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24 fevereiro 2009

PUPUNHA SELVAGEM NO 'ARCO DO DESMATAMENTO'

Realizar um projeto de pesquisa nem sempre é a parte mais fácil. Às vezes, publicar os resultados para que a sociedade tome conhecimento do 'investimento' feito se torna um desafio e um jogo de paciência

Evandro Ferreira
Ambiente Acreano

A pupunha (Bactris gasipaes Kunth, Palmae) foi domesticada na Amazônia e distribuída pelos primeiros povos americanos na maioria dos trópicos úmidos baixos entre 17º N e 16º S antes da chegada dos europeus.

Após milênios de domesticação, foi criado uma hierarquia de raças primitivas que têm sido parcialmente caracterizadas e mapeadas e hoje com seu uso estagnado pela falta de demanda nos mercados modernos. Na Amazônia brasileira, falta explorar a bacia do rio Madeira, pois esta bacia parece ser importante para entender a origem da pupunha no sudoeste da Amazônia.

É nessa região que foram descritos os primeiros parentes silvestres da pupunha, originalmente com nomes específicos e até genéricos distintos, e agora reunidos na variedade chichagui, com três tipos. O tipo 1 parece ocupar a zona de mogno, também conhecido como o arco de desmatamento. O tipo 3 parece ocupar o extremo oeste dos estados de Acre e Amazonas, além de partes de Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Panamá e Costa Rica. O tipo 2 parece ocupar o norte do Andes e acompanhar uma parte do escudo das Guianas, possivelmente até Amapá.

Com o apoio do programa PROBIO do Ministério do Meio Ambiente, uma equipe de pesquisadores do INPA e da EMBRAPA desenvolveu durante onze meses o projeto ‘Pupunha - raças primitivas e parentes silvestres’ com o objetivo de:

a) Identificar e mapear a distribuição geográfica dos parentes silvestres e das raças locais/variedades crioulas da pupunha;

b) Avaliar as condições de conservação, tanto ex situ quanto in situ, dos parentes silvestres da pupunha;

c) Propor mecanismos para ampliação do uso, quer diretamente pelo agricultor, quer por meio do melhoramento genético;

d) Propor medidas efetivas para a preservação, a curto, médio e longo prazos, dos parentes silvestres de pupunha, bem como das raças locais/variedades crioulas da espécie.

Os objetivos foram alcançados através de expedições de prospecção e coleta que preencheram lacunas no acervo de conhecimento sobre a pupunha no Brasil. Os resultados foram discutidos e divulgados durante um seminário cuja audiência foi composta pelos principais pesquisadores de pupunha na Amazônia.

[O texto acima foi extraído do projeto base, escrito por Charles Clement. Clique aqui para ler nosso relatório sobre a viagem de 15 dias pelo Arco do Desmatamento no norte de Mato Grosso, Sul do Pará, Tocantins e Maranhão]

O desafio de publicar os resultados em revista científica

Concluídos os trabalhos de campo e realizado o seminário para a apresentação dos resultados do projeto, era preciso escrever um manuscrito para submetê-lo a uma revista científica. Charles Clement, colega da Coordenação de Agronomia do INPA em Manaus assumiu – como sempre – a missão de preparar o manuscrito e enviar para alguma revista científica.

Ficou claro que publicar os resultados de um projeto de pesquisa na revista que a ‘gente pensa’ que é a mais adequada nem sempre é fácil. Pesquisador também leva ‘porta na cara’. No nosso caso levamos algumas, até que finalmente o artigo foi publicado no dia de hoje (24/2) na revista PLoS ONE, uma revista científica de livre acesso que publica artigos científicos avaliados previamente por revisores de alto nível.

[Depois de pronto, o manuscrito foi enviado para o Dr. Scott Zona, do Fairchild Tropical Garden, na Florida, para uma avaliação preliminar]

“The paper is good and documents the extant range of an important wild crop-relative. I wish I had the map to see the range you describe, as my knowledge of Brazilian geography is not very good.

I've made a few suggested changes in Track Changes mode. They are mostly changes to style and flow. I question the need for the section on taxonomy in this paper, which is clearly aimed at tracking the distribution of var. chichagui, not at resolving taxonomic puzzles.
I especially question the placement of names in synonymy, as you do in Table 1. The taxonomy of Bactris is complicated, as you well know. Without more detailed analysis (or at least the presentation of more data), stating the synonymy in such a definitive way seems unadvised. Given that half of the synonymies are questionable, I suggest omitting them and the
table.

Really, the taxonomy questions are not terribly relevant to your paper, except as historical records (under various names) of var. chichagui. I think the manuscript would be clearer if you simply stated that you searched these areas in Amazonia with the knowledge that var. chichagua was present in the past (type localities of these other names). I would follow an authority's synonymy (Henderson's) unless you have good reason to do otherwise (i.e., M. ciliata)”.


Depois dos ajustes sugeridos pelo Dr. Zona – eliminamos todo o capítulo relativo a taxonomia de pupunha, vejam abaixo a série de ‘nãos’ e o aceite final de PLoS One para o nosso artigo:

[Charles inicialmente encaminhou o manuscrito para o editor da revista Conservation Biology, Dr. Meffe]

We feel that this manuscript is suitable for Conservation Biology, but prefer to consult with you before submitting. This manuscript has not been submitted elsewhere. We plan to submit it as a Contributed Paper. Because it is not the report of a single project, it is not in IMRAD format. Although peach palm is a rather specific topic, the analysis presented has implications for numerous other native South American crop wild relatives that are currently threatened by deforestation and poorly or not at all conserved ex situ.

‘Ecological adaptation of wild peach palm, its in situ conservation and deforestation-mediated extinction in southern Brazilian Amazonia’, by Charles R. Clement, Ronaldo P. Santos, Sylvain J.M. Desmouliere, Evandro J. L. Ferreira, João Tomé Farias Neto.


[Resposta ‘curta’ e imediata do Dr. Meffe]

Thanks for sending your Abstract. I am sorry, but this paper is not appropriate for Cons. Biol., as it sounds to be mostly a species assessment/status paper and we do not publish such work here. I would try a more specialized journal.

Ronaldo Santo então sugeriu outras revistas:

Que tal fazermos mesma consulta simultaneamente aos Editores-Chefes das seguintes revistas:

1. American Journal of Botany

2. Biological Conservation

3. Conservation Genetics


Charles Clement gostou da sugestão: “Ronaldo, obrigado pelas sugestoes. Ja haviamos pensados em numero 2. Vou fazer a consulta. Ai, vamos tentar numero 1. Acho que numero 3 estah fora de cogitacao porque nao temos nada genetico.”

[Charles Clement envia o manuscrito para o Dr. R.B. Primack, editor da revista Biological Conservation]

Dear Dr. R.B. Primack,

We feel that this manuscript is suitable for Biological Conservation, but prefer to consult with you before submitting. This manuscript has not been submitted elsewhere. We plan to submit it as a Regular Paper. Although peach palm is a
rather specific topic, part of the analysis presented has implications for numerous other native South American crop wild relatives that are currently threatened by deforestation and poorly or not at all conserved ex situ.

[Dr. Primack gostou do que viu preliminarmente e prometeu resposta breve, que não foi favorável]

This manuscript looks like it may be suitable for BC. Please submit it, and we will take a look.
...[vejam a reação desfavorável abaixo]
Based on your initial description it seemed appropriate for Biological Conservation. However, this manuscript is largely a description of an attempt to locate populations of peach palm, and I therefore believe this paper would be better placed in a botanical journal or economic botany journal rather than Biological Conservation. I am returning it to you without refereeing so that you may submit to another journal quickly.

May I wish you every success in getting your paper published in the future should you decide to submit your work for publication elsewhere.

Yours sincerely,
Richard Primack, The Americas (Botanical) Editor
Biological Conservation


[Charles então teve a idéia de submeter a PLoS ONE]

Prezados, apos apanhar um pouco, consegui submeter nosso manuscrito a PLoS One. A revista eh acesso livre e relativamente nova, de forma que nao tem fator de impacto ainda, mas PLoS Biology tem fator 13 e PLoS Genetics tem fator 8. Ano que vem PLoS One terah fator de impacto tambem. Se nao voa estah vez, vou mandar onde temos alta chance, mesmo que o fator de impacto eh baixo: Genetic Resources and Crop Evolution - 0,7 ou Economic Botany - 0,5

Abrazos,

Charles R. Clement
charlesr.clement@yahoo.com.br


[Depois de algumas idas e vindas, finalmente o artigo foi aceito para publicação. Levou 4 meses e meio entre a submissão e o aceite para a publicação]

Dear Dr. Clement,

Thank you for the prompt attention to the revision. I am pleased to inform you that your manuscript has been deemed suitable for publication in PLoS ONE.
...
We are pleased to announce that your article entitled “Ecological Adaptation of Wild Peach Palm, Its In Situ Conservation and Deforestation-Mediated Extinction in Southern Brazilian Amazonia” will be published in PLoS ONE on Tuesday, February 24 with the press embargo ending at 5 p.m. Pacific Time (8 p.m. Eastern) on Monday, February 23. On publication, your paper will be available online at http://www.plosone.org/article/info:doi/10.1371/journal.pone.0004564


Resumo da história: o artigo está, a partir de hoje, disponível para todos os interessados lerem sem ter que pagar. Cliquem na figura inicial deste post. Comentem o mesmo.

Fotos: Evandro Ferreira@2004