ESTUDO APONTA CONCENTRAÇÃO DE TERRAS E DESMATAMENTO EM ASSENTAMENTOS DA REFORMA AGRÁRIA
...Ocorre uma degradação enorme, um alto índice de desmatamento, uma privatização acelerada com uma concentração fundiária e a sociedade não ganha nada com isso. Em termos de produção agrícola, nenhum dos assentamentos atende aos objetivos pelos quais foram criados....Em Porto Acre, o objetivo era criar um grande pólo de fornecimento de verduras e legumes para Rio Branco. No começo ele até produziu verduras, mas hoje produz gado mesmo
Por Bruno Calixto, Thais Iervolino, Aldrey Riechel, da Amazonia.org.br
Um estudo de pesquisadores da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, e da Universidade de Campinas (Unicamp) identificou uma relação entre assentamentos de Reforma Agrária na Amazônia com reconcentração fundiária e desmatamento.
O estudo, intitulado "Agrarian Structure and Land-cover Change Along the Lifespan of Three Colonization Areas in the Brazilian Amazon", analisou três projetos de assentamentos, nos municípios de Porto Acre (AC), Altamira (PA) e Santarém (PA). Segundo Thomas Ludewigs, um dos autores da pesquisa, a análise mostrou que existe uma relação com desmatamento nos três projetos.
"Ocorre uma degradação enorme, um alto índice de desmatamento, uma privatização acelerada com uma concentração fundiária onde a sociedade não ganha nada com isso. Em termos de produção agrícola, nenhum dos assentamentos atende aos objetivos pelos quais foram criados".
Para Thomas, a principal conclusão é a necessidade em se rever o modelo atual de reforma agrária. Um novo modelo deveria priorizar a qualidade da produção agrícola do assentamento e descentralizar a execução do processo que hoje está toda nas mãos do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Os assentamentos também precisam respeitar as questões ambientais. "É um absurdo que os assentamentos ainda não sejam licenciados ambientalmente. Não se pode ter o Incra fazendo uma coisa e o Ministério do Meio Ambiente falando outra", afirma.
O estudo pode ser adquirido na publicação científica World Development.
Confira a entrevista.
Amazonia.org.br - Você analisou três projetos de reforma agrária na Amazônia. Quais foram as principais conclusões?
Thomas Ludewigs - Uma conclusão importante foi verificar que a rotatividade resulta em uma reconcentração fundiária. Existe uma relação com o desmatamento em todos os três projetos, e também um processo de urbanização muito forte, que poucas pessoas apontam na literatura. Nos três assentamentos ocorre uma forte urbanização.
Só que existem particularidades em cada projeto de assentamento que fazem com que os processos sejam diferenciados. Então, por exemplo, em Porto Acre e em Altamira a gente vê que o principal fator que elevam o preço da terra é a demanda por pasto, enquanto que em Santarém é a terra para a soja.
Em Santarém sempre houve um índice alto de desigualdade, desde quando o Incra regularizou o assentamento ali e trouxe mais colonos, porque já havia uma ocupação irregular. Já havia uma grande concentração de uso da terra quando o assentamento começou oficialmente e ela continuou aumentando. Hoje é o local com maior desigualdade no acesso à terra, comparado com Altamira e com Porto Acre. Em Altamira foi onde a reconcentração de terra se deu mais forte.
Mas a maior conclusão do projeto é a necessidade de se rever modelos da reforma agrária, em função de uma série de fatores, principalmente dificuldade de acesso aos mercados. Em todos os assentamentos a gente vê que a dificuldade do acesso ao mercado é o principal fator que leva à rotatividade de lotes, concentração.
Tanto que hoje, em Altamira e em Porto Acre, se vê grandes fazendeiros dentro do assentamento, o que na verdade não tem nada a ver com os objetivos da reforma agrária, que é dar uma oportunidade para aquelas famílias que não têm terra. Isso é uma realidade em Santarém também.
Ocorre uma degradação enorme, um alto índice de desmatamento, uma privatização acelerada com uma concentração fundiária e a sociedade não ganha nada com isso. Em termos de produção agrícola, nenhum dos assentamentos atende aos objetivos pelos quais foram criados.
Amazonia.org.br - O que é essa rotatividade? Isso está relacionado às pessoas, à terra?
Thomas - Aos lotes. A gente sabe que existe uma lei do Incra que diz que quando o beneficiário da reforma agrária recebe o lote, ele não pode vender antes de receber o título. Este é dado após sete, oito, nove anos, depende de quando vier a maturidade do assentamento.
Mas eles acabam vendendo mesmo assim, porque o Incra não faz a parte dele, que é oferecer condições para que o colono fique nos lotes.
Serviços públicos como educação e saúde são muito precários. O acesso à comercialização também é muito precário e, por conta disso, os colonos acabam vendendo suas terras a preço de banana. E os fiscais do Incra fazem vista grossa, porque eles sabem que o Incra não fez a parte dele e acabam se apiedando, tendo pena das pessoas que estão ali e que não tem outra solução a não ser ganhar um pouco de dinheiro em função dos investimentos que fizeram no lote.
Mais para frente muitos acabam vendendo o lote em função da valorização. Depois de dez ou doze anos começa a vir investimento em infraestrutura, asfalto. A partir de então o preço da terra aumenta e a pessoa tem uma tentação de vender o lote e seguir mais adiante na fronteira ou ir para a cidade.
Amazonia.org.br - A privatização desses lotes é permitida?
Thomas - Oficialmente, não. A lei não permite. Eles fazem recibos informais na esperança que mais para frente eles consigam regularizar essas terras. Em alguns casos até se consegue regularizar os recibos informais de compra e venda em cartórios.
Dependendo do assentamento e da unidade regional do Incra, existe uma maior ou menor pressão dos fiscais para controlar e coibir essa negociação irregular. Mas na prática todo mundo sabe que essa venda é bem aceita, que há um mercado intenso de compra e venda.
Amazonia.org.br - E esse mercado resulta em concentração.
Thomas - Exato. Ele resulta na grande reconcentração de terras que compromete efetivação dos objetivos da reforma agrária.
Amazonia.org.br - Há, no artigo, alguns gráficos relacionando os lotes de assentamentos com desmatamento. O lote estimula a devastação?
Thomas - Isso é, na verdade, uma teoria abordada pela primeira vez pelo João Santos Campari. A tese de doutorado dele se chama "Desafiando a hipótese turnover". Turnover seria justamente a rotatividade.
Ele aborda o fato de que a rotatividade sozinha seria responsável pela maior parte do desmatamento. O Incra assenta o pequeno produtor, este coloca o pasto, a casa. Quando chega a infraestrutura - a estrada, a eletricidade - o preço da terra aumenta. Ele então vende para o grande pecuarista, que compra os lotes em volta e se forma uma propriedade maior, uma fazenda e acaba acontecendo reconcentração.
Ente fazendeiro provoca a consolidação de grandes fazendas de pecuária, provocando o desmatamento de grandes áreas. Só que isso explica parte do processo, que é muito mais complexo.
Muitos assentados do Incra são bem sucedidos e vão comprando dos vizinhos. Eles mesmos se tornam os fazendeiros. Isso é bem comum. Existem assentados que, independente de estarem aumentando a sua propriedade ou não, aos poucos vão desmatando a região. Então essa hipótese de rotatividade como fator principal do desmatamento não se verifica.
No entanto, existe uma correlação. O fato de estar correlacionado não quer dizer que tenha um efeito de causalidade. A gente não está dizendo que a rotatividade causa o desmatamento, mas que existe uma alta correlação. Nas três áreas de estudo existe uma alta correlação entre tamanho da propriedade e taxa de desmatamento.
Amazonia.org.br - Dá pra supor que o que acontece nesses três assentamentos também ocorre em todos os outros? Podemos generalizar os resultados?
Thomas - Esses três assentamentos são bastante representativos da região onde estão. Apenas no Acre a amostragem é um pouco menor. Então eu diria que tanto para Altamira quanto para Santarém os dados são bastante representativos.
No caso do Acre, fiz minha tese de doutorado lá. No tempo em que morei ali comparei os dados que estava obtendo com os dados de colegas dos assentamentos vizinhos e eu reparei que, por exemplo, no assentamento Pedro Peixoto, o segundo maior do Brasil, a reconcentração é muito maior do que no assentamento em que eu estava estudando. E também provavelmente vai ter uma alta correlação com o desmatamento.
Fazendo uma avaliação da bibliografia, o próprio Campari fez uma avaliação de reconcentração fundiária na área de colonização do Incra, e ele também chegou a esta conclusão. Ele estudou seis ou sete assentamentos no Mato Grosso e no Pará. Em todos os assentamentos houve altos índices de reconcentração.
Amazonia.org.br - Você falou que tem que haver uma mudança na estrutura agrária. Qual seria uma alternativa melhor?
Thomas - Em primeiro lugar eu acho que tem que se dar ênfase para uma questão de coerência. Por exemplo, é um absurdo que os assentamentos ainda não sejam licenciados ambientalmente. Não se pode ter o Incra fazendo uma coisa e o Ministério do Meio Ambiente falando outra.
A gente precisa de um modelo que realmente priorize não apenas a quantidade, que tenha como critério indicador não a quantidade de família assentadas, mas a qualidade da produção agrícola do assentamento.
E para isso é necessário condições, políticas públicas que permitam que essas famílias permaneçam. Uma condição que eu gostaria de frisar é a proximidade de áreas urbanas e estradas. É mais importante estar perto do asfalto do que o tamanho do lote.
Às vezes vale muito mais a pena um projeto como os polos agroflorestais do governo do Acre. Em volta de Rio Branco tem um projeto de assentamento em que cada produtor receba apenas cinco, seis hectares, mas esta pertinho do mercado, contribuindo para abastecer esse mercado com produtos agrícolas.
Outra questão importante são os incentivos econômicos para a produção sustentável. Uma das sugestões é uma política de taxação do produto. O setor rural paga pouco imposto territorial, mas isso deveria ser revisto, de forma que grandes propriedades que tenham uma baixa lotação por hectare pagassem imposto maior, enquanto aquelas propriedades que tenham uso da terra mais amigável com o meio ambiente tivessem a taxação menor, ou praticamente nenhuma. Incentivos desse tipo também são bastante importantes.
Amazonia.org.br - Você gostaria de destacar algo?
Thomas - Só mais uma coisa: é importante também a descentralização na execução do processo de reforma agrária, para não ficar tudo na mão do Incra. Essa é outra conclusão do artigo: está tudo concentrado no Incra. Há uma série de coisas a serem feitas e está claro que o Incra não dá conta sozinho.
A gente dá alguns exemplos no final do artigo dos sistemas de cooperação, chamada policentricidade, no qual o beneficiário atua com responsabilidade na gestão do projeto de assentamento. Ele deixa de ser apenas um receptor do benefício, passa a ter responsabilidade por manter uma parte daquilo que ele recebe. Por exemplo, forma uma comissão dos moradores para manter as estradas, pra participar e ver como é o nível das qualidades das escolas. Isso é cidadania mesmo.
(Envolverde/Amazônia.org.br)
Por Bruno Calixto, Thais Iervolino, Aldrey Riechel, da Amazonia.org.br
Um estudo de pesquisadores da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, e da Universidade de Campinas (Unicamp) identificou uma relação entre assentamentos de Reforma Agrária na Amazônia com reconcentração fundiária e desmatamento.
O estudo, intitulado "Agrarian Structure and Land-cover Change Along the Lifespan of Three Colonization Areas in the Brazilian Amazon", analisou três projetos de assentamentos, nos municípios de Porto Acre (AC), Altamira (PA) e Santarém (PA). Segundo Thomas Ludewigs, um dos autores da pesquisa, a análise mostrou que existe uma relação com desmatamento nos três projetos.
"Ocorre uma degradação enorme, um alto índice de desmatamento, uma privatização acelerada com uma concentração fundiária onde a sociedade não ganha nada com isso. Em termos de produção agrícola, nenhum dos assentamentos atende aos objetivos pelos quais foram criados".
Para Thomas, a principal conclusão é a necessidade em se rever o modelo atual de reforma agrária. Um novo modelo deveria priorizar a qualidade da produção agrícola do assentamento e descentralizar a execução do processo que hoje está toda nas mãos do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Os assentamentos também precisam respeitar as questões ambientais. "É um absurdo que os assentamentos ainda não sejam licenciados ambientalmente. Não se pode ter o Incra fazendo uma coisa e o Ministério do Meio Ambiente falando outra", afirma.
O estudo pode ser adquirido na publicação científica World Development.
Confira a entrevista.
Amazonia.org.br - Você analisou três projetos de reforma agrária na Amazônia. Quais foram as principais conclusões?
Thomas Ludewigs - Uma conclusão importante foi verificar que a rotatividade resulta em uma reconcentração fundiária. Existe uma relação com o desmatamento em todos os três projetos, e também um processo de urbanização muito forte, que poucas pessoas apontam na literatura. Nos três assentamentos ocorre uma forte urbanização.
Só que existem particularidades em cada projeto de assentamento que fazem com que os processos sejam diferenciados. Então, por exemplo, em Porto Acre e em Altamira a gente vê que o principal fator que elevam o preço da terra é a demanda por pasto, enquanto que em Santarém é a terra para a soja.
Em Santarém sempre houve um índice alto de desigualdade, desde quando o Incra regularizou o assentamento ali e trouxe mais colonos, porque já havia uma ocupação irregular. Já havia uma grande concentração de uso da terra quando o assentamento começou oficialmente e ela continuou aumentando. Hoje é o local com maior desigualdade no acesso à terra, comparado com Altamira e com Porto Acre. Em Altamira foi onde a reconcentração de terra se deu mais forte.
Mas a maior conclusão do projeto é a necessidade de se rever modelos da reforma agrária, em função de uma série de fatores, principalmente dificuldade de acesso aos mercados. Em todos os assentamentos a gente vê que a dificuldade do acesso ao mercado é o principal fator que leva à rotatividade de lotes, concentração.
Tanto que hoje, em Altamira e em Porto Acre, se vê grandes fazendeiros dentro do assentamento, o que na verdade não tem nada a ver com os objetivos da reforma agrária, que é dar uma oportunidade para aquelas famílias que não têm terra. Isso é uma realidade em Santarém também.
Ocorre uma degradação enorme, um alto índice de desmatamento, uma privatização acelerada com uma concentração fundiária e a sociedade não ganha nada com isso. Em termos de produção agrícola, nenhum dos assentamentos atende aos objetivos pelos quais foram criados.
Amazonia.org.br - O que é essa rotatividade? Isso está relacionado às pessoas, à terra?
Thomas - Aos lotes. A gente sabe que existe uma lei do Incra que diz que quando o beneficiário da reforma agrária recebe o lote, ele não pode vender antes de receber o título. Este é dado após sete, oito, nove anos, depende de quando vier a maturidade do assentamento.
Mas eles acabam vendendo mesmo assim, porque o Incra não faz a parte dele, que é oferecer condições para que o colono fique nos lotes.
Serviços públicos como educação e saúde são muito precários. O acesso à comercialização também é muito precário e, por conta disso, os colonos acabam vendendo suas terras a preço de banana. E os fiscais do Incra fazem vista grossa, porque eles sabem que o Incra não fez a parte dele e acabam se apiedando, tendo pena das pessoas que estão ali e que não tem outra solução a não ser ganhar um pouco de dinheiro em função dos investimentos que fizeram no lote.
Mais para frente muitos acabam vendendo o lote em função da valorização. Depois de dez ou doze anos começa a vir investimento em infraestrutura, asfalto. A partir de então o preço da terra aumenta e a pessoa tem uma tentação de vender o lote e seguir mais adiante na fronteira ou ir para a cidade.
Amazonia.org.br - A privatização desses lotes é permitida?
Thomas - Oficialmente, não. A lei não permite. Eles fazem recibos informais na esperança que mais para frente eles consigam regularizar essas terras. Em alguns casos até se consegue regularizar os recibos informais de compra e venda em cartórios.
Dependendo do assentamento e da unidade regional do Incra, existe uma maior ou menor pressão dos fiscais para controlar e coibir essa negociação irregular. Mas na prática todo mundo sabe que essa venda é bem aceita, que há um mercado intenso de compra e venda.
Amazonia.org.br - E esse mercado resulta em concentração.
Thomas - Exato. Ele resulta na grande reconcentração de terras que compromete efetivação dos objetivos da reforma agrária.
Amazonia.org.br - Há, no artigo, alguns gráficos relacionando os lotes de assentamentos com desmatamento. O lote estimula a devastação?
Thomas - Isso é, na verdade, uma teoria abordada pela primeira vez pelo João Santos Campari. A tese de doutorado dele se chama "Desafiando a hipótese turnover". Turnover seria justamente a rotatividade.
Ele aborda o fato de que a rotatividade sozinha seria responsável pela maior parte do desmatamento. O Incra assenta o pequeno produtor, este coloca o pasto, a casa. Quando chega a infraestrutura - a estrada, a eletricidade - o preço da terra aumenta. Ele então vende para o grande pecuarista, que compra os lotes em volta e se forma uma propriedade maior, uma fazenda e acaba acontecendo reconcentração.
Ente fazendeiro provoca a consolidação de grandes fazendas de pecuária, provocando o desmatamento de grandes áreas. Só que isso explica parte do processo, que é muito mais complexo.
Muitos assentados do Incra são bem sucedidos e vão comprando dos vizinhos. Eles mesmos se tornam os fazendeiros. Isso é bem comum. Existem assentados que, independente de estarem aumentando a sua propriedade ou não, aos poucos vão desmatando a região. Então essa hipótese de rotatividade como fator principal do desmatamento não se verifica.
No entanto, existe uma correlação. O fato de estar correlacionado não quer dizer que tenha um efeito de causalidade. A gente não está dizendo que a rotatividade causa o desmatamento, mas que existe uma alta correlação. Nas três áreas de estudo existe uma alta correlação entre tamanho da propriedade e taxa de desmatamento.
Amazonia.org.br - Dá pra supor que o que acontece nesses três assentamentos também ocorre em todos os outros? Podemos generalizar os resultados?
Thomas - Esses três assentamentos são bastante representativos da região onde estão. Apenas no Acre a amostragem é um pouco menor. Então eu diria que tanto para Altamira quanto para Santarém os dados são bastante representativos.
No caso do Acre, fiz minha tese de doutorado lá. No tempo em que morei ali comparei os dados que estava obtendo com os dados de colegas dos assentamentos vizinhos e eu reparei que, por exemplo, no assentamento Pedro Peixoto, o segundo maior do Brasil, a reconcentração é muito maior do que no assentamento em que eu estava estudando. E também provavelmente vai ter uma alta correlação com o desmatamento.
Fazendo uma avaliação da bibliografia, o próprio Campari fez uma avaliação de reconcentração fundiária na área de colonização do Incra, e ele também chegou a esta conclusão. Ele estudou seis ou sete assentamentos no Mato Grosso e no Pará. Em todos os assentamentos houve altos índices de reconcentração.
Amazonia.org.br - Você falou que tem que haver uma mudança na estrutura agrária. Qual seria uma alternativa melhor?
Thomas - Em primeiro lugar eu acho que tem que se dar ênfase para uma questão de coerência. Por exemplo, é um absurdo que os assentamentos ainda não sejam licenciados ambientalmente. Não se pode ter o Incra fazendo uma coisa e o Ministério do Meio Ambiente falando outra.
A gente precisa de um modelo que realmente priorize não apenas a quantidade, que tenha como critério indicador não a quantidade de família assentadas, mas a qualidade da produção agrícola do assentamento.
E para isso é necessário condições, políticas públicas que permitam que essas famílias permaneçam. Uma condição que eu gostaria de frisar é a proximidade de áreas urbanas e estradas. É mais importante estar perto do asfalto do que o tamanho do lote.
Às vezes vale muito mais a pena um projeto como os polos agroflorestais do governo do Acre. Em volta de Rio Branco tem um projeto de assentamento em que cada produtor receba apenas cinco, seis hectares, mas esta pertinho do mercado, contribuindo para abastecer esse mercado com produtos agrícolas.
Outra questão importante são os incentivos econômicos para a produção sustentável. Uma das sugestões é uma política de taxação do produto. O setor rural paga pouco imposto territorial, mas isso deveria ser revisto, de forma que grandes propriedades que tenham uma baixa lotação por hectare pagassem imposto maior, enquanto aquelas propriedades que tenham uso da terra mais amigável com o meio ambiente tivessem a taxação menor, ou praticamente nenhuma. Incentivos desse tipo também são bastante importantes.
Amazonia.org.br - Você gostaria de destacar algo?
Thomas - Só mais uma coisa: é importante também a descentralização na execução do processo de reforma agrária, para não ficar tudo na mão do Incra. Essa é outra conclusão do artigo: está tudo concentrado no Incra. Há uma série de coisas a serem feitas e está claro que o Incra não dá conta sozinho.
A gente dá alguns exemplos no final do artigo dos sistemas de cooperação, chamada policentricidade, no qual o beneficiário atua com responsabilidade na gestão do projeto de assentamento. Ele deixa de ser apenas um receptor do benefício, passa a ter responsabilidade por manter uma parte daquilo que ele recebe. Por exemplo, forma uma comissão dos moradores para manter as estradas, pra participar e ver como é o nível das qualidades das escolas. Isso é cidadania mesmo.
(Envolverde/Amazônia.org.br)
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