trata também da relação dos Estados Unidos com os governos locais?

Vigevani– Nessa área de concentração discutimos como se formula a política norte-americana para a região. Isso implica especialmente a análise das ações do Departamento de Estado norte-americano, mas também a relação entre diversos outros órgãos da organização federal com instituições regionais – como a Organização dos Estados Americanos – e formas de integração regional, como o Mercosul. Mas sempre sob o ângulo da formulação da política norte-americana. Nessa área, temos um interesse particular nos think tanks – os grupos privados ou públicos que formulam políticas – e qual o seu grau de influência sobre o congresso e a administração pública.