SUBNOTIFICAÇÃO DE VIOLÊNCIA CONTRA AS CRIANÇAS
Emergência de hospital perde oportunidade de detectar a violência contra crianças
Fernanda Marques
Agência Fiocruz de Notícias
Uma criança é levada ao serviço de emergência de um hospital devido a uma febre alta. Porém, durante o atendimento, o médico percebe queimaduras, machucados ou outros indícios de aquela criança é vitima de maus tratos. O caso é, então, notificado e encaminhado ao Conselho Tutelar, sendo a família acolhida e orientada sobre as providências necessárias. Pode parecer um procedimento simples, mas não é. Ao contrário: embora crianças vítimas de maus tratos cheguem todos os dias, pelos mais variados motivos, às emergências dos hospitais, o problema da violência raramente é detectado e não são tomadas as devidas providências. Este é o alerta feito por profissionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em artigo recém-publicado na revista Cadernos de Saúde Pública, periódico da Fiocruz.
O trabalho foi feito por pesquisadores do Programa de Investigação Epidemiológica sobre Violência Familiar (PIEVF) do Instituto de Medicina Social (IMS) da Uerj. Eles desenvolveram o estudo em dois grandes hospitais públicos de emergência do Rio de Janeiro. Durante três meses, eles entrevistaram cerca de 520 adultos que levaram crianças de até 12 anos para atendimento. Nas entrevistas, realizadas nas salas de espera, foi aplicado um questionário que visava identificar violências físicas, psicológicas ou negligências sofridas pelas crianças e praticadas pelos pais ou responsáveis legais.
Outra etapa do estudo consistiu em analisar as fichas de notificação preenchidas pelos profissionais da emergência dos hospitais, durante suas rotinas de trabalho, e encaminhadas aos conselhos tutelares ao longo de um ano. Os pesquisadores contabilizaram 440 dessas fichas, que notificavam casos de crianças que chegaram às emergências com sinais de agressões físicas, psicológicas e negligências. O passo seguinte foi comparar os dados das entrevistas nas salas de espera com aqueles registrados nas fichas.
Os resultados dessa comparação foram impressionantes: demonstraram uma diferença enorme na frequência de maus tratos contra crianças detectados pela busca ativa dos pesquisadores nas salas de espera e pelas rotinas dos profissionais nas emergências. Na busca ativa dos pesquisadores, as prevalências de agressão psicológica, negligência e maus tratos físicos praticados e relatados pelas mães, as principais acompanhantes dos pacientes, foram de, respectivamente, 94,8%, 52,3% e 38,7%. Já nas rotinas dos profissionais nas emergências, essas prevalências não chegarem nem a 1%.
Essa diferença tão acentuada pode significar que muitos casos de agressões sofridas por crianças chegam à porta de entrada das emergências, mas, em meio a rotinas atribuladas e estressantes, os médicos e demais profissionais da saúde – muitas vezes sem treinamento adequado – não detectam o problema. “Tal dificuldade não é exclusividade dos hospitais investigados”, destacam os pesquisadores no artigo. “Pesquisas em países onde a discussão sobre a abordagem da violência contra a criança vem de mais longa data também indicam a pequena capacidade de identificar e notificar essas situações”.
A garganta inflamada pode ser a razão pela qual a criança é levada à emergência do hospital, mas, durante o atendimento, o médico tem a chance de detectar os sinais de maus-tratos. Segundo os pesquisadores, quando essa identificação não é feita, perde-se uma importante oportunidade de combater o problema, pois aquele atendimento de emergência talvez seja o único contato daquela criança vítima de agressão com o sistema de saúde.
Por isso, os autores ressaltam, no artigo, que a subnotificação desses casos de violência representa uma lacuna grave para a saúde pública. Os pesquisadores recomendam, portanto, “a revisão das estratégias que vêm sendo utilizadas no treinamento das equipes, uma melhor organização dos serviços para o enfrentamento do problema e uma maior integração do setor saúde com as demais instâncias de proteção à criança”.
Fernanda Marques
Agência Fiocruz de Notícias
Uma criança é levada ao serviço de emergência de um hospital devido a uma febre alta. Porém, durante o atendimento, o médico percebe queimaduras, machucados ou outros indícios de aquela criança é vitima de maus tratos. O caso é, então, notificado e encaminhado ao Conselho Tutelar, sendo a família acolhida e orientada sobre as providências necessárias. Pode parecer um procedimento simples, mas não é. Ao contrário: embora crianças vítimas de maus tratos cheguem todos os dias, pelos mais variados motivos, às emergências dos hospitais, o problema da violência raramente é detectado e não são tomadas as devidas providências. Este é o alerta feito por profissionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em artigo recém-publicado na revista Cadernos de Saúde Pública, periódico da Fiocruz.
O trabalho foi feito por pesquisadores do Programa de Investigação Epidemiológica sobre Violência Familiar (PIEVF) do Instituto de Medicina Social (IMS) da Uerj. Eles desenvolveram o estudo em dois grandes hospitais públicos de emergência do Rio de Janeiro. Durante três meses, eles entrevistaram cerca de 520 adultos que levaram crianças de até 12 anos para atendimento. Nas entrevistas, realizadas nas salas de espera, foi aplicado um questionário que visava identificar violências físicas, psicológicas ou negligências sofridas pelas crianças e praticadas pelos pais ou responsáveis legais.
Outra etapa do estudo consistiu em analisar as fichas de notificação preenchidas pelos profissionais da emergência dos hospitais, durante suas rotinas de trabalho, e encaminhadas aos conselhos tutelares ao longo de um ano. Os pesquisadores contabilizaram 440 dessas fichas, que notificavam casos de crianças que chegaram às emergências com sinais de agressões físicas, psicológicas e negligências. O passo seguinte foi comparar os dados das entrevistas nas salas de espera com aqueles registrados nas fichas.
Os resultados dessa comparação foram impressionantes: demonstraram uma diferença enorme na frequência de maus tratos contra crianças detectados pela busca ativa dos pesquisadores nas salas de espera e pelas rotinas dos profissionais nas emergências. Na busca ativa dos pesquisadores, as prevalências de agressão psicológica, negligência e maus tratos físicos praticados e relatados pelas mães, as principais acompanhantes dos pacientes, foram de, respectivamente, 94,8%, 52,3% e 38,7%. Já nas rotinas dos profissionais nas emergências, essas prevalências não chegarem nem a 1%.
Essa diferença tão acentuada pode significar que muitos casos de agressões sofridas por crianças chegam à porta de entrada das emergências, mas, em meio a rotinas atribuladas e estressantes, os médicos e demais profissionais da saúde – muitas vezes sem treinamento adequado – não detectam o problema. “Tal dificuldade não é exclusividade dos hospitais investigados”, destacam os pesquisadores no artigo. “Pesquisas em países onde a discussão sobre a abordagem da violência contra a criança vem de mais longa data também indicam a pequena capacidade de identificar e notificar essas situações”.
A garganta inflamada pode ser a razão pela qual a criança é levada à emergência do hospital, mas, durante o atendimento, o médico tem a chance de detectar os sinais de maus-tratos. Segundo os pesquisadores, quando essa identificação não é feita, perde-se uma importante oportunidade de combater o problema, pois aquele atendimento de emergência talvez seja o único contato daquela criança vítima de agressão com o sistema de saúde.
Por isso, os autores ressaltam, no artigo, que a subnotificação desses casos de violência representa uma lacuna grave para a saúde pública. Os pesquisadores recomendam, portanto, “a revisão das estratégias que vêm sendo utilizadas no treinamento das equipes, uma melhor organização dos serviços para o enfrentamento do problema e uma maior integração do setor saúde com as demais instâncias de proteção à criança”.
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