CIPÓ-TITICA
Um cipó que na verdade é uma raiz. Mas isso não importa. Ele é uma das poucas fontes de renda para quem vive no meio rural da Amazônia
Evandro Ferreira
Ambiente Acreano
Cientificamente conhecido como Heteropsis flexuosa (H.B.K.) Bunth, a identidade popular do cipó-titica é tecnicamente equivocada pois a planta não é um cipó (ou liana para os puristas). Liana ou cipó se refere ao hábito de vida das plantas que se caracterizam por apresentar caule flexível.
No caso do 'cipó-titica', o caule, se é que podemos identificar positivamente isso nesta planta, é lenhoso e muito curto, devendo variar entre poucos centímetros a até no máximo 2-3 m. E tem mais. Poucas pessoas conseguem ver o caule do cipó-titica pois o mesmo atinge a maturidade lá no alto das plantas hospedeiras.
O cipó que todo mundo fala, e que é usado para a fabricação de cestarias e móveis é, na verdade, uma raiz, desprovida da casca ou córtex. Portanto, teoricamente deveríamos chamar o 'cipó-titica' de 'raiz-titica'. Ninguem vai fazer isso. Que diferença faz?
Então porque 'cipó-titica'?
Podemos especular que o fato desta planta emitir raízes que lembram vagamente os cipós verdadeiros tenha levado as pessoas a adotar a denominação 'cipó'.
Taxonomia e Distribuição
O cipó-titica é uma planta da família Araceae, ou seja, é parente próximo da aninga, do tajá e outras plantas ornamentais. São pelo menos 13 espécies de Heteropsis ocorrendo na América tropical. Destas, 8 espécies ocorrem no Brasil e 5 podem ser encontradas no Acre, incluindo o autêntico cipó titica.
Características
O 'cipó-titica' é uma planta com hábito hemi-epifítico que pode sobreviver durante algum tempo como epífita. Em outras palavras, ela vive em cima de outras plantas e a maior parte da vida está ligada ao solo por raízes alimentadoras. Quando estas são eliminadas, tem a capacidade de sobreviver por algum tempo, enquanto novas raízes crescem em direção ao solo.
Essa capacidade de produzir novas raízes é que permite a exploração do 'cipó' repetidamente em uma mesma área.
Usos
A parte da planta usada são as raízes alimentadoras, que crescem em direção ao solo em busca de água e nutrientes. Depois que atingem o solo, essas raízes ficam altamente lignificadas, endurecidas. Depois que se retira a 'casca', a raiz pode ser usada para a fabricação de cestas, móveis e outros objetos artesanais. Algumas vezes são usadas em construções rurais como substitutos de pregos.
Vejam abaixo um resumo do processo de extração e beneficiamento das raízes do 'cipó-titica'.
1. Selecionando e 'testando' para ver se o cipó está bom . Tem que ver se ele vai quebrar logo ou não. Se não quebrar é sinal de que vai dar para tirar alguns metros de cipó.
2. Tem que segurar assim para puxar o cipó. Tem que ter força. No fim do dia, para os que não são acostumados, as mãos podem ficar cheias de calo.
3. Depois que o cipó estiver no chão, é hora de eliminar os defeitos. Nós e bifurcações são os grandes problemas. Este trabalho é feito no campo mesmo. Só precisa de um facão.
4. Depois de puxar alguns cipós, eliminar os defeitos e cortar em pedaços menores, o feixe está quase pronto para ser levado para a casa do extrativista. Cada feixe pesa entre 100 e 150 kg. Tem que usar animal para transportar.
5. Em casa começa o beneficiamento do cipó. Consiste em retirar a casca e aparar as pontas para que o feixe fique uniforme. Na foto mais abaixo o detalhe da retirada da casca. Usa-se uma faca e no fim do dia a ponta dos dedos fica 'em fogo'.
6. Cipós sem casca e secos. O feixe está quase pronto para ser transportado para o comprador na cidade. O cipó é vendido com e sem casca. A negociação é feita em razão do peso e não do comprimento em metros. É comum o extrator deixar o cipó de molho na água no dia anterior ao transporte para a cidade. A malandragem brasileira tinha que estar presente...
7. O comprador do cipó agora vai preparar o mesmo para a confecção de objetos artesanais. A primeira providência é uniformizar o diâmetro do cipó, que é feito passando o mesmo repetidamente em buracos de tamanhos cada vez menores. Vejam que esse instrumento de beneficiamento é muito simples. Uma chapa de ferro com diversos furos feitos com brocas de diferentes diâmetros. No fim do processo, o cipó fica liso. No ponto para uso
8. Agora tudo depende da criatividade do artesão. Paciência conta muito. Mãos fortes também. As mulheres sofrem pois depois de alguns anos tecendo o cipó, a couro da mão fica grosso. Não tem lixa que afine.
9. Uma variedade grande de utensílios e móveis é elaborada com o cipó titica. E depois de todo esse trabalho dos extrativistas e dos artesãos, você, consumidor, ainda quer pechinchar e levar os cestos a preço de banana?
NOTA DO BLOG: As imagens e informações deste post são baseadas em uma apresentação dos resultados da pesquisa EXPLORAÇÃO EXTRATIVA DO CIPÓ -TITICA (HETEROPSIS FLEXUOSA (H.B.K.) BUNT., ARACEAE) NO ACRE, BRASIL: POTENCIAL DE MANEJO E COMERCIALIZAÇÃO, que realizamos em conjunto com Richard Wallace (Universidade da Flórida), com apoio do Rainforest Alliance, New York New York Botanical Garden, PREBELAC, Parque Zoobotânico da UFAC, INPA e PESACRE.
@Proibida a reprodução das fotos sem autorização dos autores.
Evandro Ferreira
Ambiente Acreano
Cientificamente conhecido como Heteropsis flexuosa (H.B.K.) Bunth, a identidade popular do cipó-titica é tecnicamente equivocada pois a planta não é um cipó (ou liana para os puristas). Liana ou cipó se refere ao hábito de vida das plantas que se caracterizam por apresentar caule flexível.
No caso do 'cipó-titica', o caule, se é que podemos identificar positivamente isso nesta planta, é lenhoso e muito curto, devendo variar entre poucos centímetros a até no máximo 2-3 m. E tem mais. Poucas pessoas conseguem ver o caule do cipó-titica pois o mesmo atinge a maturidade lá no alto das plantas hospedeiras.
O cipó que todo mundo fala, e que é usado para a fabricação de cestarias e móveis é, na verdade, uma raiz, desprovida da casca ou córtex. Portanto, teoricamente deveríamos chamar o 'cipó-titica' de 'raiz-titica'. Ninguem vai fazer isso. Que diferença faz?
Então porque 'cipó-titica'?
Podemos especular que o fato desta planta emitir raízes que lembram vagamente os cipós verdadeiros tenha levado as pessoas a adotar a denominação 'cipó'.
Taxonomia e Distribuição
O cipó-titica é uma planta da família Araceae, ou seja, é parente próximo da aninga, do tajá e outras plantas ornamentais. São pelo menos 13 espécies de Heteropsis ocorrendo na América tropical. Destas, 8 espécies ocorrem no Brasil e 5 podem ser encontradas no Acre, incluindo o autêntico cipó titica.
Características
O 'cipó-titica' é uma planta com hábito hemi-epifítico que pode sobreviver durante algum tempo como epífita. Em outras palavras, ela vive em cima de outras plantas e a maior parte da vida está ligada ao solo por raízes alimentadoras. Quando estas são eliminadas, tem a capacidade de sobreviver por algum tempo, enquanto novas raízes crescem em direção ao solo.
Essa capacidade de produzir novas raízes é que permite a exploração do 'cipó' repetidamente em uma mesma área.
Usos
A parte da planta usada são as raízes alimentadoras, que crescem em direção ao solo em busca de água e nutrientes. Depois que atingem o solo, essas raízes ficam altamente lignificadas, endurecidas. Depois que se retira a 'casca', a raiz pode ser usada para a fabricação de cestas, móveis e outros objetos artesanais. Algumas vezes são usadas em construções rurais como substitutos de pregos.
Vejam abaixo um resumo do processo de extração e beneficiamento das raízes do 'cipó-titica'.
1. Selecionando e 'testando' para ver se o cipó está bom . Tem que ver se ele vai quebrar logo ou não. Se não quebrar é sinal de que vai dar para tirar alguns metros de cipó.
2. Tem que segurar assim para puxar o cipó. Tem que ter força. No fim do dia, para os que não são acostumados, as mãos podem ficar cheias de calo.
3. Depois que o cipó estiver no chão, é hora de eliminar os defeitos. Nós e bifurcações são os grandes problemas. Este trabalho é feito no campo mesmo. Só precisa de um facão.
4. Depois de puxar alguns cipós, eliminar os defeitos e cortar em pedaços menores, o feixe está quase pronto para ser levado para a casa do extrativista. Cada feixe pesa entre 100 e 150 kg. Tem que usar animal para transportar.
5. Em casa começa o beneficiamento do cipó. Consiste em retirar a casca e aparar as pontas para que o feixe fique uniforme. Na foto mais abaixo o detalhe da retirada da casca. Usa-se uma faca e no fim do dia a ponta dos dedos fica 'em fogo'.
6. Cipós sem casca e secos. O feixe está quase pronto para ser transportado para o comprador na cidade. O cipó é vendido com e sem casca. A negociação é feita em razão do peso e não do comprimento em metros. É comum o extrator deixar o cipó de molho na água no dia anterior ao transporte para a cidade. A malandragem brasileira tinha que estar presente...
7. O comprador do cipó agora vai preparar o mesmo para a confecção de objetos artesanais. A primeira providência é uniformizar o diâmetro do cipó, que é feito passando o mesmo repetidamente em buracos de tamanhos cada vez menores. Vejam que esse instrumento de beneficiamento é muito simples. Uma chapa de ferro com diversos furos feitos com brocas de diferentes diâmetros. No fim do processo, o cipó fica liso. No ponto para uso
8. Agora tudo depende da criatividade do artesão. Paciência conta muito. Mãos fortes também. As mulheres sofrem pois depois de alguns anos tecendo o cipó, a couro da mão fica grosso. Não tem lixa que afine.
9. Uma variedade grande de utensílios e móveis é elaborada com o cipó titica. E depois de todo esse trabalho dos extrativistas e dos artesãos, você, consumidor, ainda quer pechinchar e levar os cestos a preço de banana?
NOTA DO BLOG: As imagens e informações deste post são baseadas em uma apresentação dos resultados da pesquisa EXPLORAÇÃO EXTRATIVA DO CIPÓ -TITICA (HETEROPSIS FLEXUOSA (H.B.K.) BUNT., ARACEAE) NO ACRE, BRASIL: POTENCIAL DE MANEJO E COMERCIALIZAÇÃO, que realizamos em conjunto com Richard Wallace (Universidade da Flórida), com apoio do Rainforest Alliance, New York New York Botanical Garden, PREBELAC, Parque Zoobotânico da UFAC, INPA e PESACRE.
@Proibida a reprodução das fotos sem autorização dos autores.
9 Comments:
No final tem um cara lá no Rio de Janeiro vendendo um sofá de cipó por R$ 10.000,00. Compra, se não me engano, o feixe ou quilo a R$ 60,00. Enquanto sabemos que quem faz o manejo não ganha nem 10% disso, acho eu.
É preciso rever essa cadeia, né não?
Abraços!
Bom dia,
o meu nome é Catherine, e eu colaboro com o Projeto Floresta Viva, implementado pela Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentaveldo Amazonas -SDS em colaboração com a ONG francesa GRET.
O ano passado, lançamos o website www.florestavivaamazonas.org.br, sobre Manejo Florestal Sustentavel em Pequena Escala, e esse ano, estamos elaborando um website sobre extrativismo. Eu gostei do seu artigo sobre cipo titica, e estariamos interessados em utilizar algumas das fotos que vc colocou, para ilustrar a pagina que vamos dedicar ao cipo.
Seria possivel?
Abs
Catherine
Catherine,
Obrigado por pedir permissão. Pode usar e favor citar que a autoria das fotos é de R. Wallace.
Boa sorte com o site.
Evandro Ferreira
evandroferreira@hotmail.com
Professor Evandro Ferreira
Li sua pesquisa sobre cipó titica. E que muito me serviu para meu estudo/pesquisa "Cerâmica Percussiva" que desenvolvi aqui em Belém do Pará, pelo Instituto de Artes do Pará. Quero informa que me apropriei do seu texto sobre origem do cipó titica e colei em meu blog. Mas com as devidas informação e creditos sobre seu blog. www.pararaiz.blogspot.com
Peço aqui se posso continuar utilizando sua valiosa informação para melhor explicação do meu trabalho. agradeço imensamente.
Luizinho Lins
Prezado Luisinho,
Fique a vontade para citar o material do blog. Boa sorte com o blog, que aliás é de excelente qualidade.
Evandro
Olá,
Achei muito interessante sua matéria sobre o cipó titica, porém gostaria de saber se tem conhecimento sobre sua lenda, a de que é originado de tucandeiras mortas, morei em rondonia e isso é muito comentado por lá, mas nunca soube se é realmente verdade.
Parabéns...
Celso Paul
Olá! Primeiramente gostaria de elogiar o artigo. Estou construindo a página de um fabricante de artesanatos e gostaria de falar mais acerca do cipó. Fiz um texto resumindo basicamente informações presentes no seu artigo. Irei citar a fonte com o link de acesso ao seu blog e gostaria de utilizar a primeira foto postada. Irei colocar os créditos do autor da foto. Obrigada!
Ok Daniella,
Agradeço o elogio. Fique a vontade para utilizar a foto.
Evandro Ferreira
Excelente esse blog.Como acadêmica do curso de biologia que sou, gostei muito de conhecer algo tão interessante como o artesanato com o cipó-titica.
Parabéns.
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