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04 outubro 2006

LEONARDO BOFF: "TIRAR LULA É TIRAR NOSSO PODER...ANULAR NOSSA VITÓRIA, É ABORTAR NOSSA ESPERANÇA"

O que está em jogo na reeleição presidencial

Lula dá corpo a um projeto de mudança. Apesar dos constrangimentos encontrados num ambiente hegemonicamente neoliberal, tentou, com relativo sucesso, fazer a transição de um estado elitista e privatista para um estado republicano e social

Agência Carta Maior, 03/09/2006, Copyleft

Quem derrotou Lula não foi Geraldo Alckmin mas o próprio partido do Presidente, o PT. O destemor insano de altos dirigentes petistas pôs a perder uma vitória garantida de Lula já no primeiro turno. O que pesou mesmo não foi tanto o escândalo do dossiê contra o candidato Serra, pois dossiês sempre existiram, fabricados por políticos afeitos à intimidação e ao manejo da mentira como arma política. A ausência de Lula no debate final contou negativamente mas não foi o decisivo.

O que destroçou o PT e atravancou o caminho da vitória foi a mostragem por todos os meios de comunicação da montanha de dinheiro para a compra do dossiê. Mais de 30% da população trabalhadora não ganha mais que um salário mínimo. Quando vê toda essa dinheirama se enche de auto-vergonha e pensa: meu trabalho não vale nada mesmo; nem que vivesse duas vidas acumularia tanto dinheiro quanto aquele mostrado aí. E esses corruptos tiraram de onde esse dinheiro? A indignação não tem tamanho. Políticos que usam esses expedientes mereceriam a excomunhão política e religiosa, tão grande é seu pecado contra o povo, sua dignidade e a economia popular.

Pode ocorrer um impasse jurídico, policial e institucional nas investigações do dossiê, especialmente se seu conteúdo for revelado, coisa que ainda não se fez e que pode eventualmente incriminar a gestão do PSDB quando começou a corrupção das ambulâncias. Mesmo assim o segundo turno traz também lá a suas vantagens: finalmente se criará a oportunidade de confrontar dois projetos de Brasil.

Geraldo Alckmin representa o velho projeto das classes dominantes. Não sem razão os banqueiros e os grandes industriais o apoiaram, pois sentem afinidade de classe e comunhão de propósitos: garantir políticas ricas para os ricos e pobres para os pobres. Notoriamente não possui carisma e não apresenta nada de realmente inovador, capaz de suscitar uma nova esperança. A retórica que usa é despistadora. Mas cabe à análise pôr à luz os interesses de classe ocultos. A macroeconomia que enfeudou a política, seguirá seu curso neoliberal deixando fatalmente anêmica a política social. Sua vitória representará o retorno daqueles que sempre construíram um Brasil para si, sem o povo ou contra o povo.

Lula dá corpo a um projeto de mudança. Apesar dos constrangimentos encontrados num ambiente hegemonicamente neoliberal, tentou, com relativo sucesso, fazer a transição de um estado elitista e privatista para um estado republicano e social. Agora ele se vê obrigado a definir claramente seu projeto: dar a centralidade ao povo destituído, garantir seus meios de vida e sua inclusão cidadã. Para isso ele precisa se reaproximar de sua base real de sustentação: os movimentos sociais organizados e a imensidão dos excluidos. Esses poderão inviabilizar qualquer ameaça de impeachment. Tirar Lula é tirar nosso poder, dirão, é anular nossa vitória, é abortar nossa esperança.

Para se diferenciar claramente de Alckmin, Lula deverá mexer em pontos importantes da macroeconomia para que ela seja de fato o sustentáculo de uma política social maciça. Deverá ter a coragem de colocar um gesto fundador de um novo Brasil: retomar o projeto de Plínio Arruda Sampaio, um dos que melhor entende de reforma agrária, e realizá-lo integralmente a fim de fixar o camponês no campo e desinchar as cidades favelizadas. Aí sim se consolidará seu governo, inaugurando a transformação social possível para o Brasil.

(*) Leonardo Boff é teólogo e escritor