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12 maio 2009

VIRUS DA GRIPE

Ameaça antiga: colunista da Ciência Hoje Online destaca a importância das pandemias para a análise de fenômenos históricos e ambientais

“Aterrava a velocidade do contágio e o número de pessoas que estavam sendo acometidas.” Lendo a frase, dá até para pensar que ela foi publicada no jornal de ontem, quando foram confirmados os primeiros casos da gripe suína no Brasil. Ou no diário de viagem de alguém recém-chegado do México.

[Vítima da gripe espanhola no Rio de Janeiro em 1919 (foto: reprodução / Fiocruz).]

Que nada. Quem escreveu essas palavras foi o médico e escritor Pedro Nava, em 1918, ao descrever do Rio de Janeiro a terrível gripe espanhola, que dizimou milhões de pessoas entre 1917 e 1918, na pior pandemia da história recente da humanidade.

A descrição assim continuava: “Nenhuma de nossas calamidades chegara aos pés da moléstia reinante: o terrível não era o número de casualidades – mas não haver quem fabricasse caixões, quem os levasse ao cemitério, quem abrisse covas e enterrasse os mortos. O espantoso já não era a quantidade de doentes, mas o fato de estarem quase todos doentes, a impossibilidade de ajudar, tratar, transportar comida, vender gêneros, aviar receitas, exercer, em suma, os misteres indispensáveis à vida coletiva”.

A gripe espanhola, cuja origem ainda hoje é objeto de controvérsia, a princípio seria uma nova cepa do vírus influenza, surgida em 1916. O vírus só teria assumido sua forma mortal a partir de agosto de 1918, quando ganhou dimensão global – além da Europa, foram contaminados habitantes da Índia, Japão, China e das Américas.

Qualquer semelhança com os dias de hoje será mera coincidência? Espera-se que sim. Nestes tempos de gripe suína, quando o mundo mal se recuperou dos efeitos da gripe aviária, as comparações com episódios ocorridos em outros tempos são inevitáveis.

A gripe através dos tempos

De fato, embora diferente de outros males, como a febre amarela e a varíola – apenas para citar duas doenças comuns na história do Brasil –, há muito tempo a gripe já era considerada uma ameaça para a humanidade. Consta que Hipócrates, o pai da medicina, em 412 a.C. relatou casos de doenças respiratórias que em semanas matavam seres humanos.

Bem mais recentemente, quando da chegada dos espanhóis às Américas na virada do século 15 para o 16, a gripe foi responsável pela devastação de grupos inteiros de indígenas, tendo sido fundamental no próprio processo de conquista e colonização das Américas pelos europeus.

A situação de superioridade que tanto favoreceu os colonizadores no continente americano não ocorreria da mesma forma na África. Lá, as vítimas foram os europeus, que morriam das doenças locais, ao ter contato com a população. Coincidência ou não, até meados do século 19, com poucas exceções (a mais conhecida é justamente Angola, cuja capital, Luanda, foi fundada em 1575 pelos portugueses), os europeus não haviam estabelecido colônias na África, limitando-se a comerciar produtos e escravos a partir de feitorias na costa.

[Edição brasileira de Armas, germes e aço, de Jared Diamond.]

Os dois exemplos mostram que, além da superioridade militar e das intenções políticas, fatores como vírus e bactérias também são importantes para a compreensão do desenrolar da história das sociedades humanas. Este é um dos argumentos do interessantíssimo livro Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas, do médico e biólogo norte-americano Jared Diamond.

Publicado no Brasil em 1997 (a edição original em inglês também é do mesmo ano) pela editora Record, o livro ganhou os prêmios Pulitzer e Aventis no ano seguinte. A obra teve grande impacto nos meios de comunicação: rapidamente se tornou um best-seller e foi adaptada para a televisão pela PBS em 2005, em uma série de três episódios.

Determinismo geográfico?

Diamond sustenta a polêmica tese de que a geografia e a própria biologia explicariam por que algumas sociedades se desenvolveram e outras não. Acusado de reviver o determinismo geográfico por uns e louvado por outros por levar em conta os impactos da sociobiologia em análises históricas, o fato é que Diamond voltou a inserir no panorama acadêmico a consideração das epidemias e pandemias como fatores importantes para a análise de fenômenos históricos e ambientais.

A leitura de seu livro deixa claro algo que hoje em dia é mais do que óbvio: doenças têm a ver com desenvolvimento humano; é impossível distinguir a situação ambiental do mundo sem, ao mesmo tempo, levar em conta fatores econômicos e políticos.

Nesse sentido, cabe questionar – se é que a tese dele faz sentido – o que significa a sequência de gripes letais, facilmente transmissíveis entre humanos, ocorridas nos últimos tempos. Ao mesmo tempo em que a gripe suína alarma o mundo, doenças como febre amarela e dengue voltam a assombrar populações de vários países. Só na Bahia, foram 5 mil novos casos notificados em apenas quatro semanas.

Que as novas e velhas epidemias, que trouxeram de voltas doenças erradicadas e que apontaram para o surgimento de outras, têm a ver com o desequilíbrio ambiental, não há dúvida. Mas sobra incerteza quanto às reais possibilidades de criarmos soluções para todas essas questões. Afinal, problemas em escala mundial exigem soluções em escala mundial. Até porque, daqui, não há para onde fugirmos.

Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro