TOMADAS E PLUGUES VÃO MUDAR
Jabuticaba elétrica
Carolina Romanini
Revista VEJA
Obrigar os brasileiros a seguir um novo padrão e trocar todas as tomadas da casa é uma intervenção estatal absurda, inútil e dispendiosa. Deus nos livre dos comitês...
Focinho de porco não é tomada", dizem os brasileiros quando querem sinalizar que alguém se deixou enganar pelas aparências e fez uma escolha errada. Agora, um comitê, e tem sempre um comitê a abrigar especialistas em tudo, menos em bom senso, tirou dos brasileiros essa frase. Uma comissão convocada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) decidiu que os brasileiros terão de trocar todas as tomadas de suas casas para se adaptar ao novo padrão, com três pinos. A nova tomada é uma espécie de jabuticaba elétrica. Seu formato só existirá no Brasil. Isso não é incomum. A Comissão Eletrotécnica Internacional (IEC) criou na década de 80 um modelo de plugue e tomada para servir de padrão mundial. Em vão. Não colou. Cada país tende a adotar um padrão próprio. As razões para isso são, quase sempre, as piores possíveis. Elas vão do nacionalismo ao gosto sádico dos comitês de interferir na vida privada dos cidadãos.
Há centenas de modelos de plugue e tomada, sendo os mais comuns aqueles com pinos redondos ou retangulares (na vertical). Diante disso, o Brasil decidiu contribuir para a confusão geral. A partir do início do próximo ano, torna-se obrigatório em produtos fabricados por aqui ou importados o uso de um padrão de plugues e tomadas diferente de tudo aquilo que se utiliza no mundo. O plano da ABNT e do Inmetro (órgão federal responsável pelo controle de qualidade industrial) é substituir todos os terminais elétricos vendidos no país até julho de 2011. Prevê-se que a completa adaptação das residências ao novo padrão elétrico demore até duas décadas.
De modo genérico, pode-se dizer que os pinos redondos são preferidos nas regiões nas quais predomina o fornecimento de eletricidade em 220 volts, como a Europa. O pino retangular é mais usado com a voltagem 110, daí sua popularidade na América do Norte. No Brasil, dependendo da cidade, o fornecimento pode ser em 220 ou 110 volts, ou ambos. A variação na voltagem decorre, basicamente, da decisão tomada pela empresa que instalou a rede elétrica no passado. Estima-se que se possam encontrar nas casas brasileiras por volta de quinze modelos de tomada. Há cerca de trinta anos foi implantada no país a tomada popularmente conhecida como "universal". Ela aceita tanto o pino redondo quanto o retangular e tem a simpatia geral – mas não do comitê encarregado de complicar a questão. "Não faltaram sugestões para que a universal fosse adaptada às exigências de maior segurança e se tornasse o padrão brasileiro", diz o engenheiro eletricista Hilton Moreno, que acompanhou de perto o processo de mudança. Mas a ideia foi rejeitada no comitê.
O padrão brasileiro será de pino redondo, independentemente da voltagem. Estima-se que 80% dos plugues usados no país sejam desse tipo. Mas nem todos servirão nos furos da nova tomada, cujo tamanho varia de acordo com a amperagem. Será necessário recorrer a um adaptador. Porém é bom ser rápido, pois o Inmetro não quer saber de facilitar a vida de ninguém e pretende proibir a venda de adaptadores dentro de três anos. A necessidade de maior segurança é o motivo alegado pela ABNT para a mudança da qual ninguém sentia falta. Em teoria, alguém pode tocar nos pinos de uma tomada e tomar um choque. Não há estatísticas sobre a frequência e a gravidades desse tipo de incidente. Mas, como o novo sistema inclui um plugue com terminal sextavado para ser encaixado numa tomada com concavidade, a possibilidade de um choque, que já era pequena, se tornou ainda mais rara. Esse problema, isoladamente, poderia ser resolvido apenas com a padronização da concavidade nas tomadas do tipo "universal", ou em quaisquer outras que fossem usadas por um grande número de países. Resolveria, também, se o isolante que já existe em grande parte dos plugues brasileiros (aquela capinha preta de plástico que vai até a metade dos pinos metálicos) se tornasse obrigatório. Enfim, teria sido possível resolver a questão da segurança sem a necessidade de obrigar ao incômodo e dispendioso processo da troca por um modelo que só existirá dentro das fronteiras nacionais.
Mas, se as coisas fossem assim tão fáceis e baratas, para que um comitê? Coisas estranhas foram elucubradas por seus membros. Uma delas é o plano de usar plugues e tomadas para mexer na balança comercial brasileira. Ao criar um modelo nacional, o comitê entendeu que isso seria uma forma de ampliar o mercado de eletroeletrônicos produzidos no Brasil. "Essa mudança sem dúvida beneficiará as empresas brasileiras", diz Alfredo Lobo, diretor de qualidade do Inmetro. É uma ideia interessante: longe de ser confundida com focinho de porco, a tomada jabuticaba deve ser vista como uma bandeira do protecionismo comercial. É igualmente razoável imaginar o efeito contrário. "O fato de os terminais elétricos brasileiros terem ficado diferentes dos existentes no resto do mundo cria um problema que não existia", diz o engenheiro eletricista Norberto Nery, do Instituto Mauá de Tecnologia. "Agora os aparelhos importados precisarão seguir o padrão brasileiro e os exportados precisarão ser adaptados às normas estrangeiras."
A substituição de todos os tipos de tomada pelo novo padrão acarretará transtornos homéricos na vida do brasileiro. A nova tomada tem dois tamanhos, de acordo com a amperagem, que é a quantidade de eletricidade que passa da instalação elétrica para o aparelho. Os plugues e tomadas de 10 ampères, menos potentes, têm o diâmetro de 4 milímetros, e os de 20 ampères, utilizados em aparelhos como micro-ondas, têm 4,8 milímetros. A adaptação só será possível e realmente segura se as redes elétricas das habitações passarem por uma reforma completa e bem planejada. É preciso agora instalar a fiação e tomadas específicas em locais estratégicos, onde já se prevê a instalação de um equipamento eletroeletrônico de consumo adequado para cada terminal. No final, sobrou para nós.
Carolina Romanini
Revista VEJA
Obrigar os brasileiros a seguir um novo padrão e trocar todas as tomadas da casa é uma intervenção estatal absurda, inútil e dispendiosa. Deus nos livre dos comitês...
Focinho de porco não é tomada", dizem os brasileiros quando querem sinalizar que alguém se deixou enganar pelas aparências e fez uma escolha errada. Agora, um comitê, e tem sempre um comitê a abrigar especialistas em tudo, menos em bom senso, tirou dos brasileiros essa frase. Uma comissão convocada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) decidiu que os brasileiros terão de trocar todas as tomadas de suas casas para se adaptar ao novo padrão, com três pinos. A nova tomada é uma espécie de jabuticaba elétrica. Seu formato só existirá no Brasil. Isso não é incomum. A Comissão Eletrotécnica Internacional (IEC) criou na década de 80 um modelo de plugue e tomada para servir de padrão mundial. Em vão. Não colou. Cada país tende a adotar um padrão próprio. As razões para isso são, quase sempre, as piores possíveis. Elas vão do nacionalismo ao gosto sádico dos comitês de interferir na vida privada dos cidadãos.
Há centenas de modelos de plugue e tomada, sendo os mais comuns aqueles com pinos redondos ou retangulares (na vertical). Diante disso, o Brasil decidiu contribuir para a confusão geral. A partir do início do próximo ano, torna-se obrigatório em produtos fabricados por aqui ou importados o uso de um padrão de plugues e tomadas diferente de tudo aquilo que se utiliza no mundo. O plano da ABNT e do Inmetro (órgão federal responsável pelo controle de qualidade industrial) é substituir todos os terminais elétricos vendidos no país até julho de 2011. Prevê-se que a completa adaptação das residências ao novo padrão elétrico demore até duas décadas.
De modo genérico, pode-se dizer que os pinos redondos são preferidos nas regiões nas quais predomina o fornecimento de eletricidade em 220 volts, como a Europa. O pino retangular é mais usado com a voltagem 110, daí sua popularidade na América do Norte. No Brasil, dependendo da cidade, o fornecimento pode ser em 220 ou 110 volts, ou ambos. A variação na voltagem decorre, basicamente, da decisão tomada pela empresa que instalou a rede elétrica no passado. Estima-se que se possam encontrar nas casas brasileiras por volta de quinze modelos de tomada. Há cerca de trinta anos foi implantada no país a tomada popularmente conhecida como "universal". Ela aceita tanto o pino redondo quanto o retangular e tem a simpatia geral – mas não do comitê encarregado de complicar a questão. "Não faltaram sugestões para que a universal fosse adaptada às exigências de maior segurança e se tornasse o padrão brasileiro", diz o engenheiro eletricista Hilton Moreno, que acompanhou de perto o processo de mudança. Mas a ideia foi rejeitada no comitê.
O padrão brasileiro será de pino redondo, independentemente da voltagem. Estima-se que 80% dos plugues usados no país sejam desse tipo. Mas nem todos servirão nos furos da nova tomada, cujo tamanho varia de acordo com a amperagem. Será necessário recorrer a um adaptador. Porém é bom ser rápido, pois o Inmetro não quer saber de facilitar a vida de ninguém e pretende proibir a venda de adaptadores dentro de três anos. A necessidade de maior segurança é o motivo alegado pela ABNT para a mudança da qual ninguém sentia falta. Em teoria, alguém pode tocar nos pinos de uma tomada e tomar um choque. Não há estatísticas sobre a frequência e a gravidades desse tipo de incidente. Mas, como o novo sistema inclui um plugue com terminal sextavado para ser encaixado numa tomada com concavidade, a possibilidade de um choque, que já era pequena, se tornou ainda mais rara. Esse problema, isoladamente, poderia ser resolvido apenas com a padronização da concavidade nas tomadas do tipo "universal", ou em quaisquer outras que fossem usadas por um grande número de países. Resolveria, também, se o isolante que já existe em grande parte dos plugues brasileiros (aquela capinha preta de plástico que vai até a metade dos pinos metálicos) se tornasse obrigatório. Enfim, teria sido possível resolver a questão da segurança sem a necessidade de obrigar ao incômodo e dispendioso processo da troca por um modelo que só existirá dentro das fronteiras nacionais.
Mas, se as coisas fossem assim tão fáceis e baratas, para que um comitê? Coisas estranhas foram elucubradas por seus membros. Uma delas é o plano de usar plugues e tomadas para mexer na balança comercial brasileira. Ao criar um modelo nacional, o comitê entendeu que isso seria uma forma de ampliar o mercado de eletroeletrônicos produzidos no Brasil. "Essa mudança sem dúvida beneficiará as empresas brasileiras", diz Alfredo Lobo, diretor de qualidade do Inmetro. É uma ideia interessante: longe de ser confundida com focinho de porco, a tomada jabuticaba deve ser vista como uma bandeira do protecionismo comercial. É igualmente razoável imaginar o efeito contrário. "O fato de os terminais elétricos brasileiros terem ficado diferentes dos existentes no resto do mundo cria um problema que não existia", diz o engenheiro eletricista Norberto Nery, do Instituto Mauá de Tecnologia. "Agora os aparelhos importados precisarão seguir o padrão brasileiro e os exportados precisarão ser adaptados às normas estrangeiras."
A substituição de todos os tipos de tomada pelo novo padrão acarretará transtornos homéricos na vida do brasileiro. A nova tomada tem dois tamanhos, de acordo com a amperagem, que é a quantidade de eletricidade que passa da instalação elétrica para o aparelho. Os plugues e tomadas de 10 ampères, menos potentes, têm o diâmetro de 4 milímetros, e os de 20 ampères, utilizados em aparelhos como micro-ondas, têm 4,8 milímetros. A adaptação só será possível e realmente segura se as redes elétricas das habitações passarem por uma reforma completa e bem planejada. É preciso agora instalar a fiação e tomadas específicas em locais estratégicos, onde já se prevê a instalação de um equipamento eletroeletrônico de consumo adequado para cada terminal. No final, sobrou para nós.
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