MENOS EMISSÃO DE CARBONO NA AMAZÔNIA
Distorção matemática
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Calcular a biomassa presente em uma floresta é fundamental para estimar a quantidade de carbono que seria emitida em caso de queimada e, consequentemente, para fazer avaliações ambientais e atribuir valor à floresta em pé.
Mas, de acordo com um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), as equações utilizadas para fazer esses cálculos têm distorcido os dados na região do arco do desmatamento na Floresta Amazônica, superestimando sua biomassa.
Coordenado por Philip Martin Fearnside, o trabalho foi realizado por Euler Melo Nogueira, Bruce Walker Nelson, Reinaldo Imbrozio Barbosa e Edwin Willem Hermanus Keizer. Os resultados foram publicados em setembro na revista Forest Ecology and Management. O artigo está entre os mais consultados da publicação desde então.
Os resultados mostram que a emissão de gases de efeito estufa proveniente da queima de biomassa florestal na Amazônia é bem inferior ao que se pensava. A estimativa de biomassa é feita com o auxílio de um modelo alométrico: uma equação matemática que relaciona algumas variáveis das árvores, como o diâmetro e a altura, com a biomassa.
Mas essas equações, feitas com base nas características da floresta densa, não funcionam bem, segundo Fearnside, quando aplicadas à floresta aberta do arco do desmatamento – que corresponde a um terço da Amazônia e gera 80% das emissões por desmatamento.
As novas equações alométricas criadas pelos pesquisadores, mais adequadas à realidade da floresta aberta, indicam que a floresta emite anualmente 24 milhões de toneladas de carbono a menos do que se imaginava.
Agência FAPESP – O grupo do Inpa coordenado pelo senhor desenvolveu recentemente novas equações alométricas que permitem realizar estimativas mais precisas da biomassa da floresta no arco do desmatamento. O que havia de errado com as equações usadas até agora?
Philip Fearnside – O problema dos cálculos feitos até agora é que eles se baseiam na extrapolação de dados obtidos exclusivamente na Amazônia central. Até hoje, todos os dados são das regiões de Manaus, Belém e de áreas de florestas densas perto do rio Amazonas. Mas no arco de desmatamento o que existe é um outro grupo de florestas, a floresta aberta.
Agência FAPESP – Trata-se de que tipo de dados?
Fearnside – Dados como a densidade de madeira, forma e altura das árvores. Na falta desses dados, para calcular a biomassa no arco do desmatamento eram usadas equações com base nas áreas da Amazônia central. O inventário brasileiro sobre as emissões de carbono, por exemplo, utilizou equações que foram feitas aqui em Manaus, para florestas densas, e aplicou ao arco do desmatamento.
Agência FAPESP – E essa extrapolação dos dados induzia a erro?
Fearnside – Sim, foi uma coisa que descobrimos em pesquisas anteriores: as árvores de lá são mais leves do que as da Amazônia central. A madeira é menos densa e, portanto, tem menos biomassa.
Agência FAPESP – Os cálculos feitos até agora estavam superestimados?
Fearnside – Sim. O procedimento normal para as estimativas de biomassa começa ao se medir as árvores grandes de diversas parcelas de floresta. Com a equação alométrica, essas medidas são convertidas em volume de madeira. Para calcular a biomassa, multiplica-se o volume pela densidade. A partir daí se pode calcular a quantidade de carbono da floresta para estimar qual será a quantidade de emissões em caso de desmatamento. Mas, se a madeira é mais leve, com o mesmo volume de madeira temos menos biomassa e menos emissões.
Agência FAPESP – Quando se descobriu que as árvores da floresta aberta são mais leves do que as da Amazônia central?
Fearnside – Em pesquisas feitas desde 1997 mostrávamos que as espécies mais leves apareciam com mais frequência no arco do desmatamento. O que descobrimos agora é que as árvores da mesma espécie também são mais leves por lá. Além disso, o teor de água na madeira é maior do que na área de floresta densa. Quando a madeira é mais leve, ela contém mais água. Então, quando se multiplicavam os valores por uma constante, para extrair o peso certo, sempre se usavam dados da área de Manaus. Além disso, observamos que as árvores de diâmetro semelhante nas duas regiões são mais curtas na área de floresta aberta. Tudo isso contribuiu para um grande exagero nas estimativas de biomassa.
Agência FAPESP – Qual foi a magnitude desse exagero?
Fearnside – Cada fator desses que mencionei acrescenta uma redução de biomassa e, quando se soma tudo, a diferença é gritante. No caso do desmatamento de 2004, por exemplo, quando houve um pico de desmatamento de 27,4 mil quilômetros quadrados desmatados em um ano, a diferença de cálculo é de 24 milhões de toneladas de carbono. E é preciso lembrar que a parte mais considerável dessa devastação se deu no arco do desmatamento e, portanto, essa diferença se aplica.
Agência FAPESP – Os cálculos feitos até agora, então, estavam completamente errados?
Fearnside – Sim, estavam errados. Houve um exagero considerável: 24 milhões de toneladas de carbono em um ano equivalem ao triplo das emissões na cidade de São Paulo. É impressionante. Mas temos que encarar isso como o processo contínuo, normal, do melhoramento dos números da ciência.
Agência FAPESP – A pesquisa conclui que a emissão potencial de carbono é muito menor do que se imaginava. Isso prejudica de alguma forma a argumentação contra o desmatamento?
Fearnside – Ao contrário, os argumentos contra o desmatamento se fortalecem, porque os cálculos estão mais corretos. Por acaso, os valores de emissões eram mais baixos do que os previstos. Mas o importante é ter certeza se os dados são ou não confiáveis. O fato de sempre haver muita incerteza é um dos principais argumentos para não dar valor à floresta. O resultado da pesquisa joga a favor da preservação. Não tenho a menor dúvida disso.
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