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10 abril 2011

PASSADO, PRESENTE E FUTURO DO CULTIVO DE SERINGUEIRA NO ACRE (I)

Evandro José Linhares Ferreira (1) & Raimundo Barros Lima (2)

Entre 1972 e 1984 o Programa de Incentivo à Produção de Borracha Natural (PROBOR) fomentou o plantio de 20.541hectares de seringueiras por todo o Acre. O PROBOR era um ambicioso programa do governo federal que pretendia tornar o Brasil auto-suficiente na produção de borracha e em suas três etapas (PROBOR I, II e III) previa o plantio de 388 mil hectares de seringueiras, a maior parte delas na Amazônia. Para coordenar esse programa, o Governo Federal criou uma agência dedicada exclusivamente ao tema, a Superintendência da Borracha (SUDHEVEA).

As seringueiras plantadas no Acre com o incentivo do PROBOR foram, em sua maioria, produzidas a partir de clones importados de outras regiões da Amazônia, especialmente do Pará, que naquela época era o principal pólo de ciência e tecnologia da região. Elas haviam sido selecionadas e melhoradas por técnicos do Instituto Agronômico do Norte (IAN) e do Centro de Pesquisa do Trópico Úmido (CPATU, posteriormente incorporado pela Embrapa), de Belém, tendo como base plantas originalmente cultivadas em Fordlândia e Belterra, as duas localidades paraenses onde, a partir de 1928, Henry Ford, o magnata da indústria automobilística americana,realizou os primeiros plantios em larga escala de seringueira na Amazônia. É importante ressaltar que o cultivo dos clones recomendados pelos pesquisadores paraenses era uma exigência do PROBOR para conceder o financiamento aos interessados em cultivar seringueiras no Acre.

O critério que norteou o desenvolvimento dos clonesintroduzidos no Acre foi a resistência ao fungo Microcyclus ulei, causador da doença conhecida como ‘mal-das-folhas’. Esta doença, junto com outros problemas técnicos e administrativos, arruinou o sonho gomífero do magnata americano de criar um mega plantio de seringueiras na área de um milhão de hectares que ele havia adquirido para a empreitada. O ‘mal-das-folhas’ afeta severamente a seringueiraao impedir o seu processo de reenfolhamento, que acontece anualmente em razão da queda natural de todas as suas folhas. Com isso, ele atrasa o início da exploração ou, em casos de ataques recorrentes, inviabiliza a exploração dos seringais cultivados. Embora o fungo também esteja presente nos seringais nativos, a baixa densidade natural das seringueirasna floresta (cerca de 1 árvore/hectare) e sua grande diversidade genética minimizam os seus efeitos. Em plantios racionais, por outro lado, onde a densidade de seringueira é muito alta (média de500árvores/hectare), o efeito deletério do fungo é devastador.

Para apoiar os plantios de seringueira no Acre e no Brasil no âmbito do PROBOR, o governo federal montou uma extensa estrutura de apoio que envolvia o BASA, o principal agente financeiro, e empresas estaduais de extensão e desenvolvimento rural (ACAR, Emater e COLONACRE). A incorporação de instituições de pesquisa para apoiar tecnicamente o programa só ocorreu a partir de meados da década de 70, quando foi criado o Centro Nacional de Pesquisa de Seringueira da Embrapa, em Manaus. Outras instituições regionais de pesquisa, como a CEPLAC eo IAC, também foram mobilizadas. No Acre a Embrapa, instalada em 1976, priorizou a realização de pesquisas para viabilizar o cultivo da seringueira no Estado.

Apesar de todo este aparato, estima-se que apenas 116 mil das 388 mil hectares de plantios de seringueira fomentadospelo PROBOR tenham sido efetivamente plantadas. No Acre, em 1984, apenas 6.530 hectares encontravam-se em boas condições de cultivo. Estima-se que apenas 1,5 mil hectares entraram efetivamente em produção.

Em meados dos anos 80, quando a SUDHEVEA foi extinta, o PROBOR entrou em decadência e toda a estrutura de apoio técnico-financeiro deixou de existir, resultando no abandono de milhares de hectares de plantios, boa parte deles sem nuncater entrado em produção. Para piorar a situação, no começo dos anos 90, durante o governo Collor, foi extinto o subsídio ao preço da borracha produzida na Amazônia, eliminando a maior vantagem competitiva da produçãooriunda de seringais nativos e de cultivos da região.

O fracasso do cultivo de seringueiras no Acre e em outras partes da Amazônia ocidental nas décadas de 70 e 80 pode ser creditado, em grande parte, à impossibilidade das instituições de pesquisa do país de desenvolver clones resistentes ao fungo causador do ‘mal-das-folhas’, que encontrou nas condições climáticas dessas regiões o ambiente ideal para a sua propagação. O sucesso de cultivos de seringueiras no Mato Grosso, São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro se deve às condições climáticas locais que não favorecem à propagação do ‘mal-das-folhas’. Estas regiões são denominadas como áreas de escape ao fungo e nelas são cultivados com alguns dos clones que fracassaram na Amazônia.

Não se pode deixar de reconhecer também que houve problemas de planejamento, falta de critério na seleção dos agricultores e principalmente fiscalização deficiente dos 1.178 projetos contratados no Acre. Ainda hoje é comum se ouvir que o estabelecimento de milhares de hectares de pastagens na região leste do Acre foi viabilizado de forma indireta com recursos dos financiamentos do PROBOR. Com todos esses problemas não é surpresa alguma saber que a área estimada de seringais cultivados no Acreseja depouco mais de 800 hectares.

Desde os primórdios do PROBOR no Acre dois ou três grandes empreendimentos e alguns pequenos produtores persistiram na exploração de seus plantios. Outros produtores que haviam abandonado seus cultivos retomaram a atividade em meados da década de 90 quando o Governo do Estado criou uma lei de incentivo à comercialização da borracha, a Lei Chico Mendes, que resultou em uma melhora substancial do preço pago aos produtores e fomentou o ressurgimento do interesse pela atividade no Estado. Mais recentemente, o governo estadual implantou uma fábrica de preservativos em Xapuri, fato que gerou um aumento significativo na demanda de látex oriundo tanto de áreas de seringais nativos como de cultivo.

É importante ressaltar que possíveis mudanças climáticas decorrentes do desmatamento desenfreado de áreas florestais no leste do Acre parecem estar alterando o período da queda e renovação foliar de seringueiras cultivadas nesta região. Aparentemente a troca das folhas está acontecendo algumas semanas antes do que normalmente costumava ocorrer esob condiçõesclimáticas que desfavorecem ataques massivos do fungo causador do ‘mal-das-folhas’. Embora esta seja uma boa notícia para os interessados em cultivar seringueira, ela também indica que a duração e severidade do período seco no leste acreano parecem estar mais acentuadas, o que pode desfavorecer o cultivo de outras plantas economicamente importantes.

Esta mudança do comportamento da seringueira na região tem como consequência uma melhoria nas condições de desenvolvimento e produção dos clonesintroduzidos no Acre durante a vigência do PROBOR. Observações preliminares sugerem que a menor intensidade dos ataques do mal-das-folhas tem permitido que alguns clones produzam até 200 ml de látex/dia. Diante dessa nova situação e do crescente interesse local pela cultura da seringueira, seria importante revisitar os antigos plantios, incluindo aqueles que foram abandonados, para tentar re-identificar os clones e avaliar o potencial produtivo e nível atual de resistência ao ‘mal-das-folhas’. É o clássico caso de se aprender com os equívocos cometidos no passado. Esta atividade já está sendo feita por meio de uma colaboração entre SEAPROF, Embrapa e INPA.

Essa perspectiva de aproveitamento, mesmo que marginal, dos resultados do PROBOR no Estado pode servir como reflexão para se pensar no futuro do cultivo de seringueiras no Acre. Isso é particularmente significativo porque desde 2010 o governo estadual pôs em marcha o programa ‘Florestas Plantadas’, um grande projeto de fomento ao plantio de culturas perenes no qual a seringueira tem papel destacado. A previsão é de se plantar, até o ano de 2020, 10 mil hectares de seringueiras em áreas degradas na região leste do Acre.

(1)Pesquisador, Doutor em Botânica, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA, Núcleo de Pesquisas do Acre e Herbário do Parque Zoobotânico da UFAC.
(2) Especialista em heveicultura.

1 Comments:

Blogger Valterlucio said...

Não tenho bola de cristal para assegurar nada, mas acredito que PLANTAR seringueira possa ainda constituir o portfólio de projetos com alguma viabilidade econômica no Acre, desde que os erros anteriores sejam corrigidos.

11/04/2011, 13:56  

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