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13 fevereiro 2009

INFECÇÕES HOSPITALARES. ATÉ QUANDO?

Hospitais deveriam ser lugares seguros, aonde vamos curar nossas doenças. Eles jamais deveriam ser fonte de enfermidades. Mas essa situação tem mudado de forma drástica com o enorme problema das infecções hospitalares. Recentemente um médico amigo meu foi hospitalizado com infarto agudo de miocárdio. Ele logo se recuperou do infarto... mas quase morreu de uma infecção, adquirida na UTI, que até hoje lhe causa problemas.

Sergio Danilo Pena
Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia
Universidade Federal de Minas Gerais

Nos hospitais, superbactérias, criadas em uma dieta de antibióticos estão em toda parte. Nos Estados Unidos, infecções hospitalares vitimam um paciente em cada 10, causam 90 mil mortes anuais e custam mais de 11 bilhões de dólares por ano. No Brasil, segundo a Anvisa, não temos dados estatísticos atualizados. Mas sabemos que mortes por infecções adquiridas em hospitais ocorrem diariamente no nosso país.



No mês passado, o grande médico mineiro Lincoln Freire, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria e meu confrade na Academia Mineira de Pediatria, faleceu em decorrência de uma infecção hospitalar, após ter sua doença primária controlada. A medicina mineira está de luto. Mas é hora de reagir, tomando providências para evitar episódios semelhantes no futuro.

Mortes desnecessárias e evitáveis como a de Lincoln Freire me deixam indignado e ao mesmo tempo amedrontado, temendo que um problema médico me obrigue a ser internado algum dia. Resolvi, então, examinar a literatura à procura de causas para essa conjuntura calamitosa que aflige hospitais em todo o mundo e que precisa ser revertida. Dentre uma miríade de fatores contribuintes, dois saltaram aos meus olhos como sendo de especial relevância.

O primeiro e o mais conhecido é o desenvolvimento de bactérias multirresistentes, monstros darwinianos criados pelo uso excessivo, indiscriminado e muitas vezes desnecessário de antibióticos. O segundo – chocante – está ligado à falta de higiene e de aderência aos princípios básicos de boa prática hospitalar pelos próprios médicos e pela equipe auxiliar! Vamos discutir cada um deles.

Resistência bacteriana
Entre os maiores avanços da medicina no século 20 estão a descoberta da penicilina e o desenvolvimento de outros antibióticos eficientes contra um grande número de bactérias e fungos até então letais. Agora, no século 21, a utilidade desses medicamentos milagrosos está sendo severamente limitada pelo seu uso abusivo em pessoas e animais.

Como já dizia Millôr Fernandes, para as bactérias, penicilina é doença. A alta capacidade reprodutiva das imensas populações de bactérias as torna capazes de respostas seletivas, com o desenvolvimento rápido de resistência a qualquer agente que lhes seja tóxico, incluindo antibióticos.

Trata-se de um simples mecanismo darwiniano: bactérias resistentes aparecem inicialmente por mutações aleatórias. A partir do momento em que tais mutantes são geradas, elas começam ser selecionadas pela presença do antibiótico, que rapidamente consegue matar os micro-organismos originais suscetíveis. Aí então, o antibiótico vira refresco! Para complicar, uma mesma bactéria pode ser tornar resistente a vários antibióticos (multirresistente), tornando-se uma super-bactéria.

Um agravante é que a resistência bacteriana frequentemente não está associada a mutações no cromossomo bacteriano, mas reside em pequenos elementos extracromossômicos circulares chamados plasmídeos. Estes são transmitidos verticalmente para as gerações seguintes, mas também podem ser propagados horizontalmente para outras bactérias por um fenômeno chamado conjugação. Assim, a resistência aos antibióticos se espalha com extraordinária velocidade nas populações bacterianas.

A grande causa da resistência bacteriana é sem dúvida a presença de antibióticos no meio ambiente. Fatores contribuintes incluem receitas desnecessárias, erros diagnósticos e automedicação por parte dos pacientes. Outro elemento de enorme influência é o uso de antibióticos na criação de aves e outros animais. Isto não é feito para tratar infecções, mas para acelerar o crescimento ou prevenir doenças nos ambientes de pouca higiene nos quais esses animais são criados. A estimativa é de que 70% dos antibióticos usados nos Estados Unidos são consumidos na alimentação de animais.

Um dos ambientes em que antibióticos são mais abundantes é exatamente o dos hospitais. Expostas a uma grande variedade de agentes antimicrobianos, as populações bacterianas dos hospitais tendem a ser multirresistentes, monstros darwinianos criados e nutridos pelo ambiente hospitalar. Por isso, as infecções adquiridas em hospitais são particularmente graves, difíceis de tratar e, às vezes, impossíveis de curar.

Semmelweis e a lavagem de mãos no século 19

O grande médico húngaro Ignaz Semmelweis (1818-1865), figura trágica que, após controlar as infecções pós-parto em hospital de Viena, foi expulso do mesmo pela ignorância e intolerância dos seus colegas.

Quando eu estava ainda no curso primário, li uma biografia romanceada do grande médico húngaro Ignaz Semmelweis (1818-1865). Em 1844 Semmelweis foi admitido como assistente na clínica obstétrica do principal hospital de Viena. Naquela época eram muito comuns as infecções pós-parto (puerperais), com alta mortalidade das mães.

Semmelweis fez uma observação importante: as infecções puerperais eram três vezes mais comuns quando os médicos faziam o parto do que quando as parteiras eram responsáveis. Intrigado, ele procurou estabelecer a causa disso e observou que os médicos faziam autópsias e passavam diretamente do contato com cadáveres para o atendimento na enfermaria dos partos sem lavar as mãos.

Concluindo que a infecção estaria sendo carregada pelos médicos, Semmelweis instituiu no hospital a prática de eles lavarem as mãos ao sair das autópsias, mais tarde introduzindo abluções com um composto antisséptico. A mortalidade das gestantes atendidas pelos médicos caiu rapidamente, ficando abaixo das pacientes de parteiras. Seu chefe no hospital, Johann Klein, não se impressionou com os resultados e, movido por ignorância, vaidade ou ciúmes, expulsou Semmelweis do hospital, provocando a sua mudança para Budapeste.

O caso de Semmelweis me impressionou muito na época, mas eu, na doce inocência da infância, pensei que éramos felizes por viver em uma época em que episódios como aquele já não ocorriam mais.

Provonost e a lavagem de mãos no século 21
Peter Pronovost é um médico americano especialista em cuidados intensivos e trabalha no famoso Hospital Johns Hopkins, em Baltimore. Um dos procedimentos frequentes em pacientes na UTI é a introdução de um cateter venoso central próximo ao coração para permitir medidas de pressão venosa e administração de medicamentos. Pronovost observou que em 11% dos pacientes ocorria infecção do cateter, fato associado com morbidade e mortalidade.

No hospital, quando um médico introduz um cateter venoso central, era esperado que ele observasse procedimentos de uma simplicidade franciscana:
1) Lavar as mãos com água e sabão;
2) Desinfetar a pele do(a) paciente com um antisséptico chamado clorexidina;
3) Cobrir todo o(a) paciente com campos estéreis;
4) Usar uma máscara facial, um avental estéril e luvas estéreis;
5) Cobrir com um curativo estéril o local de inserção do cateter.

O medico intensivista americano Peter Pronovost, o Semmelweis do século 21. Ele conseguiu eliminar infecções na UTI do Hospital Johns Hopkins em Baltimore com uma simples check-list de procedimentos básicos de higiene e assepsia.

Pronovost pediu que as enfermeiras observassem cuidadosamente por um mês se os médicos estavam realmente seguindo os cinco passos dessa simples rotina. Finalmente veio o resultado: em mais de 30% dos atendimentos os médicos desobedeciam a uma das cinco etapas do protocolo!

Ele então instituiu na UTI uma check-list (uma lista de tarefas) obrigatória que tinha de ser preenchida pela enfermeira assistente sempre que um cateter venoso central fosse introduzido. A taxa de infecções do cateter caiu de 11% para praticamente zero! Nos quinze meses seguintes apenas dois pacientes apresentaram infecções. O cálculo foi que a simples aderência a procedimentos superbásicos de higiene e esterilidade havia prevenido 43 infecções, oito mortes e economizado mais de dois milhões de dólares em despesas hospitalares.

Após este sucesso, Pronovost expandiu o uso de check-lists para várias outras áreas do cuidado médico hospitalar incluindo controle da dor e prevenção de erros médicos. Em 2008 ele foi escolhido pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes dos Estados Unidos.

Ainda assim, apenas uma pequena percentagem de hospitais nos Estados Unidos (e no Brasil) adotou seus procedimentos. Em um artigo sobre Peter Pronovost na revista New Yorker, três razões principais foram citadas para explicar por quê: (1) o ego e orgulho de alguns médicos, que se sentem insultados quando obrigados a seguir uma check-list e a ter suas atividades monitoradas pelas enfermeiras; (2) a resistência dos médicos, que já se acham demasiadamente ocupados e não querem seguir mais uma burocracia; e (3) o entusiasmo da comunidade médica e a ênfase da imprensa em novas descobertas complexas e mirabolantes, com desprezo pelas soluções simples, mundanas e low-tech, por mais eficientes que sejam.

Pelo visto, meus sonhos infantis sobre a racionalidade da comunidade médica eram quimeras. Parece que pouco mudou desde os tempos de Semmelweis. Enquanto isso, mortes desnecessárias por infecções hospitalares ocorrem todos os dias em nossos estabelecimentos médicos. Quosque tandem?

Post-scriptum – O número de 29 de janeiro de 2009 do importante periódico New England Journal of Medicine apresenta no artigo intitulado “A Surgical Safety Checklist to Reduce Morbidity and Mortality in a Global Population” o relato de um estudo de 12 meses realizado em oito hospitais de diferentes países: Canadá, EUA, Filipinas, Índia, Inglaterra, Jordânia, Nova Zelândia e Tanzânia.

Foram comparadas as complicações cirúrgicas em milhares de pacientes antes e depois da adoção de uma check-list de segurança de 19 itens. A mortalidade caiu de 1,5% para 0,8% e as complicações diminuíram de 11,0% para 7,0% com o uso da check-list. Com isso, foram salvas em um ano 28 vidas e evitadas complicações em 158 pacientes!

Se check-lists são simples e capazes de catalisar feitos tão valiosos, por que não adotá-las entusiasticamente como ferramenta básica? Se você, leitor, regularmente realizar um procedimento complexo, que tal elaborar sua própria check-list? O sucesso pode ser surpreendente!

Sergio Danilo Pena
Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia
Universidade Federal de Minas Gerais
13/02/2009