A SAGA DOS BANDEIRANTES: GUERRA AOS INDÍOS TAPUIAS
Na Bahia, a conquista dos sertões esbarrou na forte resistência indígena.
Erivaldo Fagundes Neves
Revista de História da Biblioteca Nacional
Mais de um século depois do início da colonização, a presença portuguesa na Bahia continuava restrita a uma faixa ao longo do litoral, com alguns avanços de no máximo 60 quilômetros para o interior. A secura das caatingas dificultava a ocupação dos sertões e forçava as expedições que por elas se aventurassem a margear os rios. Isso quando a resistência dos povos indígenas, identificados como tapuias, não impedia a marcha.
Com o tempo, além de atrapalhar os avanços pelo interior, os índios passaram a atacar povoações e fazendas no Recôncavo e no litoral sul. Na segunda metade do século XVII, os colonizadores lançaram-se em expedições de guerra contra os tapuias. As ofensivas desdobraram-se em várias frentes: do Orobó (1657-1659), de Aporá (1669-1673) e do São Francisco (1674-1679).
Diante da forte resistência indígena, Francisco Barreto de Menezes, governador-geral do Brasil (1657-1663), recorreu aos paulistas, que afinal já eram experientes no combate aos índios. Contratados em uma expedição sob comando do capitão-mor Domingos Barbosa Calheiros, eles também fracassaram. Menezes determinou, então, uma ofensiva geral contra os indígenas: que se queimassem suas aldeias, degolassem os homens e escravizassem as mulheres e as crianças.
Os bandeirantes contratados para combater os índios palmilharam as margens do Paraguaçu e Jequiriçá, nas quais estabeleceram engenhos e fazendas, em sesmarias que lhes foram doadas como pagamento pelas matanças. O sertanista João Maciel Parente, por exemplo, recebeu uma sesmaria com seis léguas de extensão e a posse da vila de João Amaro, no atual município de Iaçu. Outros buscavam apenas encontrar minérios. Fixavam-se temporariamente, plantando roças para abastecer a tropa, e seguiam pelos “matos” (caatingas) sem deixar pistas.
As descobertas de ouro nos sertões da Bahia, no início do século XVIII, aceleraram o seu povoamento. O último bandeirante baiano, Joaquim Quaresma Delgado, percorreu, entre 1731 e 1734, caminhos que ligavam fazendas e minas nos sertões de Inhambupe, Itapicuru, de Contas, Pardo, Jequitinhonha, do São Francisco — desde as nascentes do Verde Grande à foz do Paramirim — e do Paraguaçu, em quase toda a sua extensão.
Curioso é que, nos compêndios iniciais de História do Brasil, as “bandeiras” sejam definidas como empreendimentos de bravos aventureiros paulistas. E as “entradas”, como expedições que partiam da Bahia ou de outras capitanias. A diferença é que, a estas, não se atribui a mesma bravura. Talvez porque a contratação de paulistas como matadores de índios na Bahia tenha sido fartamente exaltada por cronistas da época e dos séculos seguintes.
Erivaldo Fagundes Neves é professor da Universidade Estadual de Feira de Santana e autor do livro Estrutura fundiária e dinâmica mercantil: Alto sertão da Bahia, séculos XVIII e XIX (Salvador: EdUFBA, 2005).
Saiba mais - Bibliografia:
BARROS, Francisco Borges de. Bandeirantes e sertanistas baianos. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1919.
NEVES & MIGUEL (org.). Caminhos do sertão: ocupação territorial, sistema viário e intercâmbios coloniais dos sertões da Bahia. Salvador: Arcádia, 2007.
PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão do Nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: HUCITEC, EDUSP, FAPESP, 2002.
VIANNA, Urbino. Bandeiras e sertanistas baianos. São Paulo: Nacional, 1935.
* Artigo originalmente publicado na edição 34 da Revista de História da Biblioteca Nacional
Erivaldo Fagundes Neves
Revista de História da Biblioteca Nacional
Mais de um século depois do início da colonização, a presença portuguesa na Bahia continuava restrita a uma faixa ao longo do litoral, com alguns avanços de no máximo 60 quilômetros para o interior. A secura das caatingas dificultava a ocupação dos sertões e forçava as expedições que por elas se aventurassem a margear os rios. Isso quando a resistência dos povos indígenas, identificados como tapuias, não impedia a marcha.
Com o tempo, além de atrapalhar os avanços pelo interior, os índios passaram a atacar povoações e fazendas no Recôncavo e no litoral sul. Na segunda metade do século XVII, os colonizadores lançaram-se em expedições de guerra contra os tapuias. As ofensivas desdobraram-se em várias frentes: do Orobó (1657-1659), de Aporá (1669-1673) e do São Francisco (1674-1679).
Diante da forte resistência indígena, Francisco Barreto de Menezes, governador-geral do Brasil (1657-1663), recorreu aos paulistas, que afinal já eram experientes no combate aos índios. Contratados em uma expedição sob comando do capitão-mor Domingos Barbosa Calheiros, eles também fracassaram. Menezes determinou, então, uma ofensiva geral contra os indígenas: que se queimassem suas aldeias, degolassem os homens e escravizassem as mulheres e as crianças.
Os bandeirantes contratados para combater os índios palmilharam as margens do Paraguaçu e Jequiriçá, nas quais estabeleceram engenhos e fazendas, em sesmarias que lhes foram doadas como pagamento pelas matanças. O sertanista João Maciel Parente, por exemplo, recebeu uma sesmaria com seis léguas de extensão e a posse da vila de João Amaro, no atual município de Iaçu. Outros buscavam apenas encontrar minérios. Fixavam-se temporariamente, plantando roças para abastecer a tropa, e seguiam pelos “matos” (caatingas) sem deixar pistas.
As descobertas de ouro nos sertões da Bahia, no início do século XVIII, aceleraram o seu povoamento. O último bandeirante baiano, Joaquim Quaresma Delgado, percorreu, entre 1731 e 1734, caminhos que ligavam fazendas e minas nos sertões de Inhambupe, Itapicuru, de Contas, Pardo, Jequitinhonha, do São Francisco — desde as nascentes do Verde Grande à foz do Paramirim — e do Paraguaçu, em quase toda a sua extensão.
Curioso é que, nos compêndios iniciais de História do Brasil, as “bandeiras” sejam definidas como empreendimentos de bravos aventureiros paulistas. E as “entradas”, como expedições que partiam da Bahia ou de outras capitanias. A diferença é que, a estas, não se atribui a mesma bravura. Talvez porque a contratação de paulistas como matadores de índios na Bahia tenha sido fartamente exaltada por cronistas da época e dos séculos seguintes.
Erivaldo Fagundes Neves é professor da Universidade Estadual de Feira de Santana e autor do livro Estrutura fundiária e dinâmica mercantil: Alto sertão da Bahia, séculos XVIII e XIX (Salvador: EdUFBA, 2005).
Saiba mais - Bibliografia:
BARROS, Francisco Borges de. Bandeirantes e sertanistas baianos. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1919.
NEVES & MIGUEL (org.). Caminhos do sertão: ocupação territorial, sistema viário e intercâmbios coloniais dos sertões da Bahia. Salvador: Arcádia, 2007.
PUNTONI, Pedro. A guerra dos bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão do Nordeste do Brasil, 1650-1720. São Paulo: HUCITEC, EDUSP, FAPESP, 2002.
VIANNA, Urbino. Bandeiras e sertanistas baianos. São Paulo: Nacional, 1935.
* Artigo originalmente publicado na edição 34 da Revista de História da Biblioteca Nacional
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