PERSPECTIVAS DA AGRICULTURA TROPICAL
Especialistas discutem os rumos do setor agrícola brasileiro, evidenciando o papel dos avanços científicos recentes na busca por uma produção em harmonia com o meio ambiente
Por Thiago Romero
Agência FAPESP – O que a ciência pode fazer para ajudar o Brasil e o mundo a enfrentar os desafios da agricultura tropical? A pergunta foi feita no início do Seminário Internacional “Os Desafios da Agricultura Tropical” por Jacques Marcovitch, presidente do Conselho Administrativo da Fundação Bunge. O evento, promovido pela FAPESP e pela Fundação Bunge, integrou o Prêmio Fundação Bunge 2009, que neste ano premiou profissionais das áreas de Agricultura e Pintura.
Cientistas e docentes de diversas regiões do país presentes no evento realizado nesta terça-feira (15/9), na sede da FAPESP, em São Paulo, deram contribuições importantes para tentar responder à questão, que foi detalhada pelo próprio Marcovitch.
“Devemos olhar para a agricultura do presente pensando no futuro, porque nele se projetam as metas de 2030 e 2050, quando os dados estatísticos indicam que deveremos dobrar a produção de alimentos em escala mundial”, disse o também professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP).
“Ao mesmo tempo, o aumento da produção de alimentos não deve nos preocupar somente em 2030. Os estoques de alimentos de 2009, por exemplo, já estão 70% abaixo da média dos últimos dez anos, o que mostra que o tema é extremamente atual”, disse.
Segundo o engenheiro agrônomo Rodolfo Augusto Sánchez, da Universidade de Buenos Aires, na Argentina, para satisfazer a demanda de alimentos em todo o mundo em 2025 será preciso aumentar o rendimento dos cultivos dos países tradicionalmente agrícolas em 1,3% anualmente até lá.
“O aumento dessa produção em novas áreas poderá trazer vantagens, mas também muitos riscos. Se conseguirmos elevar o rendimento de culturas como a soja por hectare sofreremos menos pressão internacional, devido a uma atitude mais conservadora em relação ao meio ambiente”, apontou.
O professor Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, do Departamento de Ciências do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, ganhador do Prêmio Fundação Bunge na área de Agricultura Tropical na categoria Juventude, chamou a atenção da plateia para a possibilidade de o setor agrícola ser um potencial mitigador do aquecimento global.
“Algumas fontes de emissão de gases de efeito estufa podem ser trabalhadas pela agricultura tropical, o que contribuiria para a diminuição dos efeitos do aquecimento do planeta”, afirmou, referindo-se a três gases que estão mais diretamente associados às atividades agropecuárias: metano (CH4), dióxido de carbono (CO2) e óxido nitroso (N2O).
Cerri destacou que a agropecuária e as mudanças de uso da terra respondem, juntas, por 22% do CO2 globalmente emitido na atmosfera, além da emissão de 55% de metano e 80% de óxido nitroso em todo o mundo.
“No Brasil, 75% de todo o CO2 emitido do território nacional também são provenientes dessas duas fontes, proporções que são de 91% para o metano e de 94% para o óxido nitroso. Ajustar esses percentuais é um dos grandes desafios da agricultura tropical”, disse.
Mais conhecimento
O vencedor do prêmio em Agricultura Tropical na categoria Vida e Obra, João Lúcio Azevedo, também professor da Esalq, destacou em sua palestra os microrganismos e sua importância para a agricultura tropical. Azevedo comparou o número de espécies conhecidas e desconhecidas de diversos organismos para ilustrar o quanto ainda falta descobrir.
"Com relação a bactérias, por exemplo, são conhecidas apenas 4,7 mil espécies de um total estimado de mais de 40 mil existentes. Dos fungos, estima-se que somente uma parcela de 4,5% tenha sido catalogada. Isso porque, entre outras questões, acredita-se que as bactérias e fungos sejam prejudiciais à saúde dos animais e causem prejuízos às plantas. Apenas 1% desses organismos são patogênicos e os outros 99% podem ser extremamente úteis para a agricultura, apesar de ainda não serem conhecidos”, disse Azevedo, que também é coordenador de microbiologia do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA).
Adalberto Luis Val, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), ressaltou a falta de profissionais capacitados no Brasil para a identificação e catalogação de novas espécies da fauna e da flora, ainda que o país forme atualmente cerca de 10 mil doutores por ano.
“A biodiversidade brasileira é muito pouco conhecida. Um dos grandes problemas atuais no país é a carência de pessoal em sistemática e taxonomia, tanto de animais como de plantas. Isso nos remete a uma situação de não desenvolvimento de alternativas econômicas para a agricultura, como a identificação de novas espécies e variedades agrícolas que possam dar origem a novos mercados”, afirmou.
Investimento em pesquisa
Celso Lafer, presidente da FAPESP, na abertura do evento, falou sobre os investimentos sucessivos da Fundação em estudos relacionados a ciências agrárias. "Essa área recebeu em 2008 recursos da ordem de R$ 52,6 milhões, que correspondem a 8,25% do investimento total da FAPESP naquele ano. De 2004 a 2008, a Fundação destinou às ciências agrárias quase R$ 200 milhões e, nos últimos 17 anos, de 1992 a 2009, contratou, em bolsas e auxílios nas diversas modalidades e linhas de fomento, 14.590 projetos na área”, disse.
Esses investimentos contribuíram para que, segundo outro participante do seminário, Eliseu Roberto de Andrade Alves, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), da qual foi e diretor-presidente de 1979 a 1985, a “ciência brasileira seja atualmente do tamanho do agronegócio do país”.
“Hoje, o agronegócio brasileiro vive uma fase plena e madura devido à capacidade histórica de a ciência apoiar o setor e vice-versa. E tanto a Fundação Bunge como a FAPESP têm grande contribuição nesse avanço do agronegócio brasileiro. Por isso, acredito que meio ambiente e agricultura podem e devem caminhar juntos para o bem do Brasil e da humanidade”, apontou.
Criado há 54 anos para incentivar a inovação em várias áreas do conhecimento, o Prêmio Bunge em sua edição 2009 anunciou ainda outros dois ganhadores em Pintura: Regina Silveira, na categoria Vida e Obra, e Rodrigo Cunha, na categoria Juventude.
A premiação será realizada no dia 16 de setembro, na Sala São Paulo. Os vencedores da categoria Vida e Obra receberão R$ 100 mil cada um, além de diplomas e medalhas. Já na categoria Juventude cada um dos escolhidos receberá R$ 40 mil, além de diplomas e medalhas.
Mais informações: www.fundacaobunge.org.br/site/premio_fundacao_bunge
(Foto: Eduardo Cesar)
Por Thiago Romero
Agência FAPESP – O que a ciência pode fazer para ajudar o Brasil e o mundo a enfrentar os desafios da agricultura tropical? A pergunta foi feita no início do Seminário Internacional “Os Desafios da Agricultura Tropical” por Jacques Marcovitch, presidente do Conselho Administrativo da Fundação Bunge. O evento, promovido pela FAPESP e pela Fundação Bunge, integrou o Prêmio Fundação Bunge 2009, que neste ano premiou profissionais das áreas de Agricultura e Pintura.
Cientistas e docentes de diversas regiões do país presentes no evento realizado nesta terça-feira (15/9), na sede da FAPESP, em São Paulo, deram contribuições importantes para tentar responder à questão, que foi detalhada pelo próprio Marcovitch.
“Devemos olhar para a agricultura do presente pensando no futuro, porque nele se projetam as metas de 2030 e 2050, quando os dados estatísticos indicam que deveremos dobrar a produção de alimentos em escala mundial”, disse o também professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP).
“Ao mesmo tempo, o aumento da produção de alimentos não deve nos preocupar somente em 2030. Os estoques de alimentos de 2009, por exemplo, já estão 70% abaixo da média dos últimos dez anos, o que mostra que o tema é extremamente atual”, disse.
Segundo o engenheiro agrônomo Rodolfo Augusto Sánchez, da Universidade de Buenos Aires, na Argentina, para satisfazer a demanda de alimentos em todo o mundo em 2025 será preciso aumentar o rendimento dos cultivos dos países tradicionalmente agrícolas em 1,3% anualmente até lá.
“O aumento dessa produção em novas áreas poderá trazer vantagens, mas também muitos riscos. Se conseguirmos elevar o rendimento de culturas como a soja por hectare sofreremos menos pressão internacional, devido a uma atitude mais conservadora em relação ao meio ambiente”, apontou.
O professor Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, do Departamento de Ciências do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, ganhador do Prêmio Fundação Bunge na área de Agricultura Tropical na categoria Juventude, chamou a atenção da plateia para a possibilidade de o setor agrícola ser um potencial mitigador do aquecimento global.
“Algumas fontes de emissão de gases de efeito estufa podem ser trabalhadas pela agricultura tropical, o que contribuiria para a diminuição dos efeitos do aquecimento do planeta”, afirmou, referindo-se a três gases que estão mais diretamente associados às atividades agropecuárias: metano (CH4), dióxido de carbono (CO2) e óxido nitroso (N2O).
Cerri destacou que a agropecuária e as mudanças de uso da terra respondem, juntas, por 22% do CO2 globalmente emitido na atmosfera, além da emissão de 55% de metano e 80% de óxido nitroso em todo o mundo.
“No Brasil, 75% de todo o CO2 emitido do território nacional também são provenientes dessas duas fontes, proporções que são de 91% para o metano e de 94% para o óxido nitroso. Ajustar esses percentuais é um dos grandes desafios da agricultura tropical”, disse.
Mais conhecimento
O vencedor do prêmio em Agricultura Tropical na categoria Vida e Obra, João Lúcio Azevedo, também professor da Esalq, destacou em sua palestra os microrganismos e sua importância para a agricultura tropical. Azevedo comparou o número de espécies conhecidas e desconhecidas de diversos organismos para ilustrar o quanto ainda falta descobrir.
"Com relação a bactérias, por exemplo, são conhecidas apenas 4,7 mil espécies de um total estimado de mais de 40 mil existentes. Dos fungos, estima-se que somente uma parcela de 4,5% tenha sido catalogada. Isso porque, entre outras questões, acredita-se que as bactérias e fungos sejam prejudiciais à saúde dos animais e causem prejuízos às plantas. Apenas 1% desses organismos são patogênicos e os outros 99% podem ser extremamente úteis para a agricultura, apesar de ainda não serem conhecidos”, disse Azevedo, que também é coordenador de microbiologia do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA).
Adalberto Luis Val, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), ressaltou a falta de profissionais capacitados no Brasil para a identificação e catalogação de novas espécies da fauna e da flora, ainda que o país forme atualmente cerca de 10 mil doutores por ano.
“A biodiversidade brasileira é muito pouco conhecida. Um dos grandes problemas atuais no país é a carência de pessoal em sistemática e taxonomia, tanto de animais como de plantas. Isso nos remete a uma situação de não desenvolvimento de alternativas econômicas para a agricultura, como a identificação de novas espécies e variedades agrícolas que possam dar origem a novos mercados”, afirmou.
Investimento em pesquisa
Celso Lafer, presidente da FAPESP, na abertura do evento, falou sobre os investimentos sucessivos da Fundação em estudos relacionados a ciências agrárias. "Essa área recebeu em 2008 recursos da ordem de R$ 52,6 milhões, que correspondem a 8,25% do investimento total da FAPESP naquele ano. De 2004 a 2008, a Fundação destinou às ciências agrárias quase R$ 200 milhões e, nos últimos 17 anos, de 1992 a 2009, contratou, em bolsas e auxílios nas diversas modalidades e linhas de fomento, 14.590 projetos na área”, disse.
Esses investimentos contribuíram para que, segundo outro participante do seminário, Eliseu Roberto de Andrade Alves, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), da qual foi e diretor-presidente de 1979 a 1985, a “ciência brasileira seja atualmente do tamanho do agronegócio do país”.
“Hoje, o agronegócio brasileiro vive uma fase plena e madura devido à capacidade histórica de a ciência apoiar o setor e vice-versa. E tanto a Fundação Bunge como a FAPESP têm grande contribuição nesse avanço do agronegócio brasileiro. Por isso, acredito que meio ambiente e agricultura podem e devem caminhar juntos para o bem do Brasil e da humanidade”, apontou.
Criado há 54 anos para incentivar a inovação em várias áreas do conhecimento, o Prêmio Bunge em sua edição 2009 anunciou ainda outros dois ganhadores em Pintura: Regina Silveira, na categoria Vida e Obra, e Rodrigo Cunha, na categoria Juventude.
A premiação será realizada no dia 16 de setembro, na Sala São Paulo. Os vencedores da categoria Vida e Obra receberão R$ 100 mil cada um, além de diplomas e medalhas. Já na categoria Juventude cada um dos escolhidos receberá R$ 40 mil, além de diplomas e medalhas.
Mais informações: www.fundacaobunge.org.br/site/premio_fundacao_bunge
(Foto: Eduardo Cesar)
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