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26 setembro 2007

UNIVERSIDADE DA FLORESTA

Alceu Ranzi, um dos mais renomados cientistas acreanos já havia alertado, em 2004, que a Universidade da Floresta poderia tomar o rumo que está tomando hoje. Vale a pena ler seu texto e ver que suas observações são atualíssimas. Ele sabia o que estava falando.

Universidade da Floresta *

Alceu Ranzi **
alceuranzi@hotmail.com

Entre outros eventos de 2003 que poderão assumir seu lugar na história do Acre merece destaque o início da discussão, em Cruzeiro do Sul, do projeto da Universidade da Floresta. Seria uma universidade diferente, com uma proposta inovadora, levando em conta que "os moradores locais não sejam apenas objeto de estudo ou habitantes das áreas de estudo e sim agentes multiplicadores de reflexão e planejamento local, participando diretamente tanto das atividades de pesquisa e manejo como da aplicação das políticas ecológico-econômicas em escala regional".

Uma das críticas mais comuns que se faz aos estudos acadêmicos é que os cientistas escolhem uma área, fazem suas pesquisas e vão embora. Nada retorna para os moradores da área estudada. São usados como objeto de estudos. Muitas vezes as teses e dissertações são publicadas no exterior e nem mesmo são traduzidas para o idioma local. Pode acontecer de o único beneficiado ser o cientista que obtém o seu título de mestre ou doutor. A maioria dos professores da universidade pensa e age mantendo grande distância da realidade da floresta.

O modelo atual de universidade exige que o professor seja Ph. D. (Philosophiae Doctor), Doutor ou Mestre, títulos que se adquire na cidade. Tudo muito difícil de entender para o morador dos Altos Rios.

Se quem conhece a floresta são os moradores que nela vivem, então os verdadeiros doutores em floresta são os velhos índios, seringueiros, curandeiros, rezadores, tuxáuas e pajés. Para ser uma verdadeira "Universidade da Floresta" os doutores da "mata", lá dos "centros", ou dos "altos rios" devem participar como professores, palestrantes e conferencistas. E mais importante, os doutores de "pé rachado" devem ser remunerados em igualdade de condições com os Peagadês formados nas universidades da cidade.

Um dos desafios da Universidade da Floresta, para o benefício de todos, será a interação entre o conhecimento da cidade e o conhecimento da floresta. Os doutores da floresta e os doutores da cidade podem e devem ser tratados em nível de igualdade tanto intelectual como financeira.

Agora cabe a seguinte pergunta, a Universidade Federal do Acre poderá superar os obstáculos burocráticos, especialmente atualizar seu Estatuto e Regimento, para atuar como uma Universidade da Floresta? Temendo que a resposta seja não, creio que o melhor caminho será o de desvincular a nova Universidade da Floresta do conhecido e antigo sistema de universidade brasileira.

Persistir na busca de um novo paradigma em que "floresta" não venha a ser apenas um departamento ou uma "grife" da UFAC em Cruzeiro do Sul. Expresso claramente meu apoio pela Universidade da Floresta como nova entidade, desvinculada da UFAC, sem esquecer a manutenção e melhoria das condições do Campus da UFAC no Juruá.

* Artigo publicado originalmente no Jornal "O Estado do Acre" em 28 de Janeiro de 2004
** Ex-Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Acre.

Crédito das imagens: Site 'Santo Daime, a Doutrina da Floresta'