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18 fevereiro 2009

DESAFIOS PARA A EFETIVIDADE DAS AÇÕES DE CONTROLE DA HANSENÍASE

A implantação dos esquemas poliquimioterápicos e a motivação pela eliminação na década de 1990 impulsionaram a precocidade do diagnóstico e resultaram em uma desaceleração de novos casos nas áreas com melhores índices de desenvolvimento humano e infraestrutura de serviços de saúde na região Sul e no estado de São Paulo

Maria Leide W. de Oliveira
Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro

A hanseníase é uma doença de longo período de incubação e evolução clínica insidiosa. O Mycobacterium leprae não leva seu hospedeiro à morte e parece ser uma bactéria atenuada, por exibir perda de sua carga genética, menor que a do Mycobacterium tuberculosis (Cole, 2001). Entretanto, preserva sua virulência ao penetrar na célula nervosa e tem alto potencial incapacitante. A adaptação ao homem e os mecanismos de persistência e tolerância permitem o acúmulo de milhões de bactérias, com sinais e sintomas inexpressivos nos indivíduos anérgicos.

Determinantes históricos e socioeconômicos, relacionados à ocupação de novos espaços geográficos no Brasil, podem explicar o grande contingente de pessoas infectadas, especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste (Magalhães, 2007).

Da mesma forma, tem-se a manutenção das iniqüidades sociais na região Nordeste e periferias de algumas metrópoles, áreas conhecidamente mais endêmicas no país. Assim, pessoas infectadas e infectantes sem tratamento se movem mantendo os elos da cadeia de transmissão. Um número significativo de infectados poderá adoecer em qualquer momento de suas vidas. Portanto, mesmo já se observando redução na intensidade de produção de novos casos no Brasil a queda do coeficiente de detecção geral será lenta (Penna, 2008).

A captação precoce desses casos, antes que haja evolução para as formas multibacilares, propiciaria a redução da prevalência oculta (que mantêm fontes de infecção), de pessoas com seqüelas físicas e sociais da doença e da geração de novos casos.

A prevalência oculta é um tema de interesse da vigilância epidemiológica da hanseníase. O diagnóstico tardio está relacionado à presença de deformidades na detecção, o que tem sido utilizado para estimá-la (Ferreira et al., 2000; Gil & Lombardi, 2000) com alguns possíveis vieses relacionados à qualidade dessa avaliação.

Com a mesma finalidade, alguns autores propunham a forma Indeterminada no passado e, mais recentemente, o percentual de casos diagnosticados com lesão única, ambos também passíveis de problemas operacionais, embora envolvendo procedimentos mais simples que os anteriores, na esfera local (Ignotti et al., 2004).

Um dos exemplos de observação do comportamento endêmico da hanseníase tem sido a Noruega, onde o esgotamento do reservatório humano de infectados ocorreu lentamente, finalizando com o adoecimento apenas de idosos, infectados remotamente (Irgens & Skjaerven, 1985).

O deslocamento da idade (de crianças e jovens para adultos e idosos) indica infecção remota e esgotamento de indivíduos infectados. Quanto mais precoce o aparecimento da hanseníase, mais próximo deve estar esse doente da sua fonte de transmissão. Portanto, o fato de 8% dos casos novos detectados no período de 2000 a 2007 terem ocorrido em menores de 15 anos de idade no Brasil indica a existência de focos ativos de transmissão da doença em algumas regiões do país (www.saude.gov.br/svs).

O Programa Nacional de Controle da Hanseníase (Departamento de Vigilância Epidemiológica/Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde) elege o indicador coeficiente de detecção em menores de 15 anos de idade para monitorar a endemia no país em 2007, ousando inseri-lo no Plano de Aceleração do Crescimento (Brasil, 2008), com meta de redução de 10% ao final do plano.

Essa iniciativa, somente possível após 20 anos de implantação da poliquimioterapia e municipalização das ações de controle, impõe a focalização da doença e agilidade no desempenho de medidas de vigilância epidemiológica.

Estas incluem, dentre outras, a completitude e crítica dos dados de notificação de caso e o exame dos respectivos contatos, visando a interrupção das fontes de infecção. Uma questão observada em relação ao exame de contatos refere-se ao rendimento de um único exame, especialmente em se tratando de diagnóstico precoce do caso índice, quando ainda não houve tempo suficiente para a ocorrência ou não da doença entre os infectados. A vacinação BCG de reforço poderia, então, atuar na potencialização da resposta desse contato infectado, especialmente naqueles com background para as formas multibacilares, assim, novas fontes de infecção, em que pesem as controvérsias a respeito dessa proteção (Barreto, 2006).

Seguindo essa perspectiva, a manutenção do Brasil, único país a adotar a dose BCG de reforço entre os países mais endêmicos, poderia talvez ser explicada pela baixa cobertura do exame de contatos e, conseqüentemente, dessa dose de reforço. Merece ressalva a vacinação escolar de BCG, por quase uma década, pelo Programa de Controle da Tuberculose, e a alta cobertura de BCG, no primeiro mês de vida.

Uma intrigante discussão atual diz respeito às evidências de que em indivíduos infectados, com resposta imune-celular competente, a vacinação pode encurtar o período de incubação da doença e até induzir a produção de novos casos, numa fase inicial (Düppre, 2008).

Recentemente, outros fatores têm sido relacionados a esse efeito como a utilização da geração de drogas estimuladoras de fator de necrose tumoral (TNF), citocina conhecida como indutora de resposta efetiva contra o M. leprae (Scollard, 2006), assim, como, de forma similar, a terapêutica anti-retroviral para Aidas e o interferon peguilato para hepatites, além do efeito desencadeador de quadros clínicos reacionais por co-morbidades como hepatites (Pignataro, 2004; Rego et al., 2007).

Uma das peculiaridades da hanseníase está na abrangência dos cuidados exigidos ao seu portador, cujas demandas assistenciais vão da atenção básica à média e à alta complexidades. Além disso, demandas diversas podem persistir no período de pós-alta terapêutica, em cerca de 30% dos casos, como pode ser visto no artigo de Minas Gerais a seguir.

Tangenciando todas essas questões mais relacionadas à doença, há o componente da gestão desses cuidados, nas três instâncias administrativas do Sistema Único de Saúde (SUS), e que foram a motivação para a maioria dos estudos apresentados nesse número dos Cadernos Saúde Coletiva.

Realmente, os esforços das políticas pós-implantação dos esquemas poliquimioterápicos, na década de 1980 e até a motivação pela eliminação na década de 1990, impulsionaram a precocidade do diagnóstico. Um aspecto importante tem sido a difusão da cura da doença e desmistificação associada à terminologia lepra. No Brasil, embora ainda longe do ideal, já é possível observar aproximação da real incidência da doença em algumas áreas onde há um bom desempenho da captação de casos e tratamento da doença. Com isso já pode ser observada uma desaceleração na produção de casos novos nas áreas de endemia mais antiga, com melhores índices de desenvolvimento humano e melhor infraestrutura de serviços de saúde (regiões Sul e estado de São Paulo). Da mesma forma, mas em menor escala, a desaceleração pode ser vista como resultante de um esforço contínuo das ações estaduais de controle nos últimos 20 anos em estados como Acre e Amazonas. Porém, o impacto alcançado na incidência da hanseníase, em todo o mundo é aquém do esperado (Meima, 2004).

Trata-se, portanto, de um desafio hercúleo para técnicos, gestores e sociedade organizada no enfrentamento de problemas estruturais e processos que garantam a efetividade das medidas de controle, especialmente considerando a situação das regiões mais endêmicas e o comportamento da doença.

*Artigo originalmente publicado na revista 'Cadernos de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 16(2): 141-146, 2008.