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21 outubro 2007

AUTONOMIA PARA A DEFENSORIA PÚBLICA

A Quem Interessa a Autonomia da Defensoria Pública*

Valdir Perazzo**

Li com interesse o artigo escrito pelo senhor Evandro Ferreira sobre autonomia das Defensorias Públicas. Mesmo não concordando com suas idéias, achei positivo o debate. É importante que a instituição esteja sendo objeto de indagação. A sociedade brasileira necessita conhecer melhor a sua missão constitucional. Como regra, as pessoas do povo não sabem bem fazer a diferença conceitual entre as instituições jurídicas. É comum se ouvir o trabalhador dizer que vai levar o seu patrão ao Ministério do Trabalho, quando, na realidade, está querendo dizer que vai provocar uma demanda na Justiça do Trabalho. Conheço pessoas esclarecidas que fazem confusão entre Procurador de Estado e Procurador de Justiça. Enfim, a discussão é oportuna.

Relutei se faria a defesa da instituição contra o ataque desferido. Animei-me quando soube que o senhor Evandro Ferreira é bacharel em direito. Um colega, portanto. A decisão, porém, veio depois de consultar "O Dever do Advogado", de Rui Barbosa: "Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem das perigosas, quando justas" e Henri Robert: "O advogado é o paladino abnegado de todas as nobres causas, aquele cujo devotamento se volta inteiramente para todos os oprimidos e que faz ouvir perante a justiça a voz da piedade humana e da misericórdia". Impulsionei-me para a liça. E agora começa a defesa da Defensoria Pública.

Já no início do seu artigo o senhor Evandro Ferreira faz uma indagação: Será que precisamos mesmo disso? A indagação pode ser entendida de forma dúplice. Com o pronome demonstrativo "disso" o articulista pode ter se referido a autonomia da Defensoria Pública. Esta já existe na dicção do art. 134, § 2° da CF, assim redigido: "Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinados ao disposto no art. 99, § 2°". Há quem entenda que este dispositivo é auto aplicável no que diz respeito a autonomia orçamentária. A PEC 487 dá maior clareza a essa autonomia. Retira a dúvida suscitada pelos que não querem - como o senhor Evandro Ferreira - que a instituição seja autônoma.

Se o pronome demonstrativo "disso", se refere à própria necessidade da existência da Defensoria Pública, me alongo um pouco mais na resposta. Na legislação de Justiniano - o Digesto, Livro I, Título XVI - já se dava advogado a quem não tivesse condições de pagá-los. Na antiguidade grega - Atenas - era princípio legal: "todo direito ofendido deve encontrar defensor e meios de defesa", e em razão do princípio, anualmente, se nomeava dez advogados para fazer a defesa dos pobres. Platão nos informa que Sócrates fez sua autodefesa, crendo apenas na sua verdade. Poderia ter tido um advogado público, porque era pobre, prova de sua incorruptibilidade. A Declaração de Direitos do Estado da Virgínia, de 12 de junho de 1776, e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, firmaram o direito à igualdade de oportunidade perante a lei, criando o dever do Estado em prestar assistência judiciária gratuita.

No Brasil, desde a Constituição de 1934, conferiu-se dignidade constitucional ao tema, dispondo-se que a União e os Estados concederão aos necessitados defesa judiciária, criando, para esse fim, órgãos especiais, e assegurando-se isenção de taxas e emolumentos. Todas as constituições posteriores consagraram o direito de assistência judiciária aos necessitados. Entretanto, foi a Constituição de 1988, dita "CIDADÃ", por Ulisses Guimarães, quem realmente inovou em termos de prestação de assistência judiciária gratuita aos carentes de recursos. Qual a inovação desta Carta Política? Além de ter previsto o direito à assistência judiciária como garantia individual (art. 5°, inciso LXXIV), cláusula pétrea, criou um instituição para a defesa dos pobres em juízo (art. 134). Nas constituições anteriores os pobres dispunham do direito à assistência judiciária, mas não dispunham de meios que os viabilizassem em juízo. Os pobres não tinham acesso à justiça; a justiça é quem tinha acesso a eles: "com o mandado de prisão ou a ordem de despejo".

O Brasil é hoje, apesar das deficiências das Defensorias Públicas, dentre as nações da América Latina, o país que melhor presta assistência judiciária gratuita. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro é um modelo internacional. É o maior escritório de advocacia pública do mundo, atendendo milhões de pessoas. Seus profissionais viajam para vários países prestando consultoria. O Brasil é um modelo para a América do Sul. Nesse contexto, o Acre tem papel importantíssimo. Através do Acre estamos ligados a dois países da Comunidade Andina: o Peru e a Bolívia. Na região mais pobre de Continente. A Defensoria Pública do Acre pode ser um modelo para esses países, ajudando-os nas questões de direitos humanos e no acesso à justiça. Os países com maior número de presos no Brasil é a Bolívia e o Peru. Na grande maioria defendidos pelos Defensores Públicos. Os direitos humanos são valores universais. Só uma instituição como a Defensoria Pública tem condições de assumir a própria causa dos direitos humanos. Sem deméritos quanto aos briosos advogados particulares que também atuam nestas questões humanitárias.

Constato como preocupação do senhor Evandro Ferreira em seu artigo, que os Defensores Públicos querem ser iguais aos Promotores e Juizes, sem que, no entanto, tenham a competência daqueles. Em que pese as Defensorias Públicas terem recebido menos apoio dos Executivos Estaduais, os Defensores Públicos, em questão de preparo técnico, não estão em desigualdade em relação aos Promotores de Justiça e Juizes. As instituições, como as pessoas, precisam de tempo e condições para amadurecimento. A Defensoria Pública é uma instituição muito mais jovem do que o Ministério Público. Depois da Constituição de 1988, quem recebeu todo o apoio do Estado para sua estruturação foi o Ministério Público. Há dezessete anos essa instituição vem crescendo. E isso é importante para a democracia. Nesses dezessete anos a Defensoria Pública ficou relegada ao segundo plano. Desequilibrou-se o tripé da Justiça. O Ministério Público já teve suas deficiências. Num dos maiores erros judiciários do Brasil - O Caso dos Irmãos Naves - a denúncia foi assinada por um promotor que, sequer, tinha formação jurídica, e isso em 1938.

Mauro Cappelletti e Bryant Garth, que estudaram a assistência judiciária no mundo inteiro, estudo esse compaginado no livro "Acesso à Justiça", traduzido no Brasil por Ellen Gracie Northfleet, confirmam como primeira onda de acesso à justiça a assistência judiciária gratuita prestada por órgão governamental, nos moldes da Defensoria Pública do Brasil. O pensamento síntese do livro é o de que inexiste democracia sem acesso à justiça. O Brasil está no caminho certo. Nos anos 90 deu-se início ao fortalecimento do Ministério Público. O início do Século XXI é o tempo da Defensoria Pública. O senhor Evandro Ferreira, fazendo couro com os que, de má vontade, negam aos pobres o acesso à justiça, conclui seu artigo conclamando os congressistas a não votarem em favor da PEC 487. À guisa de conclusão, ouso discordar do articulista, que também é bacharel em direito, para dizer que o processo penal - área em que atuo - é acusatório. Acusação e defesa devem ter paridade de armas (princípio universal de direitos humanos), sob pena de voltarmos à Idade Média em que a presença de advogado no processo era considerada entrave ao seu andamento, ou a época de Napoleão que queria cortar a língua dos advogados. Não creio que o colega devote o mesmo ódio aos Defensores Públicos que Napoleão aos causídicos.

*Artigo originalmente publicado no site Ac24Horas em 20/10/2007
**Valdir Perazzo é Defensor Público