PASSADO, PRESENTE E FUTURO DO CULTIVO DE SERINGUEIRA NO ACRE (I)
Evandro José Linhares Ferreira (1) & Raimundo Barros Lima (2)
Entre 1972 e 1984 o Programa de Incentivo à Produção de Borracha Natural (PROBOR) fomentou o plantio de 20.541hectares de seringueiras por todo o Acre. O PROBOR era um ambicioso programa do governo federal que pretendia tornar o Brasil auto-suficiente na produção de borracha e em suas três etapas (PROBOR I, II e III) previa o plantio de 388 mil hectares de seringueiras, a maior parte delas na Amazônia. Para coordenar esse programa, o Governo Federal criou uma agência dedicada exclusivamente ao tema, a Superintendência da Borracha (SUDHEVEA).
As seringueiras plantadas no Acre com o incentivo do PROBOR foram, em sua maioria, produzidas a partir de clones importados de outras regiões da Amazônia, especialmente do Pará, que naquela época era o principal pólo de ciência e tecnologia da região. Elas haviam sido selecionadas e melhoradas por técnicos do Instituto Agronômico do Norte (IAN) e do Centro de Pesquisa do Trópico Úmido (CPATU, posteriormente incorporado pela Embrapa), de Belém, tendo como base plantas originalmente cultivadas em Fordlândia e Belterra, as duas localidades paraenses onde, a partir de 1928, Henry Ford, o magnata da indústria automobilística americana,realizou os primeiros plantios em larga escala de seringueira na Amazônia. É importante ressaltar que o cultivo dos clones recomendados pelos pesquisadores paraenses era uma exigência do PROBOR para conceder o financiamento aos interessados em cultivar seringueiras no Acre.
O critério que norteou o desenvolvimento dos clonesintroduzidos no Acre foi a resistência ao fungo Microcyclus ulei, causador da doença conhecida como ‘mal-das-folhas’. Esta doença, junto com outros problemas técnicos e administrativos, arruinou o sonho gomífero do magnata americano de criar um mega plantio de seringueiras na área de um milhão de hectares que ele havia adquirido para a empreitada. O ‘mal-das-folhas’ afeta severamente a seringueiraao impedir o seu processo de reenfolhamento, que acontece anualmente em razão da queda natural de todas as suas folhas. Com isso, ele atrasa o início da exploração ou, em casos de ataques recorrentes, inviabiliza a exploração dos seringais cultivados. Embora o fungo também esteja presente nos seringais nativos, a baixa densidade natural das seringueirasna floresta (cerca de 1 árvore/hectare) e sua grande diversidade genética minimizam os seus efeitos. Em plantios racionais, por outro lado, onde a densidade de seringueira é muito alta (média de500árvores/hectare), o efeito deletério do fungo é devastador.
Para apoiar os plantios de seringueira no Acre e no Brasil no âmbito do PROBOR, o governo federal montou uma extensa estrutura de apoio que envolvia o BASA, o principal agente financeiro, e empresas estaduais de extensão e desenvolvimento rural (ACAR, Emater e COLONACRE). A incorporação de instituições de pesquisa para apoiar tecnicamente o programa só ocorreu a partir de meados da década de 70, quando foi criado o Centro Nacional de Pesquisa de Seringueira da Embrapa, em Manaus. Outras instituições regionais de pesquisa, como a CEPLAC eo IAC, também foram mobilizadas. No Acre a Embrapa, instalada em 1976, priorizou a realização de pesquisas para viabilizar o cultivo da seringueira no Estado.
Apesar de todo este aparato, estima-se que apenas 116 mil das 388 mil hectares de plantios de seringueira fomentadospelo PROBOR tenham sido efetivamente plantadas. No Acre, em 1984, apenas 6.530 hectares encontravam-se em boas condições de cultivo. Estima-se que apenas 1,5 mil hectares entraram efetivamente em produção.
Em meados dos anos 80, quando a SUDHEVEA foi extinta, o PROBOR entrou em decadência e toda a estrutura de apoio técnico-financeiro deixou de existir, resultando no abandono de milhares de hectares de plantios, boa parte deles sem nuncater entrado em produção. Para piorar a situação, no começo dos anos 90, durante o governo Collor, foi extinto o subsídio ao preço da borracha produzida na Amazônia, eliminando a maior vantagem competitiva da produçãooriunda de seringais nativos e de cultivos da região.
O fracasso do cultivo de seringueiras no Acre e em outras partes da Amazônia ocidental nas décadas de 70 e 80 pode ser creditado, em grande parte, à impossibilidade das instituições de pesquisa do país de desenvolver clones resistentes ao fungo causador do ‘mal-das-folhas’, que encontrou nas condições climáticas dessas regiões o ambiente ideal para a sua propagação. O sucesso de cultivos de seringueiras no Mato Grosso, São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro se deve às condições climáticas locais que não favorecem à propagação do ‘mal-das-folhas’. Estas regiões são denominadas como áreas de escape ao fungo e nelas são cultivados com alguns dos clones que fracassaram na Amazônia.
Não se pode deixar de reconhecer também que houve problemas de planejamento, falta de critério na seleção dos agricultores e principalmente fiscalização deficiente dos 1.178 projetos contratados no Acre. Ainda hoje é comum se ouvir que o estabelecimento de milhares de hectares de pastagens na região leste do Acre foi viabilizado de forma indireta com recursos dos financiamentos do PROBOR. Com todos esses problemas não é surpresa alguma saber que a área estimada de seringais cultivados no Acreseja depouco mais de 800 hectares.
Desde os primórdios do PROBOR no Acre dois ou três grandes empreendimentos e alguns pequenos produtores persistiram na exploração de seus plantios. Outros produtores que haviam abandonado seus cultivos retomaram a atividade em meados da década de 90 quando o Governo do Estado criou uma lei de incentivo à comercialização da borracha, a Lei Chico Mendes, que resultou em uma melhora substancial do preço pago aos produtores e fomentou o ressurgimento do interesse pela atividade no Estado. Mais recentemente, o governo estadual implantou uma fábrica de preservativos em Xapuri, fato que gerou um aumento significativo na demanda de látex oriundo tanto de áreas de seringais nativos como de cultivo.
É importante ressaltar que possíveis mudanças climáticas decorrentes do desmatamento desenfreado de áreas florestais no leste do Acre parecem estar alterando o período da queda e renovação foliar de seringueiras cultivadas nesta região. Aparentemente a troca das folhas está acontecendo algumas semanas antes do que normalmente costumava ocorrer esob condiçõesclimáticas que desfavorecem ataques massivos do fungo causador do ‘mal-das-folhas’. Embora esta seja uma boa notícia para os interessados em cultivar seringueira, ela também indica que a duração e severidade do período seco no leste acreano parecem estar mais acentuadas, o que pode desfavorecer o cultivo de outras plantas economicamente importantes.
Esta mudança do comportamento da seringueira na região tem como consequência uma melhoria nas condições de desenvolvimento e produção dos clonesintroduzidos no Acre durante a vigência do PROBOR. Observações preliminares sugerem que a menor intensidade dos ataques do mal-das-folhas tem permitido que alguns clones produzam até 200 ml de látex/dia. Diante dessa nova situação e do crescente interesse local pela cultura da seringueira, seria importante revisitar os antigos plantios, incluindo aqueles que foram abandonados, para tentar re-identificar os clones e avaliar o potencial produtivo e nível atual de resistência ao ‘mal-das-folhas’. É o clássico caso de se aprender com os equívocos cometidos no passado. Esta atividade já está sendo feita por meio de uma colaboração entre SEAPROF, Embrapa e INPA.
Essa perspectiva de aproveitamento, mesmo que marginal, dos resultados do PROBOR no Estado pode servir como reflexão para se pensar no futuro do cultivo de seringueiras no Acre. Isso é particularmente significativo porque desde 2010 o governo estadual pôs em marcha o programa ‘Florestas Plantadas’, um grande projeto de fomento ao plantio de culturas perenes no qual a seringueira tem papel destacado. A previsão é de se plantar, até o ano de 2020, 10 mil hectares de seringueiras em áreas degradas na região leste do Acre.
(1)Pesquisador, Doutor em Botânica, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA, Núcleo de Pesquisas do Acre e Herbário do Parque Zoobotânico da UFAC.
(2) Especialista em heveicultura.
As seringueiras plantadas no Acre com o incentivo do PROBOR foram, em sua maioria, produzidas a partir de clones importados de outras regiões da Amazônia, especialmente do Pará, que naquela época era o principal pólo de ciência e tecnologia da região. Elas haviam sido selecionadas e melhoradas por técnicos do Instituto Agronômico do Norte (IAN) e do Centro de Pesquisa do Trópico Úmido (CPATU, posteriormente incorporado pela Embrapa), de Belém, tendo como base plantas originalmente cultivadas em Fordlândia e Belterra, as duas localidades paraenses onde, a partir de 1928, Henry Ford, o magnata da indústria automobilística americana,realizou os primeiros plantios em larga escala de seringueira na Amazônia. É importante ressaltar que o cultivo dos clones recomendados pelos pesquisadores paraenses era uma exigência do PROBOR para conceder o financiamento aos interessados em cultivar seringueiras no Acre.
O critério que norteou o desenvolvimento dos clonesintroduzidos no Acre foi a resistência ao fungo Microcyclus ulei, causador da doença conhecida como ‘mal-das-folhas’. Esta doença, junto com outros problemas técnicos e administrativos, arruinou o sonho gomífero do magnata americano de criar um mega plantio de seringueiras na área de um milhão de hectares que ele havia adquirido para a empreitada. O ‘mal-das-folhas’ afeta severamente a seringueiraao impedir o seu processo de reenfolhamento, que acontece anualmente em razão da queda natural de todas as suas folhas. Com isso, ele atrasa o início da exploração ou, em casos de ataques recorrentes, inviabiliza a exploração dos seringais cultivados. Embora o fungo também esteja presente nos seringais nativos, a baixa densidade natural das seringueirasna floresta (cerca de 1 árvore/hectare) e sua grande diversidade genética minimizam os seus efeitos. Em plantios racionais, por outro lado, onde a densidade de seringueira é muito alta (média de500árvores/hectare), o efeito deletério do fungo é devastador.
Para apoiar os plantios de seringueira no Acre e no Brasil no âmbito do PROBOR, o governo federal montou uma extensa estrutura de apoio que envolvia o BASA, o principal agente financeiro, e empresas estaduais de extensão e desenvolvimento rural (ACAR, Emater e COLONACRE). A incorporação de instituições de pesquisa para apoiar tecnicamente o programa só ocorreu a partir de meados da década de 70, quando foi criado o Centro Nacional de Pesquisa de Seringueira da Embrapa, em Manaus. Outras instituições regionais de pesquisa, como a CEPLAC eo IAC, também foram mobilizadas. No Acre a Embrapa, instalada em 1976, priorizou a realização de pesquisas para viabilizar o cultivo da seringueira no Estado.

Em meados dos anos 80, quando a SUDHEVEA foi extinta, o PROBOR entrou em decadência e toda a estrutura de apoio técnico-financeiro deixou de existir, resultando no abandono de milhares de hectares de plantios, boa parte deles sem nuncater entrado em produção. Para piorar a situação, no começo dos anos 90, durante o governo Collor, foi extinto o subsídio ao preço da borracha produzida na Amazônia, eliminando a maior vantagem competitiva da produçãooriunda de seringais nativos e de cultivos da região.
O fracasso do cultivo de seringueiras no Acre e em outras partes da Amazônia ocidental nas décadas de 70 e 80 pode ser creditado, em grande parte, à impossibilidade das instituições de pesquisa do país de desenvolver clones resistentes ao fungo causador do ‘mal-das-folhas’, que encontrou nas condições climáticas dessas regiões o ambiente ideal para a sua propagação. O sucesso de cultivos de seringueiras no Mato Grosso, São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro se deve às condições climáticas locais que não favorecem à propagação do ‘mal-das-folhas’. Estas regiões são denominadas como áreas de escape ao fungo e nelas são cultivados com alguns dos clones que fracassaram na Amazônia.
Não se pode deixar de reconhecer também que houve problemas de planejamento, falta de critério na seleção dos agricultores e principalmente fiscalização deficiente dos 1.178 projetos contratados no Acre. Ainda hoje é comum se ouvir que o estabelecimento de milhares de hectares de pastagens na região leste do Acre foi viabilizado de forma indireta com recursos dos financiamentos do PROBOR. Com todos esses problemas não é surpresa alguma saber que a área estimada de seringais cultivados no Acreseja depouco mais de 800 hectares.
Desde os primórdios do PROBOR no Acre dois ou três grandes empreendimentos e alguns pequenos produtores persistiram na exploração de seus plantios. Outros produtores que haviam abandonado seus cultivos retomaram a atividade em meados da década de 90 quando o Governo do Estado criou uma lei de incentivo à comercialização da borracha, a Lei Chico Mendes, que resultou em uma melhora substancial do preço pago aos produtores e fomentou o ressurgimento do interesse pela atividade no Estado. Mais recentemente, o governo estadual implantou uma fábrica de preservativos em Xapuri, fato que gerou um aumento significativo na demanda de látex oriundo tanto de áreas de seringais nativos como de cultivo.

Esta mudança do comportamento da seringueira na região tem como consequência uma melhoria nas condições de desenvolvimento e produção dos clonesintroduzidos no Acre durante a vigência do PROBOR. Observações preliminares sugerem que a menor intensidade dos ataques do mal-das-folhas tem permitido que alguns clones produzam até 200 ml de látex/dia. Diante dessa nova situação e do crescente interesse local pela cultura da seringueira, seria importante revisitar os antigos plantios, incluindo aqueles que foram abandonados, para tentar re-identificar os clones e avaliar o potencial produtivo e nível atual de resistência ao ‘mal-das-folhas’. É o clássico caso de se aprender com os equívocos cometidos no passado. Esta atividade já está sendo feita por meio de uma colaboração entre SEAPROF, Embrapa e INPA.
Essa perspectiva de aproveitamento, mesmo que marginal, dos resultados do PROBOR no Estado pode servir como reflexão para se pensar no futuro do cultivo de seringueiras no Acre. Isso é particularmente significativo porque desde 2010 o governo estadual pôs em marcha o programa ‘Florestas Plantadas’, um grande projeto de fomento ao plantio de culturas perenes no qual a seringueira tem papel destacado. A previsão é de se plantar, até o ano de 2020, 10 mil hectares de seringueiras em áreas degradas na região leste do Acre.
(1)Pesquisador, Doutor em Botânica, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA, Núcleo de Pesquisas do Acre e Herbário do Parque Zoobotânico da UFAC.
(2) Especialista em heveicultura.
1 Comments:
Não tenho bola de cristal para assegurar nada, mas acredito que PLANTAR seringueira possa ainda constituir o portfólio de projetos com alguma viabilidade econômica no Acre, desde que os erros anteriores sejam corrigidos.
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