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23 julho 2009

NOVAS EVIDÊNCIAS DA ORIGEM DAS AVES

Dinossauro da China compatibiliza dados embriológicos e paleontológicos sobre evolução desse grupo

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ

Imaginem a seguinte cena: num dia ensolarado e de temperatura elevada, dois dinossauros famintos e com um calor tremendo ouvem um urro longínquo. Há dias sem comer, os répteis, à beira da fadiga, caminham apressadamente para o local. Lá chegando, se enchem de esperança: um terceiro dinossauro agoniza na lama. O infortunado estava com sede e não resistiu a avançar para a pequena poça de água no centro de um grande lamaçal, mesmo quando suas patas afundavam perigosamente. Acabou preso, sem poder sair. Mais que depressa, os dois novos visitantes avançam sobre o animal, que julgam ferido, na ânsia de saciar a sua fome. Outros que se enganaram e também não conseguiram mais sair do lamaçal! Mesmo fracos, se debatiam bastante, mas acabaram por perecer no local.

Ficção? Pode ser. No entanto, essa é a interpretação dada por pesquisadores para um dos mais interessantes achados dos últimos anos na paleontologia: um verdadeiro "bolo" de dinossauros!

Escavações

Momento em que o "bolo" com dinossauros era coletado pela equipe chinesa. Em um mesmo ponto estavam preservados vários dinossauros e outros animais, separados por fina camada de rochas (foto: Xu Xing).

Há sete anos o paleontólogo Xing Xu, do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia, em Pequim, organiza expedições para Xinjiang, no noroeste da China. Essa província chinesa, palco de recentes (e sangrentas) manifestações separatistas por parte do povo Uighur, principal minoria da região, tem extensos depósitos mesozoicos.

A área é predominantemente desértica e as exposições de rochas facilitam a descoberta de fósseis. No passado, muitos foram encontrados, como o pterossauro Dsungaripterus, da bacia de Junggar, descrito por um dos principais paleontólogos chineses, Yang Zhongjian (1897-1979), conhecido na literatura como C.C Young. Pela riqueza da província e por ser uma extensão natural da Mongólia, onde diversos achados importantes da paleontologia foram feitos, Xu achou interessante investir ali.

Com o passar do tempo, a equipe chinesa, que contava com a participação de norte-americanos, encontrou alguns fósseis, mas nada verdadeiramente espetacular. Até que, há alguns anos, o grupo topou com ossos emergindo na superfície, na região chamada de Wucaiwan. Nessa área, afloram rochas sedimentares de idade jurássica – com cerca de 156 a 161 milhões de anos –, da Formação Shishugou.

Em todo trabalho de paleontologia, a metodologia de coleta se inicia com a definição dos limites do esqueleto, para depois ser traçada a estratégia de retirada do fóssil com o menor dano possível. Até que limitar a área horizontalmente não foi um grande problema para Xu. Mas estabelecer os limites na vertical... À medida que cavava, novos ossos foram aparecendo. Estava claro que havia vários animais ali, separados por poucos centímetros de rocha.

Resumindo uma história longa: em mais de dois metros de profundidade, foram encontrados, em camadas distintas, como dispostos em um bolo, seis dinossauros, um crocodilomorfo, dois lagartos e outros animais ainda não identificados. Em suma: aquele pequeno ponto tornou-se uma armadilha para dinossauros e outros animais que passavam na região à procura de água e alimento, como se fosse um campo de areia movediça, o que torna a cena descrita no início desta coluna uma das interpretações plausíveis para o que teria acontecido. Aliás, essa hipótese foi objeto de um documentário da National Geographic em 2008. Mas essa foi a parte menos importante do achado...

Rara descoberta

Entre os dinossauros encontrados, Xu descobriu que dois deles pertenciam a um grupo bastante raro, nunca antes registrado na China, chamado Ceratosauria. Os ceratossauros reúnem espécies – algumas providas de cristas na cabeça – situadas em uma posição intermediária na cadeia evolutiva dos terópodes (grupo que engloba todos os dinossauros carnívoros). Eles são proximamente relacionados ao grupo Tetanura, onde também são classificadas as aves.

Batizada de Limusaurus inextricabilis – que literalmente quer dizer dinossauro da lama que não conseguiu escapar –, a nova espécie é uma verdadeira raridade. Não possuía dentes, tinha uma ranfoteca – feição típica das aves modernas – e guardava, no seu estômago, pedras chamadas de gastrólitos.

Exemplar mais completo de Limusaurus inextricabilis. Note as pedras, chamadas de gastrólitos (no detalhe à direita), encontradas na região estomacal do animal, o que, juntamente com outras características observadas, indica que essa espécie era herbívora (fotos: Xu Xing).

Essa conjugação de características indica que, apesar de estar classificado dentro do grupo de carnívoros, Limusaurus é uma exceção: possivelmente era um animal herbívoro. Outro terópodo com esse hábito alimentar foi registrado anteriormente, o que demonstra uma diversidade maior de estratégias de alimentação entre os integrantes desse grupo. Mas essas são formas muito raras. Ademais, Limusaurus é o mais antigo e o primeiro ceratossauro herbívoro. Mesmo essas feições, que fazem desse um achado excepcional, não são o que essa descoberta tem de mais importante...

Os dígitos das mãos

Existe uma importante controvérsia sempre levantada quando se discute a origem das aves a partir dos dinossauros. Segundo os dados paleontológicos, a redução dos dedos das mãos nos terópodes se deu de fora para dentro – isto é, foram o quinto e o quarto dígito que desapareceram. Assim, segundo essa antiga teoria, em terópodes mais derivados sobraram o primeiro, o segundo e o terceiro dígitos.

No entanto, dados embriológicos exaustivamente analisados demonstram claramente que as aves atuais perderam o primeiro e o quinto dedos, sobrando assim o segundo, o terceiro e o quarto dígitos. Esse é um dos principais argumentos contra a teoria de que as aves teriam evoluído a partir dos dinossauros.

Reconstituição do Limusaurus inextricabilis em vida (arte: Portia Sloan).

Em Limusaurus, o quinto dígito está ausente e o primeiro é muito reduzido. Ou seja, se Xu e seus colegas estiverem certos, os dados revelados por Limusaurus demonstram claramente que, a partir desse ponto da evolução dos terópodos, houve uma mudança na redução dos dígitos: passou do quinto e do quarto dígitos nas formas primitivas para o quinto e o primeiro, exatamente como é observado nos estudos embriológicos das aves modernas. Ou seja, o registro fóssil demonstra que Limusaurus e todos os terópodes que vieram depois já tinham perdido o quinto dedo da mão e estavam em um processo de redução do primeiro.

Todas essas notáveis características encontradas no Limusaurus inextricabilis fizeram com que seu estudo acabasse de ser publicado com destaque na prestigiosa revista Nature. Certamente essa descoberta esquentará o debate sobre a origem das aves.

O achado da equipe chinesa também demonstra como é errática a busca por fósseis. Imaginem só: anos sem encontrar nada interessante e, de repente, em um ponto só, tantos dinossauros juntos. Esse era um "bolo" que qualquer paleontólogo gostaria de receber em seu aniversário...