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30 setembro 2006

RONDÔNIA - CENAS DE POLÍTICA EXPLÍCITA

Lógica de favores, conexões globais, necessidade de forçar o cumprimento das leis e o ciclo vicioso da ocupação da amazônia que resulta no domínio privado do poder público

Parte 2


Dr. Carlos Walter Porto-Gonçalves (*)

A Amazônia, por ser a região que tem a maior proporção de terras públicas disponíveis é, por isso mesmo, a região onde o conflito é mais intenso. Mas esse não é um problema específico da Amazônia, pois são enormes as extensões de terras públicas sob domínio privado em todos os estados brasileiros, como não se cansa de chamar a atenção o Dr. Ariovaldo Umbelino de Oliveira, geógrafo e professor da USP. A diferença amazônica é que, até recentemente, as terras estavam ocupadas por populações originárias, camponeses e quilombolas que, por serem filhos de ninguém e não filhos de alguém (fidalgos), nunca tiveram suas terras consagradas pelo poder público e, agora, isto é, desde a década de 1960, vem sendo alvo de ocupação por parte de grandes investimentos por parte dos pecuaristas, dos madeireiros, dos agro-negociantes e de outros grandes grupos empresariais da área de minérios, de turismo e dos eco-negociantes. Enfim, ali na Amazônia, a estrutura de poder ainda não está consolidada como nas outras unidades da federação. Ali, na Amazônia, as estruturas de poder ainda estão em construção, mas contém todas as características com que se formou no resto do país e que, ainda hoje, está subjacente às nossas estruturas de poder. Ou, então, como se explica que se estruture de dentro da cadeia um dos mais sofisticados complexos de poder do país, como é o caso do PCC em São Paulo? É o que demonstra a fina análise do sociólogo José Cláudio de Souza Alves em sua tese de doutorado defendida na USP intitulada Dos Barões ao Extermínio[4] que nos dá conta de como na Baixada Fluminense e no estado do Rio de Janeiro foram tecidas as relações sociais e de poder que se reproduzem por meio da violência e sua fonte estrutural a impunidade.


A impunidade, vê-se, não é algo acessório que possa ser eliminada mantendo-se intacta as relações sociais e de poder que se estruturaram com base no poder privado. Eis o dilema em que se encontram tantos que, de boa fé, bradam pelo fim da impunidade. A impunidade não é um fim. É um começo e, por isso, são inócuas as campanhas para acabar com ela sem que enfrentemos as estruturas que por meio dela se conformam. Na Amazônia é como se estivéssemos diante de “cenas de política explícita” para parodiar os filmes pornôs que nos parece a melhor metáfora para entender as relações sociais e de poder entre nós, brasileiros. Mas só tem sentido essa metáfora de “cenas de política explícita” se considerarmos que ela complementa o seu par necessário, qual seja, de que nas demais unidades da federação não-amazônicas temos cenas de política implícitas, isto é, já subjetivadas, incorporadas, naturalizadas.

Se tiver algo de positivo no recente episódio da prisão de autoridades ligadas aos três poderes no estado de Rondônia, isto se deve ao fato de iluminar os limites que, entre nós, temos para por fim à impunidade. Assim, mais do que dizer que a questão social é um caso de polícia, é preciso dizer que no Brasil a política, cada vez mais, se torna um caso de polícia. Talvez por isso, o Ministério da Justiça, o mais republicano dos ministérios do atual governo, em si mesmo um governo pouco republicano como os escândalos do mensalão e o triste fim da CPI do Banestado nos mostram, sob a responsabilidade do Dr. Marcio Tomás Bastos, se destaque tanto através do desempenho da Polícia Federal. A Polícia Federal talvez hoje a instituição brasileira de maior prestígio. Não poderia ser pior o retrato de nossa não-república.

Enfim, parodiando o poeta não só o Haiti é aqui, Rondônia também é aqui se é que queremos não nos esconder de nós mesmos.


(*) Doutor em Geografia e Professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense, Membro do Grupo Hegemonia e Emancipações de Clacso. Ex-Presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000). Membro do Grupo de Assessores do Mestrado em Educação Ambiental da Universidade Autônoma da Cidade do México. Ganhador do Prêmio Chico Mendes em Ciência e Tecnologia em 2004 é autor de diversos artigos e livros publicados em revistas científicas nacionais e internacionais, em que se destacam: - “Geo-grafías: movimientos sociales, nuevas territorialidades y sustentablidad”, ed. Siglo XXI, México, 2001; “Amazônia, Amazônias”, ed. Contexto, São Paulo, 2001; “Geografando – nos varadouros do mundo”, edições Ibama, Brasília, 2004; “O desafio ambiental”, Ed. Record, Rio de Janeiro, 2004; “A globalização da natureza e a natureza da globalização”, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2006.



[4] Publicada em livro pelo SEPE-RJ - Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro. É uma pena que uma editora com boa distribuição nacional não tenha se interessado em publicar essa tese-livro.