A GLOBALIZAÇÃO DOS BIOCOMBUSTÍVEIS
Estudo aponta parceiros estratégicos do Brasil em biocombustíveis: países asiáticos são potenciais consumidores e os latino-americanos os grandes fornecedores
Mercado global
Por Thiago Romero
Agência FAPESP – No mercado ainda em formação de energias alternativas ao petróleo, os países latino-americanos são vistos como potenciais fornecedores de etanol e outros biocombustíveis, enquanto as economias asiáticas, devido ao grande crescimento econômico e à carência de recursos energéticos para mantê-lo, seriam os principais consumidores.
É o que destaca um estudo publicado na Revista Brasileira de Política Internacional, de autoria de pesquisadores do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB), que apresenta as perspectivas latino-americanas e asiáticas em combustíveis renováveis.
A partir de uma revisão da literatura especializada e de dados primários fornecidos por órgãos multilaterais, nacionais e privados, o estudo descreve como a indústria vem se estruturando e como os países deverão se inserir de forma competitiva no novo mercado. O trabalho aponta que, por motivos ambientais e tecnológicos, o Brasil é tido, na maioria dos estudos analisados, como o país que lidera o setor de bioenergia no mundo.
“Mesmo reconhecendo a importância da cooperação brasileira com os Estados Unidos, atualmente o maior produtor de etanol do mundo, há um grande potencial de cooperação e comércio entre os países latino-americanos com os do leste e sudeste asiático”, disse Gilmar Masiero, professor da UnB e um dos autores do estudo, à Agência FAPESP.
Em março de 2007, quando o então presidente dos Estados Unidos George Bush visitou o Brasil, foi assinado um memorando de cooperação na área entre os dois países, que são responsáveis por 70% da produção mundial de biocombustíveis.
Os Estados Unidos, segundo o estudo, produzem etanol a partir do milho de forma menos eficaz do que a cana-de-açúcar brasileira e a produção, além de ser fortemente subsidiada, é protegida com elevadas taxas restritivas à importação do etanol brasileiro.
“Esse acordo expressa a intenção dos dois países de cooperar no desenvolvimento e na difusão dos biocombustíveis em uma estratégia de três níveis: bilateral, com terceiros países e global. Atualmente, outro importante produtor e consumidor de biocombustíveis na forma de biodiesel produzido a partir de produtos agrícolas é a União Européia, sendo Alemanha e França os maiores produtores mundiais desse recurso energético”, destacou Masiero.
A cooperação dos dois maiores produtores de etanol (Estados Unidos e Brasil) somada aos interesses de grandes produtores e, ao mesmo tempo, dos grandes consumidores de biocombustíveis, deverá impulsionar ainda mais o desenvolvimento de um mercado global dessa fonte renovável de energia.
“Esse mercado pode ser impulsionado com a especialização latino-americana de produção de etanol e sua exportação para os países asiáticos com restrições de terra e tecnologias para o seu desenvolvimento”, disse.
Parcerias latino-americanas
O estudo mostra que o Brasil conta com parcerias em biocombustíveis com a maioria dos países da América Latina, sendo que, de modo geral, apenas o Chile e o Equador ainda não formalizaram um acordo com os brasileiros, apesar de já existirem negociações informais para que isso ocorra.
A maior parte dos governos latino-americanos estaria buscando criar infraestrutura regulatória e financeira para desenvolver a emergente indústria de biocombustíveis. O Brasil, devido ao pioneirismo no setor, tem firmado parcerias de transferência de tecnologia e cooperação na produção e comercialização de biocombustíveis com vários desses países.
De acordo com o estudo, além da liderança brasileira na produção e comercialização dos biocombustíveis, outros países latino-americanos começam a desenvolver essa importante fonte de energia renovável. Na Colômbia, por exemplo, a necessidade de diversificação do consumo de energia e da produção agrária, junto com a possibilidade de criação de novos empregos no campo com a substituição das plantações de coca, tem impulsionado o país a investir no setor.
As expectativas de expansão da produção bioenergética também são grandes na Argentina, que por ser muito dependente de combustíveis fósseis também procura diversificar sua matriz energética: tanto o setor privado como o público têm investido em pesquisas para obtenção de tecnologias, em incentivos na produção agrícola e no uso de combustíveis mistos.
A total dependência externa do Paraguai por petróleo e sua economia predominantemente agrária, aponta o artigo, também fazem desse país um forte candidato a desenvolver uma forte indústria de biocombustíveis. “Hoje, a mistura de 24% de etanol na gasolina é obrigatória e 15 novos projetos vem sendo desenvolvidos pelo governo do país, alguns relacionados à utilização de sebo animal para a produção de biodiesel”, aponta o artigo escrito por Masiero e Heloisa Lopes, graduanda em administração pela UnB.
Ainda no contexto sul-americano, a Venezuela, que é grande produtor de petróleo, também possui potencial para ser um significativo produtor de biocombustíveis devido ao seu clima, tamanho, topografia e quantidade de terras cultiváveis. “No entanto, como ainda não há uma política oficial do governo para o setor e a indústria de açúcar não possui estrutura suficiente para abastecer os dois mercados, alimentício e energético, o país parece permanecer como importador de etanol por mais alguns anos”, apontaram.
Segundo o artigo, os elementos para o desenvolvimento dos biocombustíveis também parecem estar presentes no Peru e no Uruguai. No primeiro país, uma estrutura legal básica que garante, entre outras coisas, índices de mistura nos combustíveis, já foi instituída, além de que o país possui uma indústria capaz de sustentar a produção do etanol.
A política energética uruguaia, por sua vez, é altamente integrada com a de outros países membros do Mercosul e apresenta um cenário favorável ao desenvolvimento de biocombustíveis com um sistema legal forte, novos investimentos e mercados financeiros abertos. O Chile, por sua vez, apesar do interesse de iniciar a exploração do mercado de combustíveis renováveis por empresas locais e até pela brasileira Petrobras, ainda não produz biodiesel ou etanol, a exemplo do que ocorre no Equador.
“Em países tão diferentes como Argentina, Colômbia e Peru, os governos estão procurando instituir forte infraestrutura regulatória para servir de base para essa nova indústria, sendo na maior parte dos casos adaptações da experiência brasileira”, destaca o artigo.
Países asiáticos
O estudo da UnB ressalta ainda a importância dos países asiáticos no desenvolvimento da emergente indústria dos biocombustíveis. Do ponto de vista da produção e do consumo, a China e a Índia seriam os principais atores no mercado de biocombustíveis, sendo, respectivamente, o 3º e 4º maiores produtores mundiais de etanol e o 5º e 6º maiores produtores de biodiesel.
A indústria automobilística chinesa, uma das que mais crescem no mundo, também deverá impulsionar a expansão de iniciativas voltadas à produção e ao consumo de biocombustíveis.
“O mesmo processo está ocorrendo com a Índia, onde a rápida expansão de sua indústria automobilística pressiona o país para reduzir seus 70% de dependência enérgica do exterior, além de que a vasta extensão territorial do país e sua larga tradição agrícola possibilitam imaginar que suas ainda incipientes iniciativas na área do biodiesel e etanol se expandam rapidamente”, disse Masiero.
Índia e Brasil são os dois maiores produtores mundiais de cana-de-açúcar e, desde 2003, possuem um memorando para cooperação no desenvolvimento tecnológico do uso de etanol como combustível. O estudo mostra ainda que o Japão e a Coreia do Sul são os grandes produtores de etanol a partir do arroz para uso na indústria de bebidas e de alimentos, mas por outro lado os dois são 100% dependentes da importação de petróleo para movimentar suas indústrias e frotas de veículos.
No Japão não existe nenhuma medida governamental obrigando ao uso de biocombustíveis, mas o governo daquele país tem incentivado a mistura de 3% na gasolina, enquanto na Coreia do Sul apenas 0,5% de biodiesel proveniente do arroz ou de óleos reciclados é misturado ao diesel.
“Além das restrições de áreas agricultáveis, a maior parte dos países asiáticos apresenta grande densidade demográfica. À insegurança alimentar pode-se se somar a insegurança energética, o que estimula ainda mais os acordos de cooperação entre esses países e os latino-americanos, que produzem os mesmos insumos básicos para a produção de etanol ou biodiesel”, afirmou Masiero.
Para ler o artigo Etanol e biodiesel como recursos energéticos alternativos: perspectivas da América Latina e da Ásia, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.
Mercado global
Por Thiago Romero
Agência FAPESP – No mercado ainda em formação de energias alternativas ao petróleo, os países latino-americanos são vistos como potenciais fornecedores de etanol e outros biocombustíveis, enquanto as economias asiáticas, devido ao grande crescimento econômico e à carência de recursos energéticos para mantê-lo, seriam os principais consumidores.
É o que destaca um estudo publicado na Revista Brasileira de Política Internacional, de autoria de pesquisadores do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB), que apresenta as perspectivas latino-americanas e asiáticas em combustíveis renováveis.
A partir de uma revisão da literatura especializada e de dados primários fornecidos por órgãos multilaterais, nacionais e privados, o estudo descreve como a indústria vem se estruturando e como os países deverão se inserir de forma competitiva no novo mercado. O trabalho aponta que, por motivos ambientais e tecnológicos, o Brasil é tido, na maioria dos estudos analisados, como o país que lidera o setor de bioenergia no mundo.
“Mesmo reconhecendo a importância da cooperação brasileira com os Estados Unidos, atualmente o maior produtor de etanol do mundo, há um grande potencial de cooperação e comércio entre os países latino-americanos com os do leste e sudeste asiático”, disse Gilmar Masiero, professor da UnB e um dos autores do estudo, à Agência FAPESP.
Em março de 2007, quando o então presidente dos Estados Unidos George Bush visitou o Brasil, foi assinado um memorando de cooperação na área entre os dois países, que são responsáveis por 70% da produção mundial de biocombustíveis.
Os Estados Unidos, segundo o estudo, produzem etanol a partir do milho de forma menos eficaz do que a cana-de-açúcar brasileira e a produção, além de ser fortemente subsidiada, é protegida com elevadas taxas restritivas à importação do etanol brasileiro.
“Esse acordo expressa a intenção dos dois países de cooperar no desenvolvimento e na difusão dos biocombustíveis em uma estratégia de três níveis: bilateral, com terceiros países e global. Atualmente, outro importante produtor e consumidor de biocombustíveis na forma de biodiesel produzido a partir de produtos agrícolas é a União Européia, sendo Alemanha e França os maiores produtores mundiais desse recurso energético”, destacou Masiero.
A cooperação dos dois maiores produtores de etanol (Estados Unidos e Brasil) somada aos interesses de grandes produtores e, ao mesmo tempo, dos grandes consumidores de biocombustíveis, deverá impulsionar ainda mais o desenvolvimento de um mercado global dessa fonte renovável de energia.
“Esse mercado pode ser impulsionado com a especialização latino-americana de produção de etanol e sua exportação para os países asiáticos com restrições de terra e tecnologias para o seu desenvolvimento”, disse.
Parcerias latino-americanas
O estudo mostra que o Brasil conta com parcerias em biocombustíveis com a maioria dos países da América Latina, sendo que, de modo geral, apenas o Chile e o Equador ainda não formalizaram um acordo com os brasileiros, apesar de já existirem negociações informais para que isso ocorra.
A maior parte dos governos latino-americanos estaria buscando criar infraestrutura regulatória e financeira para desenvolver a emergente indústria de biocombustíveis. O Brasil, devido ao pioneirismo no setor, tem firmado parcerias de transferência de tecnologia e cooperação na produção e comercialização de biocombustíveis com vários desses países.
De acordo com o estudo, além da liderança brasileira na produção e comercialização dos biocombustíveis, outros países latino-americanos começam a desenvolver essa importante fonte de energia renovável. Na Colômbia, por exemplo, a necessidade de diversificação do consumo de energia e da produção agrária, junto com a possibilidade de criação de novos empregos no campo com a substituição das plantações de coca, tem impulsionado o país a investir no setor.
As expectativas de expansão da produção bioenergética também são grandes na Argentina, que por ser muito dependente de combustíveis fósseis também procura diversificar sua matriz energética: tanto o setor privado como o público têm investido em pesquisas para obtenção de tecnologias, em incentivos na produção agrícola e no uso de combustíveis mistos.
A total dependência externa do Paraguai por petróleo e sua economia predominantemente agrária, aponta o artigo, também fazem desse país um forte candidato a desenvolver uma forte indústria de biocombustíveis. “Hoje, a mistura de 24% de etanol na gasolina é obrigatória e 15 novos projetos vem sendo desenvolvidos pelo governo do país, alguns relacionados à utilização de sebo animal para a produção de biodiesel”, aponta o artigo escrito por Masiero e Heloisa Lopes, graduanda em administração pela UnB.
Ainda no contexto sul-americano, a Venezuela, que é grande produtor de petróleo, também possui potencial para ser um significativo produtor de biocombustíveis devido ao seu clima, tamanho, topografia e quantidade de terras cultiváveis. “No entanto, como ainda não há uma política oficial do governo para o setor e a indústria de açúcar não possui estrutura suficiente para abastecer os dois mercados, alimentício e energético, o país parece permanecer como importador de etanol por mais alguns anos”, apontaram.
Segundo o artigo, os elementos para o desenvolvimento dos biocombustíveis também parecem estar presentes no Peru e no Uruguai. No primeiro país, uma estrutura legal básica que garante, entre outras coisas, índices de mistura nos combustíveis, já foi instituída, além de que o país possui uma indústria capaz de sustentar a produção do etanol.
A política energética uruguaia, por sua vez, é altamente integrada com a de outros países membros do Mercosul e apresenta um cenário favorável ao desenvolvimento de biocombustíveis com um sistema legal forte, novos investimentos e mercados financeiros abertos. O Chile, por sua vez, apesar do interesse de iniciar a exploração do mercado de combustíveis renováveis por empresas locais e até pela brasileira Petrobras, ainda não produz biodiesel ou etanol, a exemplo do que ocorre no Equador.
“Em países tão diferentes como Argentina, Colômbia e Peru, os governos estão procurando instituir forte infraestrutura regulatória para servir de base para essa nova indústria, sendo na maior parte dos casos adaptações da experiência brasileira”, destaca o artigo.
Países asiáticos
O estudo da UnB ressalta ainda a importância dos países asiáticos no desenvolvimento da emergente indústria dos biocombustíveis. Do ponto de vista da produção e do consumo, a China e a Índia seriam os principais atores no mercado de biocombustíveis, sendo, respectivamente, o 3º e 4º maiores produtores mundiais de etanol e o 5º e 6º maiores produtores de biodiesel.
A indústria automobilística chinesa, uma das que mais crescem no mundo, também deverá impulsionar a expansão de iniciativas voltadas à produção e ao consumo de biocombustíveis.
“O mesmo processo está ocorrendo com a Índia, onde a rápida expansão de sua indústria automobilística pressiona o país para reduzir seus 70% de dependência enérgica do exterior, além de que a vasta extensão territorial do país e sua larga tradição agrícola possibilitam imaginar que suas ainda incipientes iniciativas na área do biodiesel e etanol se expandam rapidamente”, disse Masiero.
Índia e Brasil são os dois maiores produtores mundiais de cana-de-açúcar e, desde 2003, possuem um memorando para cooperação no desenvolvimento tecnológico do uso de etanol como combustível. O estudo mostra ainda que o Japão e a Coreia do Sul são os grandes produtores de etanol a partir do arroz para uso na indústria de bebidas e de alimentos, mas por outro lado os dois são 100% dependentes da importação de petróleo para movimentar suas indústrias e frotas de veículos.
No Japão não existe nenhuma medida governamental obrigando ao uso de biocombustíveis, mas o governo daquele país tem incentivado a mistura de 3% na gasolina, enquanto na Coreia do Sul apenas 0,5% de biodiesel proveniente do arroz ou de óleos reciclados é misturado ao diesel.
“Além das restrições de áreas agricultáveis, a maior parte dos países asiáticos apresenta grande densidade demográfica. À insegurança alimentar pode-se se somar a insegurança energética, o que estimula ainda mais os acordos de cooperação entre esses países e os latino-americanos, que produzem os mesmos insumos básicos para a produção de etanol ou biodiesel”, afirmou Masiero.
Para ler o artigo Etanol e biodiesel como recursos energéticos alternativos: perspectivas da América Latina e da Ásia, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home