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28 novembro 2008

PSICOPATAS: DELÍRIOS PODEM REDUZIR POTENCIAL DE AÇÕES VIOLENTAS

Estudo feito na Unicamp com pacientes psicóticos indica que o delírio, ao contrário do que se imaginava, pode reduzir o potencial de ações violentas

Psicopatologia do crime

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – Um estudo realizado com pacientes psicóticos delirantes sugere que o delírio, ao contrário do que se imaginava, pode reduzir o potencial de ações violentas. O trabalho, que investigou a relação entre o delírio e a ocorrência de crimes violentos, foi realizado por pesquisadores do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e teve seus resultados publicados no Jornal Brasileiro de Psiquiatria.

O artigo foi produzido pelos professores Paulo Dalgalarrondo, da FCM, e Eduardo Henrique Teixeira, do Departamento de Neuropsiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. Dalgalarrondo orientou o doutorado de Teixeira na Unicamp.

O estudo avaliou diversas dimensões do delírio, síndrome constituída por um conjunto de idéias mórbidas que geralmente traduzem uma alteração do juízo, levando o paciente a se apegar a alguma convicção inabalável. De acordo com Teixeira, existem consensos na literatura sobre o tema, que, no entanto, ainda é pouco estudado.

“Os resultados alertam para a necessidade de uma visão muito cuidadosa em relação ao paciente potencialmente agressor. Oferecem dados que sugerem que um indivíduo, mesmo estando em plena atividade psicótica delirante, poderá apresentar outros elementos do psiquismo com pouco comprometimento ou pequena manifestação clínica. Sendo assim, poderá ser negligenciado e não receber a atenção preventiva devida”, disse à Agência FAPESP.

Participaram do estudo dois grupos de 30 indivíduos com psicose delirante. Um grupo consistia de pacientes de uma Casa de Custódia do Estado de São Paulo. Segundo Teixeira, os pacientes do grupo comparado foram selecionados de enfermarias psiquiátricas comuns.

A idade média de ambos os grupos foi – com uma pequena variação entre os grupos – de 38 anos, e a duração média da doença foi de 15,8 e 16,5 anos, respectivamente, com maior representação, pela ordem, dos transtornos psicóticos (como a esquizofrenia), dos transtornos delirantes, dos transtornos psicóticos agudos e dos transtornos esquizoafetivos.

O delírio persecutório foi o mais comum presente em ambos os grupos, com 70% contra 76,7% no grupo comparado. “Trata-se do tipo de delírio mais comum entre os diversos subtipos de pacientes com esquizofrenia. Esse delírio é caracterizado por pensamento paranóide, isto é, de conteúdo de perseguição, como acreditar estar sendo seguido, vigiado ou ter sido vítima de macumba”, explicou.

A fim de identificar a atividade delirante nos dois grupos, os pacientes tiveram seus sintomas do passado e do presente confirmados no início da entrevista. O critério de inclusão exigia que todos os pacientes ainda estivessem delirantes, mesmo sob uso de medicação. Nenhuma diferença foi encontrada entre os dois grupos em relação à psicopatologia, segundo o estudo.

“Concluímos que é possível que os delírios que conduzam a maior inibição de ações possam inibir ações agressivas e potencialmente violentas resultantes do delírio e, ao contrário do que se afirma correntemente, pacientes delirantes assustados parecem cometer menos atos violentos. Portanto, fatores inerentes a algumas dimensões do delírio podem ser relevantes na ocorrência de crimes violentos cometidos por pacientes psicóticos”, afirmou Teixeira.

Avaliação imediata

De acordo com o estudo, das várias dimensões estudadas, "afeto negativo", "atuação no delírio" e "inibição de ação por causa do delírio" foram as que mostraram diferença estatística significativa entre os dois grupos. Os resultados apontam que, em relação às dimensões do delírio, o grupo-caso teve menor pontuação em "inibição de ação por causa do delírio" e "afeto negativo".

A principal limitação do estudo, segundo o professor da PUC-Campinas, diz respeito ao longo tempo já transcorrido após a ocorrência do crime e a presença e comorbidade com álcool e drogas. “É possível que alguns pacientes tentassem esconder ou negar os sintomas, pois poderiam acreditar que a entrevista acabaria por afetar indiretamente sua condição, no que se refere à avaliação de periculosidade”, disse.

Para dar continuidade ao estudo, segundo Teixeira, a idéia é tentar realizar esse tipo de pesquisa no menor tempo possível após a ocorrência do crime pelo paciente psiquiátrico.

“Se possível, poderíamos começar logo que for atendido em uma unidade médica após o crime. Uma outra possibilidade é realizar um estudo de seguimento para acompanhar a evolução desses pacientes após serem submetidos a um tratamento especializado”, destacou.

O pesquisador reforça que o estudo faz parte de um campo pouco estudado, mas de grande relevância. “Acredito que um dos possíveis motivos seja a falta de incentivos, além das dificuldades impostas no contato com esse subgrupo de pacientes”, disse.

Para ler o artigo Bases psicopatológicas do crime violento: estudo caso-controle retrospectivo de pacientes delirantes criminosos e não-criminosos, de Eduardo Henrique Teixeira e Paulo Dalgalarrondo, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.