DOPAMINA, A CHAVE PARA A MEMÓRIA
Lembrança apagada - Ratos que receberam substância que inibe ação da dopamina se esquecem de evento traumático
[Experimentos realizados na PUCRS com ratos de laboratório como o da foto comprovaram que a dopamina tem papel central no armazenamento de memória de longo prazo (foto: Flickr)]
Um estudo feito por neurocientistas brasileiros e argentinos confirmou que a dopamina tem papel central no armazenamento durável das memórias de longo prazo. Ratos que tiveram injetada no cérebro uma substância capaz de inibir a ação desse neurotransmissor tiveram apagada a memória de um evento traumático ao qual tinham sido submetidos.
O resultado ajuda a entender a formação e durabilidade das memórias de longo prazo e abre as portas para que, um dia, os impactos de lembranças ruins possam ser atenuados. O estudo, publicado esta semana na revista Science, foi realizado por uma equipe do Centro de Memória do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) liderada por Martín Cammarota.
O grupo conduziu testes com 1.700 ratos. Para criar nos animais uma memória traumática, eles foram submetidos a choques (fortes ou fracos) ao pisar em barras de bronze eletrificadas no fundo de uma caixa de vidro.
Em seguida, os roedores que haviam sofrido o choque forte receberam injeções no cérebro de antagonistas do receptor para dopamina, ou seja, capazes de inibir a ação desse neurotransmissor. Os animais que haviam sofrido o choque fraco receberam doses de agonistas desse neuroreceptor, capazes de estimular sua ação.
As drogas foram injetadas imediatamente após o choque, nove ou 12 horas depois. Nos dias seguintes, os pesquisadores testaram se a memória traumática persistia com um teste simples: os ratos eram colocados novamente na caixa de vidro. Os animais que ainda se lembravam do choque relutavam em pisar no fundo do recipiente.
Os neurocientistas suspeitavam que a dopamina e seus receptores tinham ação direta sobre a durabilidade das memórias de longo prazo. Eles esperavam que incentivar a ação desse neurotransmissor deveria aumentar a persistência dessas memórias nos ratos, e que inibi-la poderia levar a um efeito contrário. Não deu outra.
Persistência da memória
Os animais que receberam antagonistas dopaminérgicos imediatamente ou nove horas após o trauma não tiveram qualquer alteração no período de retenção da memória. Já aqueles que receberam a droga 12 horas depois do treinamento já não se lembravam mais do choque uma semana após o teste. Nos ratos de controle, que não haviam recebido qualquer injeção, a lembrança do choque forte persistiria por duas semanas.
Já os animais que receberam injeções de agonistas dopaminérgicos 12 horas após o choque retiveram a lembrança por até 14 dias. Novamente, a durabilidade da memória foi alterada: os animais de controle esqueceram o choque fraco em dois dias ou menos.
Para Martín Cammarota, os resultados demonstram a importância da dopamina para o armazenamento da memória de longo prazo. “Isso pode ter implicações profundas na produção de fármacos e no tratamento de comportamentos compulsivos e relacionados com o vício”, avalia.
Mas o neurocientista refuta a perspectiva de que um dia se crie um método para apagar lembranças específicas, como se vê no filme Brilho eterno de uma mente sem lembrança. “Se apagar significa deixar um buraco no lugar da memória, isso não vai ser possível”, pondera. “Creio que poderemos diminuir o impacto da memória conjugando tratamento farmacológico e psiquiátrico. Isso não está longe.”
Seja como for, Cammarota frisa que os resultados publicados por sua equipe esta semana permitem apenas aumentar o conhecimento dos cientistas sobre os processos de consolidação e persistência da memória, sem maiores implicações práticas por enquanto.
Testes com humanos iguais aos realizados com os ratos não estão nos planos da equipe da PUCRS, que inclui ainda os neurocientistas Janine Rossato, Lia Bevilaqua, Iván Izquierdo e Jorge Medina. Cammarota afirma, entretanto, que o grupo pretende estudar o efeito de fármacos de fundo dopaminérgico – como antidepressivos e antipsicóticos – sobre a persistência da memória.
Raquel Oliveira
Ciência Hoje On-line
[Experimentos realizados na PUCRS com ratos de laboratório como o da foto comprovaram que a dopamina tem papel central no armazenamento de memória de longo prazo (foto: Flickr)]
Um estudo feito por neurocientistas brasileiros e argentinos confirmou que a dopamina tem papel central no armazenamento durável das memórias de longo prazo. Ratos que tiveram injetada no cérebro uma substância capaz de inibir a ação desse neurotransmissor tiveram apagada a memória de um evento traumático ao qual tinham sido submetidos.
O resultado ajuda a entender a formação e durabilidade das memórias de longo prazo e abre as portas para que, um dia, os impactos de lembranças ruins possam ser atenuados. O estudo, publicado esta semana na revista Science, foi realizado por uma equipe do Centro de Memória do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) liderada por Martín Cammarota.
O grupo conduziu testes com 1.700 ratos. Para criar nos animais uma memória traumática, eles foram submetidos a choques (fortes ou fracos) ao pisar em barras de bronze eletrificadas no fundo de uma caixa de vidro.
Em seguida, os roedores que haviam sofrido o choque forte receberam injeções no cérebro de antagonistas do receptor para dopamina, ou seja, capazes de inibir a ação desse neurotransmissor. Os animais que haviam sofrido o choque fraco receberam doses de agonistas desse neuroreceptor, capazes de estimular sua ação.
As drogas foram injetadas imediatamente após o choque, nove ou 12 horas depois. Nos dias seguintes, os pesquisadores testaram se a memória traumática persistia com um teste simples: os ratos eram colocados novamente na caixa de vidro. Os animais que ainda se lembravam do choque relutavam em pisar no fundo do recipiente.
Os neurocientistas suspeitavam que a dopamina e seus receptores tinham ação direta sobre a durabilidade das memórias de longo prazo. Eles esperavam que incentivar a ação desse neurotransmissor deveria aumentar a persistência dessas memórias nos ratos, e que inibi-la poderia levar a um efeito contrário. Não deu outra.
Persistência da memória
Os animais que receberam antagonistas dopaminérgicos imediatamente ou nove horas após o trauma não tiveram qualquer alteração no período de retenção da memória. Já aqueles que receberam a droga 12 horas depois do treinamento já não se lembravam mais do choque uma semana após o teste. Nos ratos de controle, que não haviam recebido qualquer injeção, a lembrança do choque forte persistiria por duas semanas.
Já os animais que receberam injeções de agonistas dopaminérgicos 12 horas após o choque retiveram a lembrança por até 14 dias. Novamente, a durabilidade da memória foi alterada: os animais de controle esqueceram o choque fraco em dois dias ou menos.
Para Martín Cammarota, os resultados demonstram a importância da dopamina para o armazenamento da memória de longo prazo. “Isso pode ter implicações profundas na produção de fármacos e no tratamento de comportamentos compulsivos e relacionados com o vício”, avalia.
Mas o neurocientista refuta a perspectiva de que um dia se crie um método para apagar lembranças específicas, como se vê no filme Brilho eterno de uma mente sem lembrança. “Se apagar significa deixar um buraco no lugar da memória, isso não vai ser possível”, pondera. “Creio que poderemos diminuir o impacto da memória conjugando tratamento farmacológico e psiquiátrico. Isso não está longe.”
Seja como for, Cammarota frisa que os resultados publicados por sua equipe esta semana permitem apenas aumentar o conhecimento dos cientistas sobre os processos de consolidação e persistência da memória, sem maiores implicações práticas por enquanto.
Testes com humanos iguais aos realizados com os ratos não estão nos planos da equipe da PUCRS, que inclui ainda os neurocientistas Janine Rossato, Lia Bevilaqua, Iván Izquierdo e Jorge Medina. Cammarota afirma, entretanto, que o grupo pretende estudar o efeito de fármacos de fundo dopaminérgico – como antidepressivos e antipsicóticos – sobre a persistência da memória.
Raquel Oliveira
Ciência Hoje On-line
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