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04 setembro 2009

VIDA E OBRA DE EMÍLIO GOELDI

Entre nematoides, araras e mosquitos - Livro apresenta a vida e obra do naturalista suíço Emílio Goeldi, que fundou o museu que leva seu nome

Silvia Figueirôa
Universidade Estadual de Campinas/Ciência Hoje Online

A história das ciências no Brasil já avançou e mudou muito desde os trabalhos pioneiros iniciados nos anos 1970 no departamento de história da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo por Maria Amélia Dantes e Shozo Motoyama. Não apenas houve um crescimento quantitativo, mas as temáticas se diversificaram, resultando num autêntico “descobrimento científico” do Brasil.

O livro Emílio Goeldi: Aventura de um naturalista entre a Europa e o Brasil, de Nelson Sanjad, é um dos mais recentes produtos desse movimento, mirando com cuidado e em detalhes a obra e a vida do naturalista suíço Emil August Göldi – ou Emílio Goeldi, na forma aportuguesada – no Brasil.

A base são alguns capítulos da tese de doutorado do autor, defendida em 2005 no programa de pós-graduação da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, revistos, reorganizados e, sobretudo, ricamente ilustrados.

A propósito das ilustrações, saliente-se a escolha feliz da imagem de abertura, que sintetiza o personagem e o conteúdo da obra: o Ex-Libris de Emílio Goeldi mistura elementos suíços e amazônicos, a traduzir o hibridismo da atuação do cientista, formado na Suíça e reformador do Museu de História Natural de Belém que hoje leva seu nome.

Viagens complementares

O livro estrutura-se em dois grandes capítulos que conduzem o leitor por “viagens” complementares. De início, o “Itinerário de viagem” apresenta a vida de Goeldi desde o nascimento e formação inicial até seu doutoramento e vinda para o Brasil – inicialmente atuando no Museu Nacional (RJ). Ele cobre ainda sua problemática experiência como administrador de uma colônia de imigrantes suíços em Teresópolis, o convite para dinamizar o Museu Paraense, o que fez com grande competência e sucesso, e seu retorno, até certo ponto repentino e surpreendente, para a Suíça, onde desenvolveria o restante de sua carreira com destaque e reconhecimento acadêmico.

Sobre isso, é oportuno comentar que o livro de Sanjad é mais um trabalho a confirmar algo que a literatura de história das ciências no Brasil começou a identificar nos anos 1990, ou seja: certo padrão de comportamento de naturalistas estrangeiros (europeus ou norte-americanos) que se valeram de suas investigações da natureza brasileira, ainda desconhecida, para incrementar seu ‘capital científico’ e alcançar postos de maior prestígio.

Engana-se, no entanto, quem apressadamente julgue que Goeldi nada deu em troca. Além de um museu de pesquisa que se consolidaria ao longo dos anos subsequentes, ele desempenhou um papel crucial no contestado franco-brasileiro que envolveu a disputa por território na região do Amapá e Guiana Francesa, ao subsidiar com dados precisos a diplomacia brasileira, que acabou vitoriosa.

Ao trazer à tona este fato pouco conhecido, Sanjad contribui significativamente para elucidar, no plano micro, relações entre ciência e política, mostrando que plantas, animais e rochas – objetos de pesquisa da história natural – podem ter relevância para além de simples “curiosidades”.

Percurso intelectual

O segundo capítulo propõe-se a acompanhar o “percurso intelectual” de Goeldi: os primeiros temas de estudo, em que se destacam a taxonomia, a zoologia aplicada, especialmente à agricultura e saúde – áreas de grande relevância econômica e social na época.

Por exemplo, ele identificou e descreveu o ciclo completo de vida do nematoide que provocava a doença conhecida como “broca do café”, praga a infestar cafezais nos territórios fluminense e paulista, assim como insetos suspeitos de serem os vetores de diversas doenças, como a febre amarela.

Sanjad mostra que, desde a formação no doutoramento em Jena e Leipzig, Goeldi incorporou a visão evolucionista em biologia que marcaria para sempre seus trabalhos. É importante ressaltar que já no Museu Nacional o cientista pode seguir com trabalhos de cunho evolucionista, amparado num ambiente que, como bem mostrou Regina Gualtieri, abraçava e pesquisava seguindo a linha darwinista.

O caso específico de Goeldi é mais um reforço ao trabalho de vários pesquisadores (além de Gualtieri, Margaret Lopes, Magali Romero Sá, Heloísa Bertol Domingues, dentre outros) que têm demonstrado a atualidade e qualidade das pesquisas brasileiras em ciências naturais feitas à época, sintonizadas com o darwinismo, contrariando versões anacrônicas ainda persistentes na historiografia.

Por conta de seu darwinismo Goeldi foi, errônea e frequentemente, associado ao darwinismo social e a posições racistas no candente debate sobre a questão racial no Brasil. A cuidadosa pesquisa de Sanjad mostra como estas interpretações, sistematicamente repetidas, foram superficiais, quando não carentes de bases documentais.

Outro tema que mereceu atenção de Goeldi foi a meteorologia, mas por motivações distantes das atuais mudanças climáticas: tratava-se, como em outras instituições da época (Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, Instituto Agronômico de Campinas, por exemplo), de monitorar o clima para fins de melhoramentos na agricultura, o que ele fez na citada Colônia Alpina, na região serrana fluminense, e continuou em Belém. Nessa perspectiva, é um saber que se apresentava articulado ao conjunto de suas investigações aplicadas, e não uma idiossincrasia de naturalista.

O livro encerra-se com uma bibliografia detalhada, com obras de Goeldi e o restante das referências utilizadas por Sanjad, e traz uma oportuna versão em francês, certamente com vistas à sua divulgação na terra natal de Emílio Goeldi.

Emílio Goeldi: Aventura de um
naturalista entre a Europa e o Brasil
Nelson Sanjad
Rio de Janeiro, 2009, EMC Edições
232 páginas – R$ 60,00