OS PERIGOS DOS ANABOLIZANTES
Pesquisa em academias de musculação revela o problema dos anabolizantes
Fernanda Marques
A questão estética, especialmente o imediatismo na obtenção do corpo desejado, é a principal motivação alegada por quem usa ou já usou anabolizantes – substâncias sintéticas relacionadas aos hormônios masculinos que produzem o aumento da massa muscular e cujo consumo não terapêutico pode provocar uma série de prejuízos à saúde. A conclusão é de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) que assinam um artigo na edição de abril do periódico Cadernos de Saúde Pública, editado pela Fiocruz. A equipe saiu a campo, matriculou-se em academias de ginástica, conheceu as rotinas desses estabelecimentos, observou a dinâmica das interações sociais e, por fim, entrevistou 43 frequentadores que já haviam utilizado anabolizantes. Os relatos apontam para o uso dessas substâncias por causa do desejo de atingir rapidamente “o corpo ideal”, com massa muscular aumentada e definida, isto é, um corpo adequado aos padrões valorizados na sociedade e disseminados pela mídia.
Os praticantes de musculação das três academias estudadas almejavam “o corpo ideal” e demonstravam frustração quando se percebiam distantes do padrão idealizado |
Definir a musculatura e erradicar a gordura, considerada a grande vilã no caminho do corpo perfeito, foram objetivos frequentemente citados pelos entrevistados, que tinham entre 18 e 35 anos. A pesquisa foi feita em três academias: uma localizada em um bairro de classe média de Salvador e duas em bairros populares da capital baiana. A preocupação com a estética foi a principal razão que levou os participantes a praticarem musculação, tanto no bairro de classe média quanto nos populares. “É interessante notar a transformação nos signos do corpo musculoso, que no passado, além de se associar ao poder masculino, denotava também o trabalho manual e a condição proletária. Na contemporaneidade, entretanto, o músculo perde esta última conotação e se torna ícone cultural altamente valorizado, simbolizando vigor, saúde e sucesso”, diz o artigo, assinado pelos pesquisadores Jorge Alberto Bernstein Iriart, José Carlos Chaves e Roberto Ghignone de Orleans, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA.
Embora o desejo de ter um corpo musculoso fosse comum, a forma de utilizar os anabolizantes variou entre as academias. Na academia de um bairro popular, os pesquisadores observaram o uso explícito: os praticantes conversavam e até faziam brincadeiras sobre os anabolizantes e aplicavam as injeções uns nos outros antes de iniciarem a musculação; além disso, na lixeira do banheiro, foi possível encontrar grande quantidade de seringas e agulhas descartáveis, utilizadas nas aplicações. Já os entrevistados do bairro de classe média buscavam ocultar o uso dos anabolizantes: eram reservados nas conversas sobre o assunto e não faziam as aplicações no espaço da academia.
Outra diferença diz respeito ao tipo de anabolizante utilizado. Nas academias dos bairros populares, prevaleceram as substâncias com preços mais acessíveis e chamou a atenção dos pesquisadores o grande consumo até de produtos veterinários. Já os frequentadores da academia de classe média utilizavam anabolizantes mais caros, inclusive importados. Diferenças à parte, os praticantes de musculação das três academias estudadas almejavam “o corpo ideal” e demonstravam frustração quando se percebiam distantes do padrão idealizado.
O medo de serem desvalorizados pelos colegas ou de não despertarem a atração no sexo oposto também pressionava os entrevistados a se enquadrarem no padrão do corpo musculoso. “Para os jovens, o pertencimento ao grupo de amigos é uma faceta fundamental de sua identidade e vários usuários entrevistados relataram o incentivo de amigos, namorados(as) e colegas de academia como um fator que favoreceu o uso de anabolizantes”, dizem os pesquisadores no artigo.
A equipe da UFBA também detectou um paradoxo nos relatos dos entrevistados. Embora já tivessem usado anabolizantes – substâncias que, reconhecidamente, podem trazer danos ao organismo –, eles destacavam os benefícios à saúde proporcionados pela prática da musculação. Incomodados com o envelhecimento, viam na musculação a possibilidade de envelhecer com saúde e realizar o desejo de se manter sempre jovem. “É interessante notar que a preocupação com a saúde, manifesta na justificativa para a prática da musculação, não impede o uso de anabolizantes. Contribui para esse fato a representação de que manter o corpo “em forma” torna-se cada vez mais equivalente a ter um corpo saudável”, explicam os pesquisadores.
O problema é que um corpo musculoso não necessariamente é um corpo saudável. E mais: se a musculatura definida foi conseguida à custa de anabolizantes, dificilmente esse corpo gozará de boa saúde. O consumo abusivo dessas substâncias para fins estéticos pode trazer consequências negativas para o sistema reprodutivo e a pele, aumentar o risco cardiovascular, alterar a estrutura e a função do fígado, provocar desordens psiquiátricas e, no caso de injeções com seringas e agulhas reaproveitadas, há ainda o risco de transmissão de doenças como Aids e hepatite C. Por isso, os anabolizantes são considerados hoje um crescente problema de saúde pública. No Brasil, o uso de anabolizantes ainda é pouco estudado. Porém, pesquisas realizadas em academias de musculação em São Paulo, Porto Alegre e Goiânia já revelaram altas prevalências de consumo: 19%, 11% e 9%, respectivamente.
Leia aqui o artigo da revista Cadernos de Saúde Pública.
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