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10 novembro 2005

ESCRAVIDÃO NA PRODUÇÃO DE CARNE NO BRASIL

Na semana passada havia publicado um post sobre uma reportagem do jornal inglês THE GUARDIAN no qual o reporte fazia algumas acusações sérias contra “a carne brasileira” (leia "O poder da imprensa"). Ele afirmava que mais de 20.000 “escravos” faziam parte da cadeia produtiva da carne. Fiquei indignado porque sabia que isso não era verdade. Existem casos de trabalhadores escravos em fazendas produtoras de gado. ponto. Não dá para negar. Mas são minorias.
Temos que agir proativamente para extirpar estes “ fazendeiros” espertos do mercado para mostrar a eles que não vale a pena trabalhar assim. Como? deixando de comprar carne deles! Dá para fazer isso? Não. Quem pode fazer? Os frigoríficos. Estes têm que ser pressionados a parar de comprar carne resultante de trabalho escravo.
Infelizmente não é isto que está acontecendo. Leia abaixo a reportagem publicada no jornal O GLOBO no dia 30/10.

Escravidão na cadeia produtiva dos frigoríficos

Geralda Doca

BRASÍLIA. Enquanto o reaparecimento da febre aftosa no Brasil suscita comoção pelos prejuízos causados à cadeia produtiva da carne, uma triste realidade continua encoberta: grandes frigoríficos compram o produto de fazendas de onde foram resgatados trabalhadores em condições semelhantes à escravidão. Segundo um estudo da ONG Repórter Brasil — encomendado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, com apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT) — seis grandes frigoríficos exportadores compraram carnes de fazendas que constam da “lista suja” montada pelo Ministério do Trabalho para coibir a prática de trabalho escravo. Entre 2003 e 2005, a pecuária respondeu por 72% do total de ações feitas pelos fiscais do ministério para libertar trabalhadores. De 455 no total, 331 foram em fazendas, principalmente no Sul do Pará, no Norte de Mato Grosso e em Tocantins, Rondônia e Amazonas. Três desses frigoríficos clientes das fazendas listadas pelo ministério — Friboi, Margen e Quatro Marcos — estão entre os dez maiores exportadores do país. Segundo o estudo da Repórter Brasil, os outros três grandes frigoríficos são Frigoclass, Redenção e Frinorte. Para chegar a essa conclusão, a ONG fez um rastreamento com base em recibos e notas fiscais das empresas nos últimos anos. O levantamento, que envolve também outras cadeias, será divulgado no próximo mês. Há sete meses, o Instituto Ethos, que encabeçou um movimento pela erradicação do trabalho escravo, tenta sem êxito atrair os frigoríficos para essa causa. A proposta consiste na assinatura de um pacto em que o empresário se compromete a não comprar produtos cuja origem tenha ligação com esse tipo de crime. — Apresentamos o estudo à Abiec (Associação Brasileiras da Indústrias Exportadoras de Carne) e pedimos a eles para interferir na cadeia produtiva de seus associados, interrompendo a comercialização em fazendas que estão na “lista suja”. Mas não tivemos resposta até agora — disse o gerente de Mobilização de Parcerias do Instituto, Caio Magri. Pratini diz que controlede fornecedores é difícil Marcus Vinicius Pratini de Moraes, presidente da Abiec e ex-ministro da Agricultura, disse que a entidade ainda não decidiu se vai assinar o pacto com o Instituto Ethos. Ele alegou dificuldades por parte dos frigoríficos de controlar esse tipo de irregularidade, porque as empresas têm unidades espalhadas em vários estados e o universo de fornecedores é muito amplo. Pratini afirmou ainda que alguns frigoríficos têm seus próprios programas de responsabilidade social. Constam da lista de punidos do ministério 188 nomes, incluindo 21 fazendas ou empresas que foram excluídas, provisoriamente, por determinação judicial. Quem for pego explorando mão-de-obra escrava fica inscrito no cadastro sujo por dois anos, sendo acompanhado pelos fiscais nesse período.

Combinação de produção com desmatamento

BRASÍLIA. O rastreamento feito pela ONG Repórter Brasil mostrou que o Friboi — o maior exportador brasileiro de carne — comprou o produto das fazendas Bela Vista e Anita, no município de Chupinguia (RO), onde foram libertados 23 trabalhadores. O Margen também comprou carne das fazendas Pimenta Bueno (RO) e Boa Vista (RR). E o Quatro Marcos encomendou na fazenda Maringá, na cidade de Comodoro (MT), onde foram flagrados 188 trabalhadores em condições semelhantes à escravidão. Outras empresas menores, como Frigoclass (unidade de Marabá), Redenção (PA) e o Frinorte (TO), adquiriram o produto das fazendas São Luiz e Primavera (PA), São Roberto, Santa Fé, Estrelas das Alagoas e Estrelas de Maceió (PA) e Castanhal (TO). Todas estão na “lista suja” do Ministério do Trabalho. Segundo o Instituto Ethos, há no Brasil uma combinação perversa entre a produção de carne e o desmatamento, que utiliza mão-de obra escrava. Na avaliação do Ethos, a eliminação desse tipo de problema pode evitar pressões internacionais, principalmente quando o país vê ressurgir uma doença tão temida como a febre aftosa. — Como o Brasil é o maior exportador de carne, é claro que há gente de olho nesse tipo de fragilidade — disse o presidente do Conselho do Ethos, Oded Grajew. O subprocurador-geral do Ministério Público do Trabalho Luís Antônio Camargo diz que há uma impunidade grande no campo. — O Estado nunca interfere para punir pecuaristas. Ao contrário, sempre é para socorrê-los — destacou Camargo, acrescentando que o setor investe milhões de reais no rebanho. Empresas dizem que vão rever contratos com fazendas A secretária de Inspeção do Ministério do Trabalho, Ruth Vilela, diz que o trabalho escravo não será eliminado apenas com a ação do Estado: — Para erradicar o problema, com certeza é preciso limpar a cadeia produtiva. A Friboi confirmou as compras e informou que não tinha conhecimento de que as fazendas estavam na lista e que não é possível monitorar os cerca de 20 mil fornecedores. O Margen também reconheceu as compras de uma unidade de Rolim de Moura (RO) em 2004. Mas disse que a matriz não sabia que as fazendas constavam da lista e que, agora, será proibido comprar o produto dessas regiões. O Quatro Marcos informou que comprou sem conhecimento da prática na fazenda, segundo a assessoria de imprensa. O administrador do Redenção, Amélio Martins, alegou que por exigências das grandes redes de varejo, que aderiram ao pacto do Ethos, proibiu a aquisição do produto das fazendas irregulares. O Frigoclass e o Frinorte não se manifestaram. ( Geralda Doca )

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Escravidão na cadeia produtiva dos frigoríficos