ALIANÇA MÉDICO-IMPRENSA CONTRIBUIU PARA A MEDICALIZAÇÃO DO PARTO NA BAHIA DO INCÍO DO SÉCULO XX
Dar à luz fora de casa era considerada uma situação anormal e apavorante, procurada somente em casos extremos. A presença de familiares e parturiente no quarto em que estava ocorrendo o parto era muito comum, pois ainda havia uma série de desconfiança e desconfortos em deixar um médico cuidar de uma mulher
Por um parto mais civilizado
Renata Moehlecke
Agência Fiocruz de Notícias
[Detalhe da propaganda da maternidade publicada na revista Bahia Ilustrada]
Um estudo publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos da Fiocruz revelou que uma aliança entre médicos e a imprensa baiana, no início do século 20, foi a principal contribuinte para a medicalização do parto na cidade de Salvador. Desenvolvido pelo pesquisador Marivaldo Cruz do Amaral, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, o trabalho apontou, com base em matérias publicadas no jornal Diário de Notícias (veículo formador de opinião na época), que os médicos da Faculdade de Medicina da Bahia buscaram discutir e definir a partir da imprensa a forma como as mães baianas deveriam parir, cuidar de seus filhos e estabelecer assim novos padrões de comportamentos.
Segundo o pesquisador, era forte o esforço para promover a Maternidade Climério de Oliveira na sociedade, uma das pioneiras na região e no Brasil, como um lugar moderno, civilizado, limpo e agradável para todos, independentemente da camada social. “Os meios para convencer as mulheres a procurarem a maternidade foram diversos. Porém, a veiculação de matérias nos jornais e revistas foi o que obteve mais êxito, alcançando um número maior de pessoas”, afirma o pesquisador no artigo.
Marivaldo explica que, no início do século 20, muitas mulheres continuavam a preferir a assistência das parteiras, que transmitiam mais segurança e comodidade. Isso porque, até pouco tempo, a realização de uma intervenção cirúrgica em partos, como uma cesárea, implicava em riscos para a mãe e para a criança. “A sociedade baiana tratava algumas questões de comportamento e ou procedimento médicos com reservas, pois se encontrava ainda fortemente ancorada em valores dos séculos passados, principalmente no que dizia respeito ao parto e à sua medicalização”, comenta o estudioso. “A presença de familiares e parturiente no quarto em que estava ocorrendo o parto era muito comum, pois ainda havia uma série de desconfiança e desconfortos em deixar um médico cuidar de uma mulher”.
Para que os partos fossem feitos em maternidades, o pesquisador explica que algumas barreiras tiveram que ser rompidas, tais como permitir que o corpo da mulher fosse cuidado por um homem (médico) e em um espaço que não era doméstico. “Dar à luz fora de casa era considerada uma situação anormal e apavorante, procurada somente em casos extremos e, sobretudo, realizada por pessoas desfavorecidas socialmente. Por muito tempo, as duas práticas coexistiram, sendo comuns as críticas em periódicos médicos e em teses universitárias as parteiras, que eram acusadas de ter ações imorais e serem promotoras do atraso brasileiro. “Essa situação começou a mudar com o advento da Maternidade Climério de Oliveira, pois a presença da parteira no interior das salas de parto e mesmo em enfermarias passou a ser constante, diminuindo a distância entre médicos e parteiras na atividade de obstetrícia”, esclarece o pesquisador.
No entanto, não bastavam somente os médicos munidos de seu discurso modernizador. Foi necessário o apoio da imprensa. Uma importante forma de estímulo e visibilidade pública foram, assim, as notas de agradecimento que eram publicadas nos periódicos locais e assinadas por pessoas bem situadas socialmente, fazendo elogios aos cuidados que a maternidade em questão dispensara às mulheres da família. Esses anúncios iam, aos poucos, medicalizando o parto na vida da mulher baiana, e a instituição sendo legitimada como um espaço de cuidado à mulher.
“A prática institucionalizada da ginecologia e obstetrícia foi legitimada também pelos médicos, na tentativa de ampliar seu campo de atuação, estendendo o atendimento inicialmente às mulheres pobres e sem amparo social, e, concomitantemente, garantiu-se também às mulheres de família abastadas que o parto na maternidade era confiável”, aponta Marivaldo. “Naquele momento, o êxito da obstetrícia dependia da massificação do parto medicalizado. A mulher baiana se tornava alvo de inclusão na nova ordem. Era necessário inseri-la na agenda higienista a fim de civilizar o parto”.
Publicado em 6/2/2009.
Por um parto mais civilizado
Renata Moehlecke
Agência Fiocruz de Notícias
[Detalhe da propaganda da maternidade publicada na revista Bahia Ilustrada]
Um estudo publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos da Fiocruz revelou que uma aliança entre médicos e a imprensa baiana, no início do século 20, foi a principal contribuinte para a medicalização do parto na cidade de Salvador. Desenvolvido pelo pesquisador Marivaldo Cruz do Amaral, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, o trabalho apontou, com base em matérias publicadas no jornal Diário de Notícias (veículo formador de opinião na época), que os médicos da Faculdade de Medicina da Bahia buscaram discutir e definir a partir da imprensa a forma como as mães baianas deveriam parir, cuidar de seus filhos e estabelecer assim novos padrões de comportamentos.
Segundo o pesquisador, era forte o esforço para promover a Maternidade Climério de Oliveira na sociedade, uma das pioneiras na região e no Brasil, como um lugar moderno, civilizado, limpo e agradável para todos, independentemente da camada social. “Os meios para convencer as mulheres a procurarem a maternidade foram diversos. Porém, a veiculação de matérias nos jornais e revistas foi o que obteve mais êxito, alcançando um número maior de pessoas”, afirma o pesquisador no artigo.
Marivaldo explica que, no início do século 20, muitas mulheres continuavam a preferir a assistência das parteiras, que transmitiam mais segurança e comodidade. Isso porque, até pouco tempo, a realização de uma intervenção cirúrgica em partos, como uma cesárea, implicava em riscos para a mãe e para a criança. “A sociedade baiana tratava algumas questões de comportamento e ou procedimento médicos com reservas, pois se encontrava ainda fortemente ancorada em valores dos séculos passados, principalmente no que dizia respeito ao parto e à sua medicalização”, comenta o estudioso. “A presença de familiares e parturiente no quarto em que estava ocorrendo o parto era muito comum, pois ainda havia uma série de desconfiança e desconfortos em deixar um médico cuidar de uma mulher”.
Para que os partos fossem feitos em maternidades, o pesquisador explica que algumas barreiras tiveram que ser rompidas, tais como permitir que o corpo da mulher fosse cuidado por um homem (médico) e em um espaço que não era doméstico. “Dar à luz fora de casa era considerada uma situação anormal e apavorante, procurada somente em casos extremos e, sobretudo, realizada por pessoas desfavorecidas socialmente. Por muito tempo, as duas práticas coexistiram, sendo comuns as críticas em periódicos médicos e em teses universitárias as parteiras, que eram acusadas de ter ações imorais e serem promotoras do atraso brasileiro. “Essa situação começou a mudar com o advento da Maternidade Climério de Oliveira, pois a presença da parteira no interior das salas de parto e mesmo em enfermarias passou a ser constante, diminuindo a distância entre médicos e parteiras na atividade de obstetrícia”, esclarece o pesquisador.
No entanto, não bastavam somente os médicos munidos de seu discurso modernizador. Foi necessário o apoio da imprensa. Uma importante forma de estímulo e visibilidade pública foram, assim, as notas de agradecimento que eram publicadas nos periódicos locais e assinadas por pessoas bem situadas socialmente, fazendo elogios aos cuidados que a maternidade em questão dispensara às mulheres da família. Esses anúncios iam, aos poucos, medicalizando o parto na vida da mulher baiana, e a instituição sendo legitimada como um espaço de cuidado à mulher.
“A prática institucionalizada da ginecologia e obstetrícia foi legitimada também pelos médicos, na tentativa de ampliar seu campo de atuação, estendendo o atendimento inicialmente às mulheres pobres e sem amparo social, e, concomitantemente, garantiu-se também às mulheres de família abastadas que o parto na maternidade era confiável”, aponta Marivaldo. “Naquele momento, o êxito da obstetrícia dependia da massificação do parto medicalizado. A mulher baiana se tornava alvo de inclusão na nova ordem. Era necessário inseri-la na agenda higienista a fim de civilizar o parto”.
Publicado em 6/2/2009.
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