ENTREVISTA COM MANOEL CUNHA, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DOS SERINGUEIROS
Por Redação da WWF-Brasil/Envolverde
Manoel Cunha é presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas da Amazônia, o antigo Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), formado por 27 lideranças de diferentes segmentos agroextrativistas de todos os estados da Amazônia.
Manoel Cunha tem participado de vários debates sobre mudanças climáticas no Brasil e no exterior. Está confirmada sua ida a Copenhague, onde espera-se que seja assinado o novo acordo global de clima em dezembro de 2009.
Com a simplicidade de quem mora na floresta, mas astúcia de quem participa ativamente de fóruns sobre o aquecimento global, Manoel Cunha dá sua visão sobre clima, emissões, fim do desmatamento e políticas brasileiras e internacionais sobre o tema.
Ele concedeu entrevista para as jornalistas do WWF-Brasil Ligia Barros e Mariana Ramos durante o seminário “O Papel das Áreas Protegidas na Redução das Emissões por Desmatamento” no último dia 8/10.
WWF-Brasil – Como o senhor entende as mudanças climáticas?
Manoel Cunha – Como entendo é uma pergunta meio difícil de responder. Há um desequilíbrio. É como se as mudanças climáticas fossem pedras. Tem um monte de pedras caindo sobre nossas cabeças, sem a gente saber quem está mandando, de onde vêm, porque elas estão caindo sobre nós, quem é o responsável e para quem podemos pedir socorro. Essa é a dor maior.
WWF-Brasil – Como o senhor vê o aquecimento global afetando as comunidades na Amazônia?
Manoel Cunha – O povo que vive na floresta é o mais fragilizado com essa questão das mudanças climáticas. Porque, como a gente vive no seio do meio ambiente, qualquer desequilíbrio nos afeta diretamente. É diferente quando se mora na cidade, se estiver muito quente, pode-se colocar um ar condicionado mais poderoso. Lá, não tem para onde correr. E há outras inúmeras ações oriundas das mudanças climáticas afetando diretamente as populações como grandes secas, grandes cheias, período da seca sendo prolongado por mais de um mês etc. A gente também percebe que aquelas espécies que afloravam em determinada época, já não conseguem aflorar mais porque o solo já não tem mais água suficiente para a planta vingar.
Então, há problemas econômicos para os extrativistas porque muitas dessas espécies são castanha-do-brasil e andiroba, que têm alto valor. Outras não afetam o bolso, mas são úteis para a vida dos animais, pois sem aquela fruta, os animais vêm comer a planta do extrativista. Aí a pessoa quer matar o animal, então vai gerando todo um desequilíbrio.
Além disso, não temos mais a friagem. A friagem, para nós que vivemos sem calendário, sem nada no meio da floresta, é algo culturalmente muito importante. Eram o marco da passagem do inverno para o verão. E, nessa época, fazíamos as plantações na praias das margens dos rios, que quando são descobertas são terras muito férteis. Minha mãe fica sempre esperando a friagem. Mas como não chega, ela perde a época de plantar. Como minha mãe, muitas pessoas não plantam esperando a friagem. Então, como são alimentos para o consumo ali na comunidade, muitas vezes não temos melancia ou batata-doce para o café da manhã. E é isso que comemos pela manhã porque não temos pão, não temos muita coisa. Nossas refeições são baseadas no que a biodiversidade, a natureza, nos oferecem, que é a batata-doce, o cará, a pupunha, entre outras.
WWF-Brasil – O senhor tem participado de muitos debates sobre o tema. Esteve até nos Estados Unidos no segundo semestre de 2009 para falar sobre isso. Como o senhor vê o seu papel nessas discussões?
Manoel Cunha – Estou muito contente por estar participando desses debates. Volto para as comunidades dizendo: “povo, isso aqui está caindo porque os caboclos lá desenvolvidos poluíram muito, mas que esse roçadinho que a gente queima aqui para fazer a lavoura comunitária também contribui para as mudanças climáticas. É preciso tomar cuidado para não queimar além do necessário, para não pegar fogo na floresta”. Agora estamos começando a descobrir as causas, os culpados e o quê que a gente pode fazer para proteger a floresta.
WWF-Brasil – O que o senhor acha que as comunidades podem fazer para ajudar a deter o aquecimento global?
Manoel Cunha – Se olharmos as emissões causadoras das mudanças climáticas, a parte de cabe a nós, que são as emissões e degradação da floresta e mau uso do solo, acho que nós temos um papel fundamental. Sei que 20% das emissões do mundo têm essa causa. E isso tem tudo a ver com as comunidades e com a política.
WWF-Brasil – Por que com a política?
Manoel Cunha – Porque se as políticas para valorização da floresta não melhorarem, se não encontrarmos uma maneira de melhorar a vida das pessoas que vivem lá, o desmatamento vai continuar. As pessoas guardam e cuidam do que tem importância para sua vida. Se não houver valor na floresta, os próprios extrativistas vão sair de suas áreas atrás de outras alternativas de vida e aí esses locais serão alvo fácil para grilagem, avanço da soja e da pecuária. Não terá jeito de controlar o desmatamento.
Nós somos os verdadeiros guardiões da floresta. Todo o desmatamento da Amazônia passou por cima de alguma população tradicional, de algum seringueiro, de algum castanheiro, de algum pescador artesanal. E ele só deixou passar porque ou a força foi menor ou porque não está contente com a vida que leva na floresta.
Além disso, temos que mudar hábitos e costumes. Por exemplo, tem família que tem o hábito de botar fogo em tudo que vê seco. Isso é um hábito: “passei aqui, tinha uma grande caída seca e eu botei fogo”. Estamos trabalhando seriamente para mudar isso. Acho que as comunidades têm como contribuir com coisas pequenas, mas que têm muito valor quando junta ao montante final de emissões.
Mas, acho que a maior contribuição das famílias que vivem na Amazônia é a soma de esforços para encontrar uma forma de valorizar a floresta. Assim, as comunidades vão voltar a fazer os “empates”, como nós tínhamos nos anos 1980, quando nos sentíamos felizes com o preço da borracha. Vamos voltar a cuidar da floresta, disso eu não tenho dúvida.
WWF-Brasil – Então há motivos para o senhor participar cada vez mais desses tipos de discussão sobre a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal (REDD). Como o senhor vê o REDD e as comunidades?
Manoel Cunha – Chamo as políticas existentes em nosso país de políticas de incentivo ao desmatamento. Porque houve uma época que tinha um recurso no governo que pagava até 700 mil para quem destruísse a floresta e usasse a área para outra atividade. Mas nunca vi uma proposta ou um programa consolidado para quem vive conservando floresta.
Nessa discussão sobre REDD, estamos vendo essa oportunidade. Pela primeira vez, a gente tem um mecanismo pelo qual poderá haver recompensa para quem resistiu ao desmatamento, ao uso desordenado dos recursos naturais e conservou a biodiversidade.
Isso para nós é importante. Mesmo que isso esteja consolidado apenas tecnicamente, e ainda não politicamente, é um mecanismo que se pode medir e mostrar. Isso me deixa muito contente. Vemos dentro do REDD uma das formas de encontrar o valor da floresta, para que as famílias possam viver bem nela e dela. E, assim, fazer novamente a barreira ao uso desordenado dos recursos.
Quando me fazem essa pergunta, sempre conto uma história: na minha reserva, no Médio Juruá, vendemos óleo de andiroba para a empresa de cosméticos Natura, a R$ 23 cada quilo. Isso é muito dinheiro para nós. O quilo do peixe, por exemplo, custa R$ 1,20. O de borracha, R$ 1,50 e o de farinha, R$ 0,90.
Então, imagine como a comunidade cuida da andirobeira: é como se fosse um filho. Se alguém vê um corte na árvore, as comunidades querem saber quem fez aquilo e levam o assunto até o líder comunitário para que ele chame a atenção de quem fez o corte. Eles temem que aquele corte possa atrapalhar o desenvolvimento da planta. E ela é uma boa fonte re renda. É esse valor que a andiroba tem no Médio Juruá que queremos que a floresta tenha como um todo. Porque assim as pessoas cuidam. Não só naquela região, mas na Amazônia, no Cerrado e em todos os outros biomas.
Talvez esse REDD possa ser uma porta para isso. Mas não é tudo. Vejo como alguns degraus de uma escada, que pode levar a uma realidade onde haja valor para a floresta. Aí sim vamos ter uma verdadeira diminuição no desmatamento.
Crédito da imagem: Ana Cintia GAZZELLI/WWF-Brasil
(Envolverde/WWF-Brasil)
Manoel Cunha é presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas da Amazônia, o antigo Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), formado por 27 lideranças de diferentes segmentos agroextrativistas de todos os estados da Amazônia.
Manoel Cunha tem participado de vários debates sobre mudanças climáticas no Brasil e no exterior. Está confirmada sua ida a Copenhague, onde espera-se que seja assinado o novo acordo global de clima em dezembro de 2009.
Com a simplicidade de quem mora na floresta, mas astúcia de quem participa ativamente de fóruns sobre o aquecimento global, Manoel Cunha dá sua visão sobre clima, emissões, fim do desmatamento e políticas brasileiras e internacionais sobre o tema.
Ele concedeu entrevista para as jornalistas do WWF-Brasil Ligia Barros e Mariana Ramos durante o seminário “O Papel das Áreas Protegidas na Redução das Emissões por Desmatamento” no último dia 8/10.
WWF-Brasil – Como o senhor entende as mudanças climáticas?
Manoel Cunha – Como entendo é uma pergunta meio difícil de responder. Há um desequilíbrio. É como se as mudanças climáticas fossem pedras. Tem um monte de pedras caindo sobre nossas cabeças, sem a gente saber quem está mandando, de onde vêm, porque elas estão caindo sobre nós, quem é o responsável e para quem podemos pedir socorro. Essa é a dor maior.
WWF-Brasil – Como o senhor vê o aquecimento global afetando as comunidades na Amazônia?
Manoel Cunha – O povo que vive na floresta é o mais fragilizado com essa questão das mudanças climáticas. Porque, como a gente vive no seio do meio ambiente, qualquer desequilíbrio nos afeta diretamente. É diferente quando se mora na cidade, se estiver muito quente, pode-se colocar um ar condicionado mais poderoso. Lá, não tem para onde correr. E há outras inúmeras ações oriundas das mudanças climáticas afetando diretamente as populações como grandes secas, grandes cheias, período da seca sendo prolongado por mais de um mês etc. A gente também percebe que aquelas espécies que afloravam em determinada época, já não conseguem aflorar mais porque o solo já não tem mais água suficiente para a planta vingar.
Então, há problemas econômicos para os extrativistas porque muitas dessas espécies são castanha-do-brasil e andiroba, que têm alto valor. Outras não afetam o bolso, mas são úteis para a vida dos animais, pois sem aquela fruta, os animais vêm comer a planta do extrativista. Aí a pessoa quer matar o animal, então vai gerando todo um desequilíbrio.
Além disso, não temos mais a friagem. A friagem, para nós que vivemos sem calendário, sem nada no meio da floresta, é algo culturalmente muito importante. Eram o marco da passagem do inverno para o verão. E, nessa época, fazíamos as plantações na praias das margens dos rios, que quando são descobertas são terras muito férteis. Minha mãe fica sempre esperando a friagem. Mas como não chega, ela perde a época de plantar. Como minha mãe, muitas pessoas não plantam esperando a friagem. Então, como são alimentos para o consumo ali na comunidade, muitas vezes não temos melancia ou batata-doce para o café da manhã. E é isso que comemos pela manhã porque não temos pão, não temos muita coisa. Nossas refeições são baseadas no que a biodiversidade, a natureza, nos oferecem, que é a batata-doce, o cará, a pupunha, entre outras.
WWF-Brasil – O senhor tem participado de muitos debates sobre o tema. Esteve até nos Estados Unidos no segundo semestre de 2009 para falar sobre isso. Como o senhor vê o seu papel nessas discussões?
Manoel Cunha – Estou muito contente por estar participando desses debates. Volto para as comunidades dizendo: “povo, isso aqui está caindo porque os caboclos lá desenvolvidos poluíram muito, mas que esse roçadinho que a gente queima aqui para fazer a lavoura comunitária também contribui para as mudanças climáticas. É preciso tomar cuidado para não queimar além do necessário, para não pegar fogo na floresta”. Agora estamos começando a descobrir as causas, os culpados e o quê que a gente pode fazer para proteger a floresta.
WWF-Brasil – O que o senhor acha que as comunidades podem fazer para ajudar a deter o aquecimento global?
Manoel Cunha – Se olharmos as emissões causadoras das mudanças climáticas, a parte de cabe a nós, que são as emissões e degradação da floresta e mau uso do solo, acho que nós temos um papel fundamental. Sei que 20% das emissões do mundo têm essa causa. E isso tem tudo a ver com as comunidades e com a política.
WWF-Brasil – Por que com a política?
Manoel Cunha – Porque se as políticas para valorização da floresta não melhorarem, se não encontrarmos uma maneira de melhorar a vida das pessoas que vivem lá, o desmatamento vai continuar. As pessoas guardam e cuidam do que tem importância para sua vida. Se não houver valor na floresta, os próprios extrativistas vão sair de suas áreas atrás de outras alternativas de vida e aí esses locais serão alvo fácil para grilagem, avanço da soja e da pecuária. Não terá jeito de controlar o desmatamento.
Nós somos os verdadeiros guardiões da floresta. Todo o desmatamento da Amazônia passou por cima de alguma população tradicional, de algum seringueiro, de algum castanheiro, de algum pescador artesanal. E ele só deixou passar porque ou a força foi menor ou porque não está contente com a vida que leva na floresta.
Além disso, temos que mudar hábitos e costumes. Por exemplo, tem família que tem o hábito de botar fogo em tudo que vê seco. Isso é um hábito: “passei aqui, tinha uma grande caída seca e eu botei fogo”. Estamos trabalhando seriamente para mudar isso. Acho que as comunidades têm como contribuir com coisas pequenas, mas que têm muito valor quando junta ao montante final de emissões.
Mas, acho que a maior contribuição das famílias que vivem na Amazônia é a soma de esforços para encontrar uma forma de valorizar a floresta. Assim, as comunidades vão voltar a fazer os “empates”, como nós tínhamos nos anos 1980, quando nos sentíamos felizes com o preço da borracha. Vamos voltar a cuidar da floresta, disso eu não tenho dúvida.
WWF-Brasil – Então há motivos para o senhor participar cada vez mais desses tipos de discussão sobre a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal (REDD). Como o senhor vê o REDD e as comunidades?
Manoel Cunha – Chamo as políticas existentes em nosso país de políticas de incentivo ao desmatamento. Porque houve uma época que tinha um recurso no governo que pagava até 700 mil para quem destruísse a floresta e usasse a área para outra atividade. Mas nunca vi uma proposta ou um programa consolidado para quem vive conservando floresta.
Nessa discussão sobre REDD, estamos vendo essa oportunidade. Pela primeira vez, a gente tem um mecanismo pelo qual poderá haver recompensa para quem resistiu ao desmatamento, ao uso desordenado dos recursos naturais e conservou a biodiversidade.
Isso para nós é importante. Mesmo que isso esteja consolidado apenas tecnicamente, e ainda não politicamente, é um mecanismo que se pode medir e mostrar. Isso me deixa muito contente. Vemos dentro do REDD uma das formas de encontrar o valor da floresta, para que as famílias possam viver bem nela e dela. E, assim, fazer novamente a barreira ao uso desordenado dos recursos.
Quando me fazem essa pergunta, sempre conto uma história: na minha reserva, no Médio Juruá, vendemos óleo de andiroba para a empresa de cosméticos Natura, a R$ 23 cada quilo. Isso é muito dinheiro para nós. O quilo do peixe, por exemplo, custa R$ 1,20. O de borracha, R$ 1,50 e o de farinha, R$ 0,90.
Então, imagine como a comunidade cuida da andirobeira: é como se fosse um filho. Se alguém vê um corte na árvore, as comunidades querem saber quem fez aquilo e levam o assunto até o líder comunitário para que ele chame a atenção de quem fez o corte. Eles temem que aquele corte possa atrapalhar o desenvolvimento da planta. E ela é uma boa fonte re renda. É esse valor que a andiroba tem no Médio Juruá que queremos que a floresta tenha como um todo. Porque assim as pessoas cuidam. Não só naquela região, mas na Amazônia, no Cerrado e em todos os outros biomas.
Talvez esse REDD possa ser uma porta para isso. Mas não é tudo. Vejo como alguns degraus de uma escada, que pode levar a uma realidade onde haja valor para a floresta. Aí sim vamos ter uma verdadeira diminuição no desmatamento.
Crédito da imagem: Ana Cintia GAZZELLI/WWF-Brasil
(Envolverde/WWF-Brasil)
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home