Google
Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

09 outubro 2009

A SAGA DOS BANDEIRANTES: O LOTEAMENTO DO INTERIOR DE MINAS GERAIS

Sertão mineiro loteado à força. Os índios eram inimigos na luta pelo território do ouro.

Maria Leônia Chaves de Resende
Revista de História da Biblioteca Nacional

As entradas para os sertões de Minas foram movidas por um tripé de interesses: o ouro e as pedras preciosas e, por extensão, a terra (para o plantio de roças e controle sobre passagens e rotas comerciais), e os índios (que se prestavam como mão-de-obra para a lavra mineral, agrícola ou como trabalhadores domésticos). Com esse objetivo, inúmeras expedições militares foram organizadas para avançarem pelo interior, cunhando várias designações: bandeiras, entradas, conquistas, descobrimentos, jornadas, partidas, companhias ou campanhas - todos termos que, tomados uns pelos outros e combinando vários objetivos, tiveram por propósito principal estender o domínio da Coroa Portuguesa sobre o território e conquistar a população nativa.

As bandeiras se tornaram particularmente intensas durante a segunda metade do século XVIII nas florestas do leste da capitania, um encrave entre Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia, quando pelo menos 79 expedições atravessaram a região, transformando a área em um verdadeiro cenário de operações militares.

A situação econômica de Minas, nessa época, apresentava-se como fonte de preocupação por causa da queda do ouro e dos quintos reais. E os territórios férteis ocupados pelas populações indígenas nômades, transformaram-se na esperança para a situação de penúria. Para alguns a região era fonte de novas riquezas minerais; para outros, terras para agricultura e pastoreio. Por isso, não sem razão, encontramos inúmeras referências aos índios como barreira natural ao desenvolvimento de Minas. Documentos da época carregaram tintas de horror sobre a índole dos indígenas, descritos como perigosos, traidores e canibais.

A partir dos anos de 1760, os governadores avançaram por “terras incógnitas ou proibidas”, como era referido nos mapas da época o vale do rio Doce, onde até então a Coroa havia proibido o acesso para tentar controlar os contrabandos do ouro. A região passou a ser a chave para salvar a capitania do declínio econômico e alvo de cobiça por causa de sua floresta frondosa, de suas terras férteis e da civilização dos índios. Para compensar o empreendimento, a Coroa concedia um lote de terras (sesmaria) como recompensa para aqueles que se arriscassem na aventura. Entre 1701 e 1836 foram concedidas 7.991 cartas de sesmaria, ou seja, um verdadeiro loteamento das terras nativas.

Essas terras fizeram a riqueza de muitos bandeirantes. Um bom exemplo foi Inácio Correia Pamplona que chegou a receber oito porções de terra totalizando 104 mil hectares. As batalhas que liderou para a conquista das terras caiapó foram das mais sangrentas já registradas.

Não demorou para que, distorcendo a realidade, os índios fossem tachados como “invasores”, o que justificou mais violência contra as populações indígenas. De fato, agiam em defesa própria, respondendo à ocupação de suas terras. É verdade que os povos nativos – Coroado, Puri, Botocudo, Kamakã, Pataxó, Panhame, Maxakali, entre outros – encontraram-se, ao final, em minoria de armas e homens, atacados por doenças e reduzidos a uma pequena área geográfica.

Os colonos queixavam-se das “invasões dos índios bárbaros”. Apelavam por medidas rigorosas. Em 1806, o governador Pedro Maria Xavier de Ataíde e Melo, em discurso inflamado em Vila Rica, institucionalizou de uma vez por todas a solução militar contra as populações indígenas. Na virada do século, a decisão acenava para um desfecho pungente e cruel. O príncipe regente D. João, recém-chegado ao Brasil, expedia a Carta Régia de 13 de maio de 1808. Nela, declarava oficialmente a Guerra contra os Botocudos.

Maria Leônia Chaves de Resende é professora de História da Universidade Federal de São João Del-Rei, e Autora da tese "Gentios Brasílicos: Índios coloniais em Minas Gerais Setecentista" (UNICAMP,2002).

* Artigo originalmente publicado na edição 34 da Revista de História da Biblioteca Nacional