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17 março 2010

HISTÓRIA ATRÁVES DA IMPRENSA ACREANA

O discurso nas redes do poder: um estudo dos editoriais dos jornais “O Rio Branco” e “Varadouro” (1969-1983) durante a Ditadura Militar (1)

Maria Iracilda Gomes Cavalcante Bonifácio (2)

Parte 1

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo analisar a produção discursiva expressa nos editoriais dos jornais O Rio Branco e Varadouro. A escolha destes periódicos justifica-se por ser o primeiro o jornal riobranquense de maior período de circulação, caracterizando-se por manifestar em suas páginas a oscilação dos jogos de poder da política acreana.

O projeto gráfico de O Rio Branco (1969 até os dias atuais) foi pioneiro na imprensa local, com as matérias mais curtas e diretas, colunas mais ilustradas e a divisão dos assuntos em seções. O Varadouro (1977-1981) revela a criatividade de um jornal alternativo que diferia dos demais pertencentes a esta categoria produzidos no restante do Brasil por manifestar em suas página um com “jeito acreano”, tanto do ponto de vista da linguagem quanto do próprio projeto gráfico.

Nascido em uma conjuntura política difícil, Varadouro enfrentou as sanções da censura, demonstrando que é possível produzir um jornalismo alternativo, mesmo em plena vigência dos Atos Institucionais. “O Jornal das Selvas”, como se auto-intitulava, adotava uma linguagem combativa e projeto gráfico peculiar, se propondo a registrar as conseqüências da expansão agropecuária no Acre, expressando a voz de protesto de índios, posseiros, seringueiros e tantos outros excluídos socialmente.

A imprensa é valioso material de pesquisa, ela participa, registra, comenta e acompanha o percurso dos homens através da história; os grupos de poder sempre a adulam, vigiam e/ou punem os jornais (FOUCAULT:2003). De acordo com Gregolim (2003), “a mídia produz sentidos, por meio de um insistente retorno de figuras, de sínteses narrativas, de representações que constituem o imaginário social”. Nesse sentido, ao fazer circular essas imagens, a mídia figura como espaço de percepção do “eu” em relação ao “outro”, como um grande espelho, que não reflete nitidamente, mas mostra uma imagem turva, onde o sujeito se reflete e se refrata (BAKHTIN: 1995).

Com o golpe militar de 1964 foram tomadas várias medidas discricionárias por parte dos novos donos do poder, a esquerda, que ainda dispunha de certa liberdade, foi relegada à ilegalidade, tendo seus militantes, trabalhadores, intelectuais e estudantes, mortos, exilados, torturados ou condenados à ilegalidade (SOBRINHO, 2001). O poder ditatorial investiu violentamente contra a liberdade de imprensa através da censura, pressionando as redações dos jornais a não veicularem matérias contrárias ao regime.

A economia brasileira foi entregue aos países “desenvolvidos”, adotando-se um modelo de desenvolvimento subjugado aos interesses estrangeiros. As políticas públicas definidas pelos militares para a Amazônia estavam pautadas na incorporação da região ao conjunto da economia nacional, habilitando-a à exploração do capital forâneo (TOCANTINS: 2001). Para tanto, foram alocados recursos por meio de crédito rápido e fácil nos estabelecimentos bancários públicos, bem como uma série de incentivos fiscais, objetivando promover o deslocamento de migrantes, capitalistas nacionais e estrangeiros, dispostos a contribuir com o projeto de ocupação fomentado no Acre.

Em pesquisas realizadas, percebemos que durante a Ditadura Militar o ideal normativo expresso nos Manuais de Redação dos anos 1950, que padronizavam os textos jornalísticos sob o mito da “objetividade”, começa a se firmar, aumentando silêncio do noticiário político. São bastante raros os textos opinativos nos jornais de linha oficial no período investigado, a opinião era artigo abjeto nesses jornais, o que imperava era a ditadura da “informação”.

A análise dos editoriais deste período revela que o jogo de interesses evidenciava-se, sobretudo pela celebração de alianças entre os jornais e o poder político. O poder oficial, que já manipulava a produção jornalística local, passou a financiar de forma mais latente os gastos com os jornais. Prova disto é o fato de que durante a Ditadura quase não se observa nos veículos de comunicação acreanos, resistência ou crítica aos atos presidenciais ou de seus governadores indicados, o que comprova ainda, a “eficiência” do aparato de controle ideológico montado pela classe dirigente a fim de tornar homogêneas todas as opiniões dos diversos jornais existentes no país.

Não se deve ignorar, no entanto, que a existência do poder não aniquila a possibilidade de resistência. Se por um lado, a produção discursiva dos jornais de Rio Branco durante a Ditadura Militar estava a serviço da ideologia dos ditadores, por outro, a resistência se manifestou no mesmo espaço, deixando patentes as fissuras do regime, sendo expressa através da “imprensa alternativa”. Nesse aspecto, o discurso expresso nos jornais mostra não apenas o saber/poder que se institui com vistas à dominação, mas também permite perceber os conflitos sociais e as rupturas através da enunciação dos fatos jornalísticos.

A presente análise tem como finalidade atuar na perspectiva de ampliar os conhecimentos relativos às ideologias vigentes durante a Ditadura Militar, discutindo os cerceamentos impostos pelo poder político-governamental e a resistência a este silenciamento manifestada pelos movimentos sociais através dos jornais de linha “alternativa”¹. Esperamos, com este estudo, auxiliar no reconhecimento da(s) identidade(s) acreana(s) reconstruída(s) pelo constante movimento de fazer-se e refazer-se através conhecimento da memória cultural.

Material e Métodos

O presente estudo está sendo conduzido em duas etapas, associando a pesquisa bibliográfica à pesquisa de campo. Num primeiro momento se procede o aprofundamento das leituras sobre Memória, Identidade, Comunicação, Editorial, Teorias do texto, Imaginário e Análise do Discurso. As discussões acerca deste material teórico têm auxiliado na execução do projeto, fornecendo o embasamento necessário para a produção de um texto que recomponha o percurso histórico da imprensa escrita riobranquense, dando uma visão panorâmica das mudanças detectadas nos procedimentos gráficos e nas tendências discursivas dos jornais pesquisados.

A eleição do editorial como corpus constitutivo da pesquisa deve-se ao fato de esta tipologia jornalística expressar “a opinião do editor o qual representa o grupo mantenedor da empresa jornal, logo apresenta o julgamento do grupo de elite do jornal sobre o problema em questão” (BELTRÃO:1980). Por representar interesses antagônicos, o editorial pode auxiliar na análise do contexto histórico e ideológico do período investigado, por figurar como discurso jornalístico de dupla competência, que mascara e desmascara, defendendo os interesses do jornal, ao mesmo tempo em que se arvora como porta-voz dos anseios dos grupos sociais.

Estão sendo utilizados acervos contidos no Arquivo Geral do Estado, C. D. I. H. da UFAC, Museu da Borracha e Biblioteca Pública Estadual, além de livros que contenham, ainda que parcialmente, informações relevantes, bem como obras de referência histórica sobre a Amazônia e Acre, escrita por autores como: Leandro Tocantins e Luis Antônio Pinto de Oliveira.

A pesquisa está centrada no estudo dos editoriais pertencentes aos jornais O Rio Branco e Varadouro, já coletados durante os estudos na Iniciação Científica e na Especialização em História, os quais terão como foco de análise a tendência temática referente aos conflitos sociais, buscando identificar e compreender, dentro desta modalidade, como se articulavam as relações de poder político-governamentais e como se deu a busca de reassentamento nas periferias da capital acreana empreendida pelas populações provenientes da zona rural.

Como fontes teóricas foram utilizadas as relações dialógicas de identidade e alteridade trabalhadas por Mikhail Bakhtin, segundo as quais “a palavra, como fenômeno ideológico por excelência” (1995, p. 194) pode, a partir da interação verbal entre um “eu” e um “outro”, figurar como ponto de partida para a análise dos mais diversos diálogos. Dialogamos, ainda, com a noção de “poder” trabalhada por Michel Foucault, segundo a qual, tudo está envolto em relações de saber/poder que se sobrepõem dialogicamente (FOUCAULT: 2001); e com a noção de identidade (s) de Stuart Hall (2004), segundo o qual “a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. O que predomina nas sociedades modernas é um descentramento do sujeito e, conseqüentemente, das identidades” (2004).

O critério utilizado no levantamento está sendo centrado na representação, postura, investigação e a classificação dos editoriais a partir dos fundamentos teóricos baseados nos manuais de linguagem e análise do discurso, apoiadas na análise de Perelmam sobre as técnicas de argumentação e persuasão do auditório².

Na análise dos editoriais está sendo utilizado o método de abordagem hipotético-indutivo, aliado às ciências afins. Para a conjugação e precisão de dados sobre o imaginário riobranquense, como método de procedimento será utilizado o analítico-comparativo, partindo-se da contraposição das posturas ideológicas dos editoriais com as leituras teóricas.

Artigo continua...

¹Dialogamos com a noção de imprensa alternativa formulado por Bernardo Kucinski 1991), segundo a qual “imprensa alternativa” refere-se aos veículos de comunicação que se contrapunham à grande imprensa que, não apoiando o regime de exceção.

²O “auditório”, segundo Perelmam, é “o conjunto de todos aqueles que o orador quer influenciar mediante o seu discurso” (1987, p. 237).

(1) Comunicação de pesquisa de alunos de pós-graduação da UFAC, apresentada durante a jornada de iniciação científica da UFAC/2006;
(2) Mestranda em Letras – Linguagem e Identidade/UFAC, sob orientaçãpo da Dra. Olinda Batista Assmar