Google
Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

22 outubro 2007

CASAS NOVAS E NOVOS MORADORES NA RESERVA EXTRATIVISTA DO ALTO JURUÁ

Crédito-moradia do INCRA está revolucionando o 'estilo' de viver dos extrativistas da Reserva e promovendo o retorno de moradores que haviam migrado para as cidades da região

Nova Morada
Mariana Pantoja*

Na vila Restauração, e ao longo de todo rio Tejo, e também do Juruá, e, enfim, de toda Reserva, o povo está de casa nova. São as casas do crédito-moradia do Incra. Já em janeiro de 2006, quando voltei a Reserva após uma longa ausência, me chamou atenção as casas que agora via coloridas nas margens do rio, todas de madeira serrada e cobertas de alumínio – materiais exigidos no contrato assinado pelos beneficiários.

As casas tem mesmo uma metragem padronizada, mas muitos moradores investem recursos próprios e modificam o projeto original. É assim que surgem casas fartamente avarandadas, ou de dois andares, ou internamente muito amplas. Economiza aqui e ali, estica lá e cá, pronto, a casa dos sonhos está pronta!

A do Bé e da Bia (ver acima), um jovem casal muito bacana, tem a varanda assoalhada com ripas de paxiúba, uma palmeira tradicionalmente utilizada no assoalho das antigas casas de seringal.

Crédito inventiva retorno da nova geração para a Reserva

As novas moradias são unanimamente saudadas como algo positivo, uma melhoria. Poucos são os moradores que ainda não acessaram o seu crédito-moradia, quer dizer, dos que estão cadastrados. O fato é que tem sempre novos candidatos aparecendo, em geral os filhos e filhas que vão se casando e querendo sua própria casa. Observei também um movimento de filhos e filhas, netos e netas, morando em municípios vizinhos e aproveitando o crédito para construir sua casa na Reserva e para lá retornar.

Mesmo jovens que vi indo para Cruzeiro do Sul planejavam construir sua casa na Restauração, passar uns tempos na cidade trabalhando, e voltar para junto dos parentes. Interessante esses movimentos todos, e como as pessoas se apropriam das políticas públicas para viabilizar seus desejos e projetos.

Mas como nem tudo é perfeito, o outro lado da moeda sempre aparece. Uma queixa corrente é a falta de controle com que as madeiras para construção das casas foram extraídas. Ou seja, o impacto ambiental de uma política governamental desta natureza e dentro de uma Unidade de Conservação.

Comenta-se que houve muito desperdício, que há muita madeira derrubada da qual utilizou-se apenas parte, ficando o restante na mata, apodrecendo, virando “paú” (adubo) (ver foto ao lado). Pude ver alguns desses pedaços quando andamos (meu compadre Pedro, Murilo e eu) até o paranã do Machadinho, mais acima no Tejo. Mesmo ali no campo de futebol da Restauração havia uma samaúma imensa, que hoje jaz no chão, quer dizer, parte dela, a outra virou, ao que soube, caixaria.

Moradores antigos da vila Restauração queixam-se de que suas estradas de seringa foram invadidas e muita madeira foi retirada sem seus consentimentos – o que seria uma regra antiga de propriedade a ser seguida. Os novos financiados, afirma-se, vão ter que buscar madeira longe...

Concentração habitacional

A meu ver, todo o processo teve e está tendo também implicações no padrão de distribuição dos moradores na Reserva. A sociedade de seringal sempre foi marcada por uma grande mobilidade de sua população humana, embora isso possa parecer contraditório com o controle que os patrões seringalistas deveriam exercer sobre seus trabalhadores, os seringueiros. Mas o fato é que o povo mudava muito de lugar, mesmo depois da Reserva criada, em 1990.

Com as mudanças na economia extrativista, o aumento da atividade agrícola e pecuária e as políticas públicas de saúde e educação, os surgimento de empregos e outras oportunidades, bom, todo esse padrão de alta mobilidade começou aos poucos a se alterar.

Escolas e postos de saúde começaram a atrair as pessoas; empregos e diárias também; os centros da mata começaram a ser abandonados em favor de locais mais acessíveis nas margens dos rios; equipamentos públicos nas margens favoreceram o surgimento de núcleos populacionais mais densos. A vila Restauração (foto ao lado) é parte desse processo (aqui descrito meio suscintamente demais). O que quero sugerir é que com o crédito, o padrão “vila” se consolida.

Casas de madeira serrada e alumínio duram muito, e não são propícias a mudanças. Não se deixa para trás uma casa desta, como se fazia com as antigas casas de paxiúba e cobertura de palha. Este novo estilo de moradia vem acompanhado de uma outra forma de ocupação do espaço e de uso do ambiente e seus recursos. Pastos são investimentos, são custosos, e não são também transportáveis. As estradas de seringa não eram transportáveis, mas estavam em todo lugar!

Agora, parece que as casas são construídas pensando numa fixação. Os mais velhos pensam nisso, e seus filhos também. O que parece é que o lugar eleito é um mixto de relações familiares e de percepção de indicadores de prosperidade. O que é esta prosperidade enxergada?

*Mariana Pantoja é antropóloga, professora do curso de Ciências Sociais da UFAC e costuma escrever relatos de suas experiências na RESEX do Alto Juruá no Blog 'A Flora'. O presente texto foi originalmente publicado no dia 20/10/2007.
Crédito das imagens: Mariana Pantoja

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Caro Evandro,
O relato da pesquisadora Mariana Pantoja é extremamente positivo, pois percebe-se que mais pesquisadores das ciências sociais andam "no meio do mato" para verificar a realidade desse povo.
Entretanto, talvez possa auxiliar nas análises da pesquisadora, evidenciando uma das contradições que permeiam a concentração das casas na aludida área. Ora, aparentemente o crédito habitação está delineando a revigoração da vila em torno do seringal Restauração. Contudo, essencialmente, as raízes dessa concentração podem ser percebidas pela desarticulação do extrativismo da borracha. Constata-se que, atualmente, não se produz mais nenhum quilo de borracha naquela região. Por quê? Porque simplesmente não tem mais ninguém que compre borracha nessa e nas localidades vizinhas!!!! Assim, o que está acontecendo é uma fuga em massa dos centros dos seringais para as margens dos rios e igarapés maiores em busca da sobrevivência. Ademais, a concentração de casas em torno da conformação de uma vila pode ser considerada, também, uma estratégia de sobrevivência das famílias, notadamente a partir de clãs estabelecidos nas diversas localidades no interior da floresta.
O crédito habitação é uma política importante para o fortalecimento e fixação dos extrativistas na floresta, mas ainda insuficiente para a manutenção dos mesmos na própria floresta, mesmo em vilas - que apresentam os graves problemas sociais (desemprego, prostituição, alcoolismo, entre outros) que assolam os núcleos urbanos das cidades, notadamente nas periferias, porém com contornos piores, haja vista a quase ausência do poder público nessas áreas.
Agora, com o oferecimento de alternativas produtivas concomitantes ao crédito habitacional, entre outras políticas institucionais, tais como, melhorias na infra-estrutura, comercialização etc., tudo indica que, ao invés da formação de vilas no interior das florestas, as comunidades florestais voltem a povoar e produzir em todas as dimensões florestais, garantindo a conservação do meio ambiente e, claro, das próprias comunidades.

22/10/2007, 09:07  

Postar um comentário

<< Home