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02 novembro 2007

RACISMO DISCRETO NO 'THE NEW YORK TIMES'

Muitos provavelmente verão na capa desta reportagem publicada no The New York Times (clique na imagem ao lado para ampliar) apenas mais uma matéria comum, sobre gente comum dos Estados Unidos.

Ela trata da crescente tendência de venda "a retalho" de cigarro naquele país. Isto ocorre porque o preço de um maço de cigarros pode custar por lá U$ 4.50 (cerca de R$ 8,50), ou mais, no caso de marcas mais sofisticadas.

O assunto, que teoricamente deveria ser inserido entre as matérias da seção 'Geral', é colocada na seção 'Saúde'. Um equívoco dos Editores do jornal, pensariam alguns.

Eu vejo tudo diferente. Vivi em New York por cerca de seis anos. Sai do Acre inocente, incapaz de ver certas coisas que a gente só consegue enxergar depois de experimentar na pele. Racismo disfarçado é uma delas.

Viver lá me fez um mal tremendo quando o assunto se refere a raças. Embora no Brasil eu seja considerado 'pardo', meio branco, meio negro, lá sou apenas latino pois nasci no Brasil, que fica na América Latina. Por isso fiquei extremamente observador, vendo, talvez, além do que deveria.

Assim, ao ler a reportagem do NYT, o melhor jornal que já tive a oportunidade de ler até hoje, vejo racismo na matéria citada do começo ao fim. No texto e na foto.

É difícil para quem não vive/viveu nos EUA entender tudo isso, mas deixo algumas perguntas aos leitores que ainda não entenderam a razão de ser deste meu post:

1. A matéria trata da prática de venda "a retalho" de cigarros, coisa que é praticada por todos os pobres americanos, sem distinção de cor e raça (negros, latinos, orientais, brancos, eslavos). Entretanto, o repórter, que é branco, resolveu fazer a matéria abordando apenas os negros. Porque?

2. A foto que ilustra a matéria mostra uma ruela, que em muitos lugares é o território de traficantes. É suja, o mato está tomando de conta, e claramente pobre. O repórter abre o texto falando que a prática de venda de cigarro "a retalho" é comum nas proximidades de paradas de metrö. Por que não uma foto nestes lugares?

3. Porque a matéria é tratada como assunto de saúde, quando tem, claramente, um viés mais social e econômico?

Minhas conclusões (depois de minha paranóica experiência em NYC):

Resposta para a pergunta 1: para dar a impressão e manter a raça dos negros no patamar mais baixo da sociedade americana. Quem lê a matéria fica com a impressão no subconsciente que a maioria dos negros continua a fumar, vício que as outras raças estão abandonando;

Resposta para a pergunta 2: negros, de uma maneira geral, vivem em lugares horríveis, pobres e perigosos, muitas vezes dominados pelo tráfico de entorpecentes;

Resposta para a pergunta 3: negros, de uma maneira geral, são mais afetados por vícios como o fumo, por isso a matéria fica "melhor" se tratada na seção "saúde" pois os negros tendem a causar mais problemas de saúde pública do que as outras raças.

Garanto que muitos de vocês ainda não entenderam e estão surpresos com minhas conclusões sobre uma matéria tão banal. Pois saibam que nos EUA grupos de ativistas negros seguramente já protestaram contra a matéria acima.

Eles são realmente aguerridos e conseguiram, por exemplo, criar as tais cotas raciais, tão comentadas e discutidas no Brasil. Lá, por exemplo, se você assistir a um telejornal e ver um negro como apresentador, não pense que em todos os casos ele chegou lá por competência ou méritos pessoais. É a "cota dos 15%" de apresentadores negros que as emissoras têm que contratar.

Por esta razão, vejo racismo na matéria do NYT pois ela é claramente tendenciosa ao passar a impressão que só os negros praticam a venda de "cigarros a retalho" nos EUA.

Mas preciso acrescentar algo, para não cometer injustiça.

Talvez NYC não represente mesmo - como se diz por lá - a sociedade americana em razão da mistura de raças, cores, níveis sociais e intelectuais. Posso, ao ter sido "contaminado" pela cidade e sua atmosfera, estar sendo injusto com o resto do país (outside NYC).

Talvez NYC e sua gente mal humorada e extremamente competitiva tenha me levado a esta situação de paranóia sobre racismo. Se foi isso que aconteceu comigo, então agora é tarde. Depois de alguns anos de Brasil, não consegui me recuperar...é um mal sem cura. Nunca mais vou deixar de ver racismo, nem mesmo nas coisas insignificantes.

Clique aqui para ler a reportagem completa (em inglês): The smoking scourge among urban blacks, 20 de outubro de 2007, The New York Times.