DISCRIMINAÇÃO CONTRA PORTADORES DA DOENÇA DE CHAGAS
Associações de pacientes se unem para combater preconceitos e reivindicar
Ricardo Valverde
O Simpósio Internacional Comemorativo da Descoberta da Doença de Chagas discutiu novidades a respeito de fármacos, tratamentos, vacinas e outras abordagens científicas de ponta. Mas também serviu de palco para que os pacientes chagásicos, em geral pessoas pobres e que enfrentam preconceitos, transmitissem o seu recado e apresentassem a luta que travam contra a enfermidade. As duas associações de pacientes presentes ao evento anunciaram a organização, em outubro, de uma reunião que dará partida à constituição de uma federação que congregará as instituições, que se mantêm com dificuldades.
A cozinheira Amélia Bispo Nascimento: “Dona Amélia Pidona” (Foto: Gutemberg Brito/IOC)
A cozinheira Amélia Bispo Nascimento dos Santos, de 60 anos, que descobriu ser paciente da doença de Chagas há 15 anos, é uma das fundadoras da Associação dos Chagásicos da Grande São Paulo (Achagrasp) e sua atual presidente. Ao se referir às dificuldades da associação e aos sucessivos pedidos de ajuda para a manutenção da Achagrasp, ela diz que é conhecida em sua vizinhança como “Dona Amélia Pidona”.
Baiana de Salvador, Amélia mora em São Paulo há 32 anos, onde é funcionária da prefeitura da capital. Ela acredita ter sido picada por um barbeiro após os 14 ou 15 anos de idade, época em que passou a frequentar um sítio, de propriedade de parentes, em Aramari, um distrito rural do município de Alagoinhas (BA). “Meus tios e primos faziam questão da minha presença constante. E foi em uma dessas visitas, em que eu costumava ficar na casa de farinha do sítio e dormia no chão, que imagino ter sido picada pelo inseto”, lembra ela. Amélia diz que nunca apresentou sintomas da doença – o que é comum na fase crônica – e somente descobriu teve a enfermidade diagnosticada aos 45 anos, quando se submeteu a uma cirurgia para retirar um mioma. “O médico que me atendeu achou estranho, pois o mioma estava inchado, o que não é comum. Então ele pediu que eu fizesse exames de sorologia para Chagas, o que confirmou que eu tenho a doença. Foi um choque, porque jamais suspeitei disso”.
Antes mesmo da cirurgia, Amélia foi encaminhada ao Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, referência para doença de Chagas em São Paulo. Ao participar de um encontro de pacientes, ela decidiu atender ao chamado da coordenadora do grupo, uma assistente social, que precisava de um voluntário para fazer anotações da reunião. “Como ninguém se apresentou, eu me ofereci e há dez anos estou na associação, sendo seis anos como presidente”. Depois desse tempo, Amélia venceu a timidez e passou a participar de eventos sobre doença de Chagas em todo o Brasil. “Aprendi a conviver com médicos, a me apresentar, até a me vestir melhor”, afirma a cozinheira, que faz questão de dizer que está “solteiríssima”. Sobre Carlos Chagas, Amélia diz que ele foi “o cara” e que, se tivesse vivido mais tempo, “teria encontrado a cura para a enfermidade”.
O médico Wilson Oliveira Junior, chefe do Ambulatório de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), da Universidade de Pernambuco (UPE), afirma que ainda existe muito preconceito contra os pacientes da moléstia. “Por isso, é fundamental que as associações se congreguem, para ficar mais fortes, e dessa forma favoreçam o surgimento de congêneres Brasil afora”, diz Oliveira, que anuncia para outubro a organização de um encontro, em Uberaba, que reunirá a Achagrasp, a Associação dos Portadores de Doença de Chagas (Apedecin) – formada por pacientes do Huoc – e da associação de Campinas, a Achacamp.
Para conscientizar, o Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em Pernambuco, lançou o cordel 'A doença de Chagas' (Foto: Peter Ilicciev/CCS)
Segundo Oliveira, o ambulatório pernambucano, com 22 anos de atuação, tem 1.850 cadastrados e se tornou a sede da primeira associação de chagásicos em todo o mundo. “Entre as doenças negligenciadas, a de Chagas é extremamente negligenciada e acomete pessoas que em sua grande maioria são totalmente desamparadas. Dos cadastrados no Huoc, 85% são analfabetos e quase 100% sobrevivem com menos de um salário-mínimo por mês. São pacientes sem voz e que precisam se unir para reivindicar seus direitos”, observa Oliveira. No momento ele está também envolvido com o Projeto Mestre Salustiano, que prevê o fornecimento gratuito dos medicamentos necessários aos portadores de miocardiopatia chagásica e homenageia o rebequeiro que foi paciente do Huoc e morreu em agosto de 2008.
Para melhor conscientizar e informar, o ambulatório do Huoc lançou recentemente o cordel A doença de Chagas, escrito pelo cardiologista paraibano Fernando Lianza Dias. O trabalho, com 14 páginas, tem versos como:
O Trypanosoma cruzi
É o causador da doença
E embora bem pequeno
Pode causar muita ofensa
O pequeno parasita
Sai nas fezes do barbeiro
Que ele elimina depois
De picar alguém primeiro
Ricardo Valverde
O Simpósio Internacional Comemorativo da Descoberta da Doença de Chagas discutiu novidades a respeito de fármacos, tratamentos, vacinas e outras abordagens científicas de ponta. Mas também serviu de palco para que os pacientes chagásicos, em geral pessoas pobres e que enfrentam preconceitos, transmitissem o seu recado e apresentassem a luta que travam contra a enfermidade. As duas associações de pacientes presentes ao evento anunciaram a organização, em outubro, de uma reunião que dará partida à constituição de uma federação que congregará as instituições, que se mantêm com dificuldades.
A cozinheira Amélia Bispo Nascimento: “Dona Amélia Pidona” (Foto: Gutemberg Brito/IOC)
A cozinheira Amélia Bispo Nascimento dos Santos, de 60 anos, que descobriu ser paciente da doença de Chagas há 15 anos, é uma das fundadoras da Associação dos Chagásicos da Grande São Paulo (Achagrasp) e sua atual presidente. Ao se referir às dificuldades da associação e aos sucessivos pedidos de ajuda para a manutenção da Achagrasp, ela diz que é conhecida em sua vizinhança como “Dona Amélia Pidona”.
Baiana de Salvador, Amélia mora em São Paulo há 32 anos, onde é funcionária da prefeitura da capital. Ela acredita ter sido picada por um barbeiro após os 14 ou 15 anos de idade, época em que passou a frequentar um sítio, de propriedade de parentes, em Aramari, um distrito rural do município de Alagoinhas (BA). “Meus tios e primos faziam questão da minha presença constante. E foi em uma dessas visitas, em que eu costumava ficar na casa de farinha do sítio e dormia no chão, que imagino ter sido picada pelo inseto”, lembra ela. Amélia diz que nunca apresentou sintomas da doença – o que é comum na fase crônica – e somente descobriu teve a enfermidade diagnosticada aos 45 anos, quando se submeteu a uma cirurgia para retirar um mioma. “O médico que me atendeu achou estranho, pois o mioma estava inchado, o que não é comum. Então ele pediu que eu fizesse exames de sorologia para Chagas, o que confirmou que eu tenho a doença. Foi um choque, porque jamais suspeitei disso”.
Antes mesmo da cirurgia, Amélia foi encaminhada ao Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, referência para doença de Chagas em São Paulo. Ao participar de um encontro de pacientes, ela decidiu atender ao chamado da coordenadora do grupo, uma assistente social, que precisava de um voluntário para fazer anotações da reunião. “Como ninguém se apresentou, eu me ofereci e há dez anos estou na associação, sendo seis anos como presidente”. Depois desse tempo, Amélia venceu a timidez e passou a participar de eventos sobre doença de Chagas em todo o Brasil. “Aprendi a conviver com médicos, a me apresentar, até a me vestir melhor”, afirma a cozinheira, que faz questão de dizer que está “solteiríssima”. Sobre Carlos Chagas, Amélia diz que ele foi “o cara” e que, se tivesse vivido mais tempo, “teria encontrado a cura para a enfermidade”.
O médico Wilson Oliveira Junior, chefe do Ambulatório de Doença de Chagas e Insuficiência Cardíaca do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), da Universidade de Pernambuco (UPE), afirma que ainda existe muito preconceito contra os pacientes da moléstia. “Por isso, é fundamental que as associações se congreguem, para ficar mais fortes, e dessa forma favoreçam o surgimento de congêneres Brasil afora”, diz Oliveira, que anuncia para outubro a organização de um encontro, em Uberaba, que reunirá a Achagrasp, a Associação dos Portadores de Doença de Chagas (Apedecin) – formada por pacientes do Huoc – e da associação de Campinas, a Achacamp.
Para conscientizar, o Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em Pernambuco, lançou o cordel 'A doença de Chagas' (Foto: Peter Ilicciev/CCS)
Segundo Oliveira, o ambulatório pernambucano, com 22 anos de atuação, tem 1.850 cadastrados e se tornou a sede da primeira associação de chagásicos em todo o mundo. “Entre as doenças negligenciadas, a de Chagas é extremamente negligenciada e acomete pessoas que em sua grande maioria são totalmente desamparadas. Dos cadastrados no Huoc, 85% são analfabetos e quase 100% sobrevivem com menos de um salário-mínimo por mês. São pacientes sem voz e que precisam se unir para reivindicar seus direitos”, observa Oliveira. No momento ele está também envolvido com o Projeto Mestre Salustiano, que prevê o fornecimento gratuito dos medicamentos necessários aos portadores de miocardiopatia chagásica e homenageia o rebequeiro que foi paciente do Huoc e morreu em agosto de 2008.
Para melhor conscientizar e informar, o ambulatório do Huoc lançou recentemente o cordel A doença de Chagas, escrito pelo cardiologista paraibano Fernando Lianza Dias. O trabalho, com 14 páginas, tem versos como:
O Trypanosoma cruzi
É o causador da doença
E embora bem pequeno
Pode causar muita ofensa
O pequeno parasita
Sai nas fezes do barbeiro
Que ele elimina depois
De picar alguém primeiro
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