CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO NO BRASIL DURANTE A II GUERRA
Alemães, italianos e japoneses eram alvo dos campos de concentração brasileiros
Valéria Dias
Agência USP de Notícias
Os campos de concentração costumam ser associados ao nazismo na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, vários países, incluindo o Brasil, utilizaram esse recurso para internamento de prisioneiros durante toda a primeira metade do século XX. De acordo com a historiadora Priscila Perazzo, entre 1942 e 1945, o Brasil manteve campos de concentração nos estados do Pará, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro (2), São Paulo (2), Santa Catarina (2) e Rio Grande do Sul.
Diário da Tarde: notícia sobre Ilha das Flores (RJ), o "primeiro campo de concentração no Brasil"
“O processo de aprisionar os ‘súditos do Eixo’ [alemães, italianos e japoneses] no Brasil fazia parte do alinhamento com a política dos Estados Unidos. Era uma forma de demonstrar o quanto o nosso País estava alinhado com a orientação norte-americana”, conta Priscila. De acordo com a historiadora, esses campos foram usados em todo o mundo a partir de 1899 até o final da Segunda Guerra. Tratava-se de uma prática muito disseminada na época e usada tanto por países do Eixo como também pelos Aliados. “No entanto, os nazistas levaram os campos de concentração às últimas conseqüências, transformando esses lugares em campos de extermínio”, aponta.
Priscila estudou o tema em seu doutorado em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A pesquisa deu origem ao livro “Prisioneiros da guerra: os “súditos do Eixo” nos campos de concentração brasileiros (1942-1945)”, que será lançado em agosto em parceria das Editoras Humanitas e Imprensa Oficial. O livro faz parte da coleção Histórias da Repressão e da Resistência.
A pesquisa teve como base a documentação do Ministério das Relações Exteriores e de diversas fontes encontradas em vários estados brasileiros, como polícia política, imprensa e boletins de quartéis do Exército. O estudo fez parte do Projeto Integrado Arquivo Público do Estado e Universidade de São Paulo (PROIN). “Encontrei documentos que mostram que, na época, o termo ‘campo de concentração’ era sinônimo de ‘campo de internamento’ e era usado tanto pela imprensa, quanto em documentos oficiais, da polícia, do Itamaraty, etc”, relata Priscila Perazzo.
De acordo com o estudo, no Brasil, a maioria dos prisioneiros era civil, de nacionalidade alemã, seguida da japonesa e italiana. Calcula-se que entre 3 e 5 mil pessoas, quase todos homens, passaram pelos campos de concentração brasileiros. “Mas não encontramos nenhum documento que mostrasse o número exato de internados nesses campos aqui no Brasil. Por isso o número é estimado, com base na movimentação de prisioneiros nesses locais”, aponta Priscila.
Política americana
A historiadora explica que em janeiro de 1942 o Brasil rompeu relações diplomáticas com os países do Eixo. Durante todo o primeiro semestre do referido ano ocorreu um processo de saída dos diplomatas brasileiros destes países, bem como a saída do País dos diplomatas alemães, italianos e japoneses. “A política interna do Brasil já apresentava uma postura nacionalista muito clara, com várias ações contra estrangeiros. Quanto à política externa havia a necessidade de o País demonstrar seu posicionamento com os Estados Unidos. A criação dos campos de concentração para confinar os ‘súditos do Eixo’ era a maneira de o Brasil manter o mesmo posicionamento do governo norte-americano”, conta.
Segundo a pesquisadora, durante todo o primeiro semestre de 1942, ocorrem várias discussões entre os ministros Oswaldo Aranha (Relações Exteriores) e Alexandre Marcondes Filho (Justiça), além de generais do exército a fim de definir como, onde e quem deveria ser internado nos campos. “O governo decide internar os alemães que tivessem ligações com o Partido Nazista, além de prender também japoneses e italianos”, relata.
Quanto ao tratamento que esses prisioneiros receberam, Priscila conta que foi muito variado, com vários relatos de maus tratos. “A Convenção de Genebra, de 1929, regula as questões referentes às guerras. Mas cita apenas prisioneiros militares detidos em combate, sendo que não havia, naquele momento, regulamentação para civis. Então as normas da Convenção foram estendidas a esse grupo, mas não foram seguidas a risca, em nenhum lugar do mundo”, diz.
Uma das normas diz que os prisioneiros deveriam ficar em alojamentos, ou campos abertos delimitados e separados por nacionalidade. “Mas em muitos campos eles ficavam todos juntos misturados por nacionalidades e condições. No caso de Ilha Grande (RJ), foi construído um espaço separado no presídio para acomodar estrangeiros. Era o mesmo presídio, mas em locais, celas e condições bem diferentes dos presos comuns e dos comunistas”, explica. De acordo com Priscila, nos vários estados, os prisioneiros ficaram presos em locais como estábulos adaptados em fazendas até prisões e colônias penais. “Normalmente, nos campos, os prisioneiros eram obrigados a realizar todo o trabalho, desde a higiene do local, cozinhar a própria comida, cuidar da criação de animais e da lavoura, etc.” descreve a pesquisadora.
Cruz vermelha
Outro ponto destacado por Priscila é a dificuldade que a Cruz Vermelha Internacional teve ao tentar entrar no Brasil para prestar assistência aos prisioneiros confinados. “Eles podiam visitar os presos e entregar objetos que os familiares dos presos enviavam. Então o Ministério das Relações Exteriores negociava a entrada da delegação, autorizava, mas o Ministério da Justiça, que administrava os campos, dificultava a visitação desses delegados. Encontrei várias correspondências diplomáticas que apontam essa dificuldade”, conta Priscila.
“Esses conflitos interministeriais podem fazer-nos perceber as fissuras internas do governo Vargas e as divergências de posições políticas de vários membros do governo, já ao final do Estado Novo”, aponta. “Se a Cruz Vermelha Internacional não visitasse os internos no Brasil, os brasileiros aprisionados em outros países também não receberiam essas visitas de conforto e assistência aos prisioneiros, bem como correspondências ou outro auxílio que a Cruz Vermelha costumava prestar, como uma espécie de represália à atitude do governo brasileiro.”
Os campos de concentração no Brasil funcionaram até agosto de 1945. Com o fim da guerra, o governo vai paulatinamente liberando os prisioneiros.
Valéria Dias
Agência USP de Notícias
Os campos de concentração costumam ser associados ao nazismo na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, vários países, incluindo o Brasil, utilizaram esse recurso para internamento de prisioneiros durante toda a primeira metade do século XX. De acordo com a historiadora Priscila Perazzo, entre 1942 e 1945, o Brasil manteve campos de concentração nos estados do Pará, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro (2), São Paulo (2), Santa Catarina (2) e Rio Grande do Sul.
Diário da Tarde: notícia sobre Ilha das Flores (RJ), o "primeiro campo de concentração no Brasil"
“O processo de aprisionar os ‘súditos do Eixo’ [alemães, italianos e japoneses] no Brasil fazia parte do alinhamento com a política dos Estados Unidos. Era uma forma de demonstrar o quanto o nosso País estava alinhado com a orientação norte-americana”, conta Priscila. De acordo com a historiadora, esses campos foram usados em todo o mundo a partir de 1899 até o final da Segunda Guerra. Tratava-se de uma prática muito disseminada na época e usada tanto por países do Eixo como também pelos Aliados. “No entanto, os nazistas levaram os campos de concentração às últimas conseqüências, transformando esses lugares em campos de extermínio”, aponta.
Priscila estudou o tema em seu doutorado em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A pesquisa deu origem ao livro “Prisioneiros da guerra: os “súditos do Eixo” nos campos de concentração brasileiros (1942-1945)”, que será lançado em agosto em parceria das Editoras Humanitas e Imprensa Oficial. O livro faz parte da coleção Histórias da Repressão e da Resistência.
A pesquisa teve como base a documentação do Ministério das Relações Exteriores e de diversas fontes encontradas em vários estados brasileiros, como polícia política, imprensa e boletins de quartéis do Exército. O estudo fez parte do Projeto Integrado Arquivo Público do Estado e Universidade de São Paulo (PROIN). “Encontrei documentos que mostram que, na época, o termo ‘campo de concentração’ era sinônimo de ‘campo de internamento’ e era usado tanto pela imprensa, quanto em documentos oficiais, da polícia, do Itamaraty, etc”, relata Priscila Perazzo.
De acordo com o estudo, no Brasil, a maioria dos prisioneiros era civil, de nacionalidade alemã, seguida da japonesa e italiana. Calcula-se que entre 3 e 5 mil pessoas, quase todos homens, passaram pelos campos de concentração brasileiros. “Mas não encontramos nenhum documento que mostrasse o número exato de internados nesses campos aqui no Brasil. Por isso o número é estimado, com base na movimentação de prisioneiros nesses locais”, aponta Priscila.
Política americana
A historiadora explica que em janeiro de 1942 o Brasil rompeu relações diplomáticas com os países do Eixo. Durante todo o primeiro semestre do referido ano ocorreu um processo de saída dos diplomatas brasileiros destes países, bem como a saída do País dos diplomatas alemães, italianos e japoneses. “A política interna do Brasil já apresentava uma postura nacionalista muito clara, com várias ações contra estrangeiros. Quanto à política externa havia a necessidade de o País demonstrar seu posicionamento com os Estados Unidos. A criação dos campos de concentração para confinar os ‘súditos do Eixo’ era a maneira de o Brasil manter o mesmo posicionamento do governo norte-americano”, conta.
Segundo a pesquisadora, durante todo o primeiro semestre de 1942, ocorrem várias discussões entre os ministros Oswaldo Aranha (Relações Exteriores) e Alexandre Marcondes Filho (Justiça), além de generais do exército a fim de definir como, onde e quem deveria ser internado nos campos. “O governo decide internar os alemães que tivessem ligações com o Partido Nazista, além de prender também japoneses e italianos”, relata.
Quanto ao tratamento que esses prisioneiros receberam, Priscila conta que foi muito variado, com vários relatos de maus tratos. “A Convenção de Genebra, de 1929, regula as questões referentes às guerras. Mas cita apenas prisioneiros militares detidos em combate, sendo que não havia, naquele momento, regulamentação para civis. Então as normas da Convenção foram estendidas a esse grupo, mas não foram seguidas a risca, em nenhum lugar do mundo”, diz.
Uma das normas diz que os prisioneiros deveriam ficar em alojamentos, ou campos abertos delimitados e separados por nacionalidade. “Mas em muitos campos eles ficavam todos juntos misturados por nacionalidades e condições. No caso de Ilha Grande (RJ), foi construído um espaço separado no presídio para acomodar estrangeiros. Era o mesmo presídio, mas em locais, celas e condições bem diferentes dos presos comuns e dos comunistas”, explica. De acordo com Priscila, nos vários estados, os prisioneiros ficaram presos em locais como estábulos adaptados em fazendas até prisões e colônias penais. “Normalmente, nos campos, os prisioneiros eram obrigados a realizar todo o trabalho, desde a higiene do local, cozinhar a própria comida, cuidar da criação de animais e da lavoura, etc.” descreve a pesquisadora.
Cruz vermelha
Outro ponto destacado por Priscila é a dificuldade que a Cruz Vermelha Internacional teve ao tentar entrar no Brasil para prestar assistência aos prisioneiros confinados. “Eles podiam visitar os presos e entregar objetos que os familiares dos presos enviavam. Então o Ministério das Relações Exteriores negociava a entrada da delegação, autorizava, mas o Ministério da Justiça, que administrava os campos, dificultava a visitação desses delegados. Encontrei várias correspondências diplomáticas que apontam essa dificuldade”, conta Priscila.
“Esses conflitos interministeriais podem fazer-nos perceber as fissuras internas do governo Vargas e as divergências de posições políticas de vários membros do governo, já ao final do Estado Novo”, aponta. “Se a Cruz Vermelha Internacional não visitasse os internos no Brasil, os brasileiros aprisionados em outros países também não receberiam essas visitas de conforto e assistência aos prisioneiros, bem como correspondências ou outro auxílio que a Cruz Vermelha costumava prestar, como uma espécie de represália à atitude do governo brasileiro.”
Os campos de concentração no Brasil funcionaram até agosto de 1945. Com o fim da guerra, o governo vai paulatinamente liberando os prisioneiros.
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