OS RISCOS E ILUSÕES DA EXPLORAÇÃO DO PRÉ-SAL
Pré-sal x taxa de câmbio: o risco da sobrevalorização cambial.
Entrevista Especial com Fernando Ferrari Filho/IUH Online
De “passaporte para o futuro”, como é denominado pelo governo, o pré-sal além de atrair muitos investimentos para o país, pode trazer à tona o fantasma da estagnação econômica. “Se não houver um controle de recursos externos que entrarão, o câmbio seguirá uma tendência de sobrevalorização, o que pode resultar em um problema de ‘doença holandesa’”, alerta o economista Fernando Ferrari Filho, em entrevista concedida, por e-mail, à IHU On-Line. Em outras palavras, enfatiza, “há uma perspectiva de desindustrialização da economia brasileira”. Ao assinalar as implicações do pré-sal, ele também observa perspectivas positivas. “As reservas do pré-sal e as perspectivas de exploração delas colocarão o Brasil em uma situação privilegiada no cenário internacional, principalmente no que diz respeito à captação de recursos externos”.
Na entrevista que segue, o economista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, acentua que a sobrevalorização do real está relacionada a alguns fatores, em especial, a diferença entre as taxas de juros doméstica e externa, que sofrem influências estruturais e conjunturais. Ele explica: “Estrutural, porque está relacionada à condução das políticas monetária e cambial por parte do Banco Central; conjuntural, porque, em um contexto de instabilidade internacional, os agentes acabam buscando mercados relativamente tranquilos”. Embora a economia nacional opte por um regime flutuante de meta cambial, o economista lembra que ela “possui reservas cambiais robustas, o que reduz ou elimina, pelo menos no curto prazo, a vulnerabilidade externa do país”.
Fernando Ferrari Filho é graduado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, doutor em Economia pela Universidade de São Paulo - USP, e pós-doutor pela University of Tennessee System. Publicou, entre outros, Política comercial, taxa de câmbio e moeda internacional: uma análise a partir de Keynes (Porto Alegre: UFRGS, 2006). Escreveu para a edição número 37 dos Cadernos IHU Ideias, intitulado As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em sua opinião, quais são as causas da sobreapreciação cambial? Ela é estrutural e conjuntural?
Fernando Ferrari Filho - A sobrevalorização do real, ao longo de 2009, deve-se a inúmeros fatores, tais como a economia brasileira, apesar do fato dos analistas econômicos e as instituições nacionais e multilaterais estarem prevendo um crescimento negativo ou próximo de zero para o corrente ano, apresenta situações fiscal e, principalmente, externa sólidas; o sistema financeiro não opera com derivativos exóticos, é eficiente, está adequado às regras de Basiléia II etc.; e as taxas de juros domésticas, a despeito da Selic que as baliza, terem caído 5,0% entre janeiro e setembro, são atrativas. Em suma, os referidos fatores, em especial o último - diferencial entre as taxas de juros domésticas e externas -, contribuem para o ingresso de capitais, aumentando, assim, a oferta de divisas cambiais. A sobrevalorização é tanto estrutural quanto conjuntural: estrutural, porque está relacionada à condução das políticas monetária e cambial por parte do Banco Central; conjuntural, porque, em um contexto de instabilidade internacional, os agentes acabam buscando mercados relativamente tranquilos.
IHU On-Line - A sobreapreciação cambial demonstra que a economia brasileira, de algum modo, está vulnerável?
Fernando Ferrari Filho - A economia brasileira possui reservas cambiais robustas, o que reduz ou elimina, pelo menos no curto prazo, a vulnerabilidade externa do País. Todavia, cabe ressaltar que se os déficits em transações correntes perdurarem e/ou recrudescerem e se os influxos de capitais cessarem, poderemos ter, em um futuro (mais distante do que próximo), problemas de fechamento de balanço de pagamentos, fragilidade externa etc.
IHU On-Line - O senhor disse, numa entrevista que nos concedeu em novembro, que os efeitos sobre os níveis de emprego, massa salarial e inflação seriam observados em 2009 e 2010. Já consegue ver uma perspectiva nesse sentido? A sobreapreciação cambial contribui na observação mais clara desses efeitos?
Fernando Ferrari Filho - A inflação há muito tempo deixou de ser um problema para o país. Ademais, em um contexto de recessão, a inflação deverá ficar abaixo do alvo da meta, 4,5%. Por outro lado, o efeito transmissor do câmbio sobrevalorizado sobre os preços é observado, por exemplo, nos índices de inflação em que os preços de atacado têm um peso significativo. Nesse particular, tanto o IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado) quanto o IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna), acumulados em 12 meses, têm apresentado, mês após mês, deflação. Inflação menor, por sua vez, acaba elevando o salário real. Todavia, para ocorrer um crescimento da massa salarial, é necessário, também, que o nível de emprego se expanda. Nesse particular, infelizmente, a taxa média de desemprego em 2009 é superior a de 2008.
IHU On-Line - Essa valorização artificial do real pode desaquecer a economia brasileira? Quais são, nesse sentido, os principais entraves para o crescimento econômico nacional?
Fernando Ferrari Filho - A sobrevalorização cambial desaquece o setor exportador, principalmente aquele que depende do "subsídio" cambial. Ademais, ela é prejudicial ao setor de máquinas e equipamentos domésticos, visto que as importações do referido setor afetam a indústria nacional.
IHU On-Line - Quais são as limitações e as possibilidades para a economia brasileira ao optar por um regime flutuante de meta cambial? Como isso interfere no crescimento econômico?
Fernando Ferrari Filho - Os governos optaram, desde 1999, pelo tripé metas de inflação, câmbio flexível e metas fiscais. Foi uma opção! Eu, particularmente, entendo que o regime macroeconômico adequado para estabilizar a inflação e assegurar o crescimento econômico sustentável é política monetária contra-cíclica (isto é, taxa de juros para expandir a atividade econômica), câmbio administrado e equilíbrio fiscal, sem abandonar a perspectiva de se adotar política fiscal contra-cíclica em momentos de desaquecimento do PIB.
IHU On-Line - Alguns especialistas dizem que o pré-sal vai colocar o Brasil em um processo de inserção internacional. Qual é o significado do pré-sal para a economia? Em que medida o pré-sal é positivo ou negativo?
Fernando Ferrari Filho - Não há dúvida de que as reservas do pré-sal e as perspectivas de exploração delas colocarão o Brasil em uma situação privilegiada no cenário internacional, principalmente no que diz respeito à captação de recursos externos. Ingresso de recursos externos implica investimentos que, por sua vez, expandem a atividade econômica. Essa sequência, sem dúvida, é o aspecto positivo. O aspecto negativo é que, se não houver um controle dos recursos externos que entrarão, o câmbio seguirá uma tendência de sobrevalorização, o que pode resultar em um problema de "doença holandesa". Em outras palavras, há uma perspectiva de desindustrialização da economia brasileira.
IHU On-Line – Mas, com o pré-sal, o senhor vislumbra, a longo prazo, uma economia crescente, dinâmica e competitiva em vários setores? Ou, pelo contrário, a economia interna corre o risco de estagnação se o petróleo for exportado?
Fernando Ferrari Filho - Como sou um keynesiano, não me cabe outra coisa a dizer que o "futuro é incerto". Nesse sentido, conjecturar sobre dinâmica da economia brasileira, a partir da exploração do pré-sal que ocorrerá a médio prazo, é complexo. Eu diria, todavia, que o crescimento sustentável, com ou sem pré-sal, passa pela eliminação das restrições externas e pela reestruturação do mercado interno, com inclusão social consistente.
IHU On-Line - Quando descoberta, a Serra dos Carajás, no Pará, era anunciada como uma alternativa para combater os problemas sociais e econômicos do país. Com pré-sal, o discurso e a prática irão se repetir?
Fernando Ferrari Filho - O pré-sal não eliminará os problemas sociais do país. A redução ou eliminação deles passa pelo crescimento acelerado e sustentável, com inclusão social, e pela distribuição de renda.
IHU On-Line - A lógica do livre mercado desencadeou a crise financeira internacional e deixou as economias em pânico. As economias não aprenderam nada com isso, considerando que os capitais já estão retomando velhas práticas de acumulação financeira, como acontece no caso do Brasil com a valorização cambial?
Fernando Ferrari Filho - A crise financeira internacional não está sendo mais recrudescedora em termos de impactos recessivos porque foram implementadas políticas fiscal e monetária keynesianas. Não há a mínima dúvida! Todos, economistas e policymakers, tornaram-se "keynesianos". Os oportunistas, todavia, não veem a hora da "poeira baixar" para que o Estado volte a exercer um papel de passividade na atividade econômica, sancionando a lógica dos mercados.
Enquanto não houver uma reestruturação da ordem econômica internacional, e os governantes e as autoridades econômicas não entenderem que Estado e Mercado são duas instituições imprescindíveis e que interagem, as crises do capitalismo continuarão, em um mundo globalizado, causando seus estragos.
Entrevista Especial com Fernando Ferrari Filho/IUH Online
De “passaporte para o futuro”, como é denominado pelo governo, o pré-sal além de atrair muitos investimentos para o país, pode trazer à tona o fantasma da estagnação econômica. “Se não houver um controle de recursos externos que entrarão, o câmbio seguirá uma tendência de sobrevalorização, o que pode resultar em um problema de ‘doença holandesa’”, alerta o economista Fernando Ferrari Filho, em entrevista concedida, por e-mail, à IHU On-Line. Em outras palavras, enfatiza, “há uma perspectiva de desindustrialização da economia brasileira”. Ao assinalar as implicações do pré-sal, ele também observa perspectivas positivas. “As reservas do pré-sal e as perspectivas de exploração delas colocarão o Brasil em uma situação privilegiada no cenário internacional, principalmente no que diz respeito à captação de recursos externos”.
Na entrevista que segue, o economista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, acentua que a sobrevalorização do real está relacionada a alguns fatores, em especial, a diferença entre as taxas de juros doméstica e externa, que sofrem influências estruturais e conjunturais. Ele explica: “Estrutural, porque está relacionada à condução das políticas monetária e cambial por parte do Banco Central; conjuntural, porque, em um contexto de instabilidade internacional, os agentes acabam buscando mercados relativamente tranquilos”. Embora a economia nacional opte por um regime flutuante de meta cambial, o economista lembra que ela “possui reservas cambiais robustas, o que reduz ou elimina, pelo menos no curto prazo, a vulnerabilidade externa do país”.
Fernando Ferrari Filho é graduado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, doutor em Economia pela Universidade de São Paulo - USP, e pós-doutor pela University of Tennessee System. Publicou, entre outros, Política comercial, taxa de câmbio e moeda internacional: uma análise a partir de Keynes (Porto Alegre: UFRGS, 2006). Escreveu para a edição número 37 dos Cadernos IHU Ideias, intitulado As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em sua opinião, quais são as causas da sobreapreciação cambial? Ela é estrutural e conjuntural?
Fernando Ferrari Filho - A sobrevalorização do real, ao longo de 2009, deve-se a inúmeros fatores, tais como a economia brasileira, apesar do fato dos analistas econômicos e as instituições nacionais e multilaterais estarem prevendo um crescimento negativo ou próximo de zero para o corrente ano, apresenta situações fiscal e, principalmente, externa sólidas; o sistema financeiro não opera com derivativos exóticos, é eficiente, está adequado às regras de Basiléia II etc.; e as taxas de juros domésticas, a despeito da Selic que as baliza, terem caído 5,0% entre janeiro e setembro, são atrativas. Em suma, os referidos fatores, em especial o último - diferencial entre as taxas de juros domésticas e externas -, contribuem para o ingresso de capitais, aumentando, assim, a oferta de divisas cambiais. A sobrevalorização é tanto estrutural quanto conjuntural: estrutural, porque está relacionada à condução das políticas monetária e cambial por parte do Banco Central; conjuntural, porque, em um contexto de instabilidade internacional, os agentes acabam buscando mercados relativamente tranquilos.
IHU On-Line - A sobreapreciação cambial demonstra que a economia brasileira, de algum modo, está vulnerável?
Fernando Ferrari Filho - A economia brasileira possui reservas cambiais robustas, o que reduz ou elimina, pelo menos no curto prazo, a vulnerabilidade externa do País. Todavia, cabe ressaltar que se os déficits em transações correntes perdurarem e/ou recrudescerem e se os influxos de capitais cessarem, poderemos ter, em um futuro (mais distante do que próximo), problemas de fechamento de balanço de pagamentos, fragilidade externa etc.
IHU On-Line - O senhor disse, numa entrevista que nos concedeu em novembro, que os efeitos sobre os níveis de emprego, massa salarial e inflação seriam observados em 2009 e 2010. Já consegue ver uma perspectiva nesse sentido? A sobreapreciação cambial contribui na observação mais clara desses efeitos?
Fernando Ferrari Filho - A inflação há muito tempo deixou de ser um problema para o país. Ademais, em um contexto de recessão, a inflação deverá ficar abaixo do alvo da meta, 4,5%. Por outro lado, o efeito transmissor do câmbio sobrevalorizado sobre os preços é observado, por exemplo, nos índices de inflação em que os preços de atacado têm um peso significativo. Nesse particular, tanto o IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado) quanto o IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna), acumulados em 12 meses, têm apresentado, mês após mês, deflação. Inflação menor, por sua vez, acaba elevando o salário real. Todavia, para ocorrer um crescimento da massa salarial, é necessário, também, que o nível de emprego se expanda. Nesse particular, infelizmente, a taxa média de desemprego em 2009 é superior a de 2008.
IHU On-Line - Essa valorização artificial do real pode desaquecer a economia brasileira? Quais são, nesse sentido, os principais entraves para o crescimento econômico nacional?
Fernando Ferrari Filho - A sobrevalorização cambial desaquece o setor exportador, principalmente aquele que depende do "subsídio" cambial. Ademais, ela é prejudicial ao setor de máquinas e equipamentos domésticos, visto que as importações do referido setor afetam a indústria nacional.
IHU On-Line - Quais são as limitações e as possibilidades para a economia brasileira ao optar por um regime flutuante de meta cambial? Como isso interfere no crescimento econômico?
Fernando Ferrari Filho - Os governos optaram, desde 1999, pelo tripé metas de inflação, câmbio flexível e metas fiscais. Foi uma opção! Eu, particularmente, entendo que o regime macroeconômico adequado para estabilizar a inflação e assegurar o crescimento econômico sustentável é política monetária contra-cíclica (isto é, taxa de juros para expandir a atividade econômica), câmbio administrado e equilíbrio fiscal, sem abandonar a perspectiva de se adotar política fiscal contra-cíclica em momentos de desaquecimento do PIB.
IHU On-Line - Alguns especialistas dizem que o pré-sal vai colocar o Brasil em um processo de inserção internacional. Qual é o significado do pré-sal para a economia? Em que medida o pré-sal é positivo ou negativo?
Fernando Ferrari Filho - Não há dúvida de que as reservas do pré-sal e as perspectivas de exploração delas colocarão o Brasil em uma situação privilegiada no cenário internacional, principalmente no que diz respeito à captação de recursos externos. Ingresso de recursos externos implica investimentos que, por sua vez, expandem a atividade econômica. Essa sequência, sem dúvida, é o aspecto positivo. O aspecto negativo é que, se não houver um controle dos recursos externos que entrarão, o câmbio seguirá uma tendência de sobrevalorização, o que pode resultar em um problema de "doença holandesa". Em outras palavras, há uma perspectiva de desindustrialização da economia brasileira.
IHU On-Line – Mas, com o pré-sal, o senhor vislumbra, a longo prazo, uma economia crescente, dinâmica e competitiva em vários setores? Ou, pelo contrário, a economia interna corre o risco de estagnação se o petróleo for exportado?
Fernando Ferrari Filho - Como sou um keynesiano, não me cabe outra coisa a dizer que o "futuro é incerto". Nesse sentido, conjecturar sobre dinâmica da economia brasileira, a partir da exploração do pré-sal que ocorrerá a médio prazo, é complexo. Eu diria, todavia, que o crescimento sustentável, com ou sem pré-sal, passa pela eliminação das restrições externas e pela reestruturação do mercado interno, com inclusão social consistente.
IHU On-Line - Quando descoberta, a Serra dos Carajás, no Pará, era anunciada como uma alternativa para combater os problemas sociais e econômicos do país. Com pré-sal, o discurso e a prática irão se repetir?
Fernando Ferrari Filho - O pré-sal não eliminará os problemas sociais do país. A redução ou eliminação deles passa pelo crescimento acelerado e sustentável, com inclusão social, e pela distribuição de renda.
IHU On-Line - A lógica do livre mercado desencadeou a crise financeira internacional e deixou as economias em pânico. As economias não aprenderam nada com isso, considerando que os capitais já estão retomando velhas práticas de acumulação financeira, como acontece no caso do Brasil com a valorização cambial?
Fernando Ferrari Filho - A crise financeira internacional não está sendo mais recrudescedora em termos de impactos recessivos porque foram implementadas políticas fiscal e monetária keynesianas. Não há a mínima dúvida! Todos, economistas e policymakers, tornaram-se "keynesianos". Os oportunistas, todavia, não veem a hora da "poeira baixar" para que o Estado volte a exercer um papel de passividade na atividade econômica, sancionando a lógica dos mercados.
Enquanto não houver uma reestruturação da ordem econômica internacional, e os governantes e as autoridades econômicas não entenderem que Estado e Mercado são duas instituições imprescindíveis e que interagem, as crises do capitalismo continuarão, em um mundo globalizado, causando seus estragos.
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