IMIGRAÇÃO HAITIANA PARA O BRASIL
Na fuga da tragédia, a porta para os haitianos. Por Tabatinga, grupos de 20 a 30 pessoas chegam a Manaus duas vezes por semana
Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo
[A freita Santina Perin (esq.), com refugiados: 'Eles estão acuados e deprimidos' - Foto: Alberto Cesar Araujo/AE]
Além de transformar o País em sonho de empregos para europeus e asiáticos, que chegam ao Brasil com o status de imigrante, a recuperação da economia nacional atrai também vítimas de tragédias. É o caso dos cidadãos do Haiti, país caribenho devastado em janeiro de 2010 por um terremoto. O volume de haitianos que migram à procura de ajuda humanitária é crescente nos últimos meses. Eles estão em uma categoria especial de migração, a dos refugiados. Embora não estejam enquadrados nas premissas básicas dos refugiados - a da ameaça política, que justifica o pedido legal de refúgio -, os haitianos recebem atenção diferenciada e autorização para trabalhar.
A principal porta de entrada dessa população, que até o primeiro semestre era principalmente de homens jovens, tem sido a fronteira amazônica de Tabatinga, divisa com Peru e Colômbia. E agora estão chegando com mulheres e filhos. De acordo com o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, a questão dos haitianos é extraordinária.
"O Conselho Nacional já tomou uma deliberação e nós já regularizamos mais de 500 haitianos", explica o secretário. Segundo ele, "a demanda é alta e a capacidade operativa do Estado brasileiro nem sempre está preparada" para o atendimento. "Mas a atitude tomada nos primeiros 500 casos mostra qual tem sido a diretriz. O Brasil tem responsabilidades com a situação do Haiti."
Os haitianos chegam a Manaus duas vezes por semana, em grupos de 20 a 30 pessoas, embarcados em Tabatinga. Do porto, vão direto para a Paróquia São Geraldo, no centro da capital, em busca de ajuda para sobreviver na nova pátria. Nos últimos dias, o fluxo de pedidos de permanência aumentou e o perfil dos viajantes mudou. Os padres já têm mais de 2.500 cadastrados que buscam auxílio de moradia e alimentação e passaram a receber mulheres e crianças.
"Já registramos 480 grupos de 4 ou 5 pessoas", afirma o padre Valdecir Molinari, um dos religiosos que lidam todos os dias com uma diáspora que só cresce nos últimos meses. "A situação está muito difícil", afirmou o religioso, pelo telefone, na quinta-feira, lembrando que as levas de haitianos chegam duas vezes por semana, terças-feiras e sábados, nos barcos que partem de Tabatinga.
Desamparo. "O Haiti é um país bem pobre, e lidei com muita tristeza nos anos que trabalhei lá, mas os que estão aqui estão numa condição bem pior dos que aqueles encontrados lá: estão acuados e deprimidos, tendo de pedir abrigo", conta a religiosa Santina Perin.
A maior parte dos imigrantes chega pelo Peru. Eles alugam casas em Tabatinga, onde permanecem à espera da documentação provisória, válida por 90 dias, concedida pelo governo brasileiro, em processos administrados pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça.
Precisando de ajuda diária para sobreviver, os haitianos procuram a Igreja. "Distribuímos aqui 160 kg de feijão, 160 kg de açúcar, 600 kg de arroz, 300 kg de macarrão e 160 latas de óleo", explica o padre Valdecir. Segundo a religiosa Arceolídia de Souza, que trabalha com essa comunidade de migrantes, 90% deles são homens na faixa de 24 a 28 anos.
O fluxo em busca de auxílio brasileiro se intensificou no segundo semestre do ano passado, mas agora, um ano depois, é praticamente constante. A média de entrada, no mês de outubro, foi de 9 haitianos por dia. Em setembro eram 7,5 por dia e em agosto, 6,8.
O número de atendimentos no posto brasileiro de fronteira em 2010 foi de 456 haitianos. A procura pelo menos quadruplicou em 2011. Até o dia 11, 1.605 pessoas pediram documentos e há uma lista de 685 à espera de atendimento na fronteira.
Sonhos e aflições de quem acabou de chegar
Desafio: Falar o português,primeira tarefa de todos
Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo
Haitiana e "amazonense de coração" há 28 anos, a enfermeira Marie Ketly Vibert Franceschi, de 58, criou há seis meses a Associação dos Trabalhadores Haitianos no Amazonas.
A entidade tem CNPJ, mas não conseguiu ainda construir uma sede própria. "Lutamos para ter essa sede porque queremos ser um porto seguro para tentar encaminhar outros haitianos que chegam na cidade em busca de postos de trabalho", diz a enfermeira.
De acordo com a Polícia Federal, pelo menos 30 haitianos procuram a sede em Manaus, a cada dia, para conseguir vistos provisórios. Marie costuma abordá-los lá ou nas igrejas, porto seguro de todos os haitianos que chegam à capital amazonense depois de passar pelo primeiro anfitrião no País - o padre Gonçalo, em Tabatinga, na fronteira do Brasil com a Colômbia.
"Alguns dos que chegam são muito desconfiados, mas se sentem seguros quando percebem que falo a língua deles", diz. Segundo Marie, embora o Ministério do Trabalho no Amazonas tenha organizado uma força-tarefa para ajudar os haitianos na cidade, ainda há muito a ser feito. "O imprescindível é ajudar com cursos de português assim que chegam".
Santina, a freira, tradutora e 'mãe' das haitianas
A freira gaúcha Santina Perin, de 71 anos, morou 22 anos no Haiti e voltou de lá para o Rio Grande do Sul apenas dois meses antes do terremoto. De lá, sua congregação, a Sagrado Coração de Maria, enviou-a para Manaus logo que os primeiros haitianos começaram a chegar à cidade, depois do terremoto. Ela é a tradutora oficial do creole (o dialeto do Haiti) no grupo de padres e freiras católicas que oferecem teto, comida e toda espécie de ajuda aos haitianos no Amazonas.
Foi dispondo de suas "últimas economias" que a freira Santina chegou a Manaus. Ela mora numa casa ao lado de um dos dez abrigos de imigrantes mantidos pela Igreja Católica, onde vivem hoje 30 mulheres haitianas que chegaram sozinhas. "A maioria é de homens, por isso reservamos uma casa só para elas", explica. Há quatro bebês na casa e duas crianças de 12 anos.
Todas na casa estão aprendendo a bordar, num curso promovido pelo governo do Estado. "Pelo menos onze delas estão empregadas em casas de família. Penam pela diferença de língua, mas são muito trabalhadoras e prendadas", afirma Santina. Para ela, antes de trabalho, as haitianas precisam aprender o português - mas os cursos ainda não atendem a todos. / L.A.
Monique viajou grávida e cria o 1º 'haitiano brasileiro'
Os três filhos maiores de idade ficaram no Haiti, mas Agnaldo veio para o Brasil no ventre da mãe, Marie Monique Demexat Valerius, de 40 anos. Há quase nove meses, o menino nasceu em uma maternidade pública de Manaus e foi o primeiro bebê de pais haitianos nascido em solo brasileiro, segundo os padres que atuam nas igrejas católicas que recebem os imigrantes.
"Foi duro fazer tão longa viagem grávida, mas valeu a pena porque, apesar das dificuldades, este País tem sido muito solidário com a gente", diz Marie. Ela e o marido, Anoux Valerius, de 41 anos, estão amadurecendo a ideia de mudar para São Paulo. "É que sou motorista e mecânico e aqui, até agora, só consegui emprego de faxineiro", diz o haitiano.
Valerius se diz feliz por ter conseguido trabalho, mas sonha em voltar a exercer sua profissão. "Quero conseguir mandar dinheiro para meus filhos e, nosso sonho, trazer os três para o Brasil: Besson e as meninas Minerve e Mickerlange."
Pesquisador critica política de refúgio
Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo
Mas nem tudo é festa e motivo de otimismo na migração estrangeira para o Brasil. "Falta muito para sermos solidários", afirma o pesquisador Alex André Vargem, que estuda a imigração africana para o Brasil. Graduado em Ciências Sociais na PUC-SP e com formação em Direito Internacional dos Refugiados pelo International Institute of Humanitarian Law, na Itália, ele critica a política brasileira para africanos e a forma como funcionários públicos do País tratam os imigrantes nos postos de entrada.
"Os imigrantes não são informados de seus direitos quando chegam aqui", diz Vargem. "É comum encontrar entre eles aqueles que não sabem quais são as possibilidades de imigração segundo as regras internacionais." Na opinião do pesquisador, o Brasil "não é essa maravilha toda" apresentada oficialmente pelo governo federal. "Os africanos, por exemplo, são vistos como migrantes indesejáveis", declara.
Ele lembra que há dois grupos diferentes de migrantes: os que migram por questões econômicas ou por decisão própria de mudar de vida e aqueles que são forçados a deixar seus países. Neste último caso estão muitos dos africanos que chegam ao Brasil escondidos em navios. De acordo com o pesquisador, o governo brasileiro não atende às regras internacionais que pregam a concessão de refúgio e impede a entrada e a permanência legal desses cidadãos em situação de perigo.
Segundo os estudos de Vargem, o Brasil concede refúgio a estrangeiros nos mesmos níveis dos Estados Unidos, ou seja, em torno de 35% dos pedidos recebidos. "E 65% das solicitações são rejeitadas", ressalta ele. Mesmo a Itália, que tem forte pressão interna contrária a imigrantes, costuma conceder refúgio a 52% dos pedidos. O pesquisador, que é membro da ONG Instituto do Desenvolvimento da Diáspora Africana no Brasil (IDDAB), afirma que há hoje em todo o mundo um forte questionamento sobre os acordos internacionais de direito ao refúgio. "É uma legislação que está em xeque no mundo", ressalta.
No que se refere à conduta do governo brasileiro, Vargem é duro. Defende uma revisão da política de anistia aos estrangeiros, mais transparência no processo de concessão de refúgio existente no Conare e o fim das taxas para estrangeiros que não podem pagar pelos documentos exigidos. De acordo com os dados dele, há hoje no País cerca de 600 mil ilegais. "A cantada solidariedade brasileira é uma falácia", critica. "Há preconceito contra ao africanos."
Receptividade. O secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão discorda da avaliação do pesquisador. "Se você pegar os números brutos das nossas repatriações ou deportações, elas são infinitamente menores, proporcionalmente, do que em outros países", afirma Abrão. "Por vezes, países europeus têm números mensais que são dez vezes maiores do que os nossos anuais. No ano passado, deportamos 175 estrangeiros, e repatriamos 136. Somados, não são nem 10% de um único país."
Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo
[A freita Santina Perin (esq.), com refugiados: 'Eles estão acuados e deprimidos' - Foto: Alberto Cesar Araujo/AE]
Além de transformar o País em sonho de empregos para europeus e asiáticos, que chegam ao Brasil com o status de imigrante, a recuperação da economia nacional atrai também vítimas de tragédias. É o caso dos cidadãos do Haiti, país caribenho devastado em janeiro de 2010 por um terremoto. O volume de haitianos que migram à procura de ajuda humanitária é crescente nos últimos meses. Eles estão em uma categoria especial de migração, a dos refugiados. Embora não estejam enquadrados nas premissas básicas dos refugiados - a da ameaça política, que justifica o pedido legal de refúgio -, os haitianos recebem atenção diferenciada e autorização para trabalhar.
A principal porta de entrada dessa população, que até o primeiro semestre era principalmente de homens jovens, tem sido a fronteira amazônica de Tabatinga, divisa com Peru e Colômbia. E agora estão chegando com mulheres e filhos. De acordo com o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, a questão dos haitianos é extraordinária.
"O Conselho Nacional já tomou uma deliberação e nós já regularizamos mais de 500 haitianos", explica o secretário. Segundo ele, "a demanda é alta e a capacidade operativa do Estado brasileiro nem sempre está preparada" para o atendimento. "Mas a atitude tomada nos primeiros 500 casos mostra qual tem sido a diretriz. O Brasil tem responsabilidades com a situação do Haiti."
Os haitianos chegam a Manaus duas vezes por semana, em grupos de 20 a 30 pessoas, embarcados em Tabatinga. Do porto, vão direto para a Paróquia São Geraldo, no centro da capital, em busca de ajuda para sobreviver na nova pátria. Nos últimos dias, o fluxo de pedidos de permanência aumentou e o perfil dos viajantes mudou. Os padres já têm mais de 2.500 cadastrados que buscam auxílio de moradia e alimentação e passaram a receber mulheres e crianças.
"Já registramos 480 grupos de 4 ou 5 pessoas", afirma o padre Valdecir Molinari, um dos religiosos que lidam todos os dias com uma diáspora que só cresce nos últimos meses. "A situação está muito difícil", afirmou o religioso, pelo telefone, na quinta-feira, lembrando que as levas de haitianos chegam duas vezes por semana, terças-feiras e sábados, nos barcos que partem de Tabatinga.
Desamparo. "O Haiti é um país bem pobre, e lidei com muita tristeza nos anos que trabalhei lá, mas os que estão aqui estão numa condição bem pior dos que aqueles encontrados lá: estão acuados e deprimidos, tendo de pedir abrigo", conta a religiosa Santina Perin.
A maior parte dos imigrantes chega pelo Peru. Eles alugam casas em Tabatinga, onde permanecem à espera da documentação provisória, válida por 90 dias, concedida pelo governo brasileiro, em processos administrados pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça.
Precisando de ajuda diária para sobreviver, os haitianos procuram a Igreja. "Distribuímos aqui 160 kg de feijão, 160 kg de açúcar, 600 kg de arroz, 300 kg de macarrão e 160 latas de óleo", explica o padre Valdecir. Segundo a religiosa Arceolídia de Souza, que trabalha com essa comunidade de migrantes, 90% deles são homens na faixa de 24 a 28 anos.
O fluxo em busca de auxílio brasileiro se intensificou no segundo semestre do ano passado, mas agora, um ano depois, é praticamente constante. A média de entrada, no mês de outubro, foi de 9 haitianos por dia. Em setembro eram 7,5 por dia e em agosto, 6,8.
O número de atendimentos no posto brasileiro de fronteira em 2010 foi de 456 haitianos. A procura pelo menos quadruplicou em 2011. Até o dia 11, 1.605 pessoas pediram documentos e há uma lista de 685 à espera de atendimento na fronteira.
Sonhos e aflições de quem acabou de chegar
Desafio: Falar o português,primeira tarefa de todos
Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo
Haitiana e "amazonense de coração" há 28 anos, a enfermeira Marie Ketly Vibert Franceschi, de 58, criou há seis meses a Associação dos Trabalhadores Haitianos no Amazonas.
A entidade tem CNPJ, mas não conseguiu ainda construir uma sede própria. "Lutamos para ter essa sede porque queremos ser um porto seguro para tentar encaminhar outros haitianos que chegam na cidade em busca de postos de trabalho", diz a enfermeira.
De acordo com a Polícia Federal, pelo menos 30 haitianos procuram a sede em Manaus, a cada dia, para conseguir vistos provisórios. Marie costuma abordá-los lá ou nas igrejas, porto seguro de todos os haitianos que chegam à capital amazonense depois de passar pelo primeiro anfitrião no País - o padre Gonçalo, em Tabatinga, na fronteira do Brasil com a Colômbia.
"Alguns dos que chegam são muito desconfiados, mas se sentem seguros quando percebem que falo a língua deles", diz. Segundo Marie, embora o Ministério do Trabalho no Amazonas tenha organizado uma força-tarefa para ajudar os haitianos na cidade, ainda há muito a ser feito. "O imprescindível é ajudar com cursos de português assim que chegam".
Santina, a freira, tradutora e 'mãe' das haitianas
A freira gaúcha Santina Perin, de 71 anos, morou 22 anos no Haiti e voltou de lá para o Rio Grande do Sul apenas dois meses antes do terremoto. De lá, sua congregação, a Sagrado Coração de Maria, enviou-a para Manaus logo que os primeiros haitianos começaram a chegar à cidade, depois do terremoto. Ela é a tradutora oficial do creole (o dialeto do Haiti) no grupo de padres e freiras católicas que oferecem teto, comida e toda espécie de ajuda aos haitianos no Amazonas.
Foi dispondo de suas "últimas economias" que a freira Santina chegou a Manaus. Ela mora numa casa ao lado de um dos dez abrigos de imigrantes mantidos pela Igreja Católica, onde vivem hoje 30 mulheres haitianas que chegaram sozinhas. "A maioria é de homens, por isso reservamos uma casa só para elas", explica. Há quatro bebês na casa e duas crianças de 12 anos.
Todas na casa estão aprendendo a bordar, num curso promovido pelo governo do Estado. "Pelo menos onze delas estão empregadas em casas de família. Penam pela diferença de língua, mas são muito trabalhadoras e prendadas", afirma Santina. Para ela, antes de trabalho, as haitianas precisam aprender o português - mas os cursos ainda não atendem a todos. / L.A.
Monique viajou grávida e cria o 1º 'haitiano brasileiro'
Os três filhos maiores de idade ficaram no Haiti, mas Agnaldo veio para o Brasil no ventre da mãe, Marie Monique Demexat Valerius, de 40 anos. Há quase nove meses, o menino nasceu em uma maternidade pública de Manaus e foi o primeiro bebê de pais haitianos nascido em solo brasileiro, segundo os padres que atuam nas igrejas católicas que recebem os imigrantes.
"Foi duro fazer tão longa viagem grávida, mas valeu a pena porque, apesar das dificuldades, este País tem sido muito solidário com a gente", diz Marie. Ela e o marido, Anoux Valerius, de 41 anos, estão amadurecendo a ideia de mudar para São Paulo. "É que sou motorista e mecânico e aqui, até agora, só consegui emprego de faxineiro", diz o haitiano.
Valerius se diz feliz por ter conseguido trabalho, mas sonha em voltar a exercer sua profissão. "Quero conseguir mandar dinheiro para meus filhos e, nosso sonho, trazer os três para o Brasil: Besson e as meninas Minerve e Mickerlange."
Pesquisador critica política de refúgio
Pablo Pereira, O Estado de S.Paulo
Mas nem tudo é festa e motivo de otimismo na migração estrangeira para o Brasil. "Falta muito para sermos solidários", afirma o pesquisador Alex André Vargem, que estuda a imigração africana para o Brasil. Graduado em Ciências Sociais na PUC-SP e com formação em Direito Internacional dos Refugiados pelo International Institute of Humanitarian Law, na Itália, ele critica a política brasileira para africanos e a forma como funcionários públicos do País tratam os imigrantes nos postos de entrada.
"Os imigrantes não são informados de seus direitos quando chegam aqui", diz Vargem. "É comum encontrar entre eles aqueles que não sabem quais são as possibilidades de imigração segundo as regras internacionais." Na opinião do pesquisador, o Brasil "não é essa maravilha toda" apresentada oficialmente pelo governo federal. "Os africanos, por exemplo, são vistos como migrantes indesejáveis", declara.
Ele lembra que há dois grupos diferentes de migrantes: os que migram por questões econômicas ou por decisão própria de mudar de vida e aqueles que são forçados a deixar seus países. Neste último caso estão muitos dos africanos que chegam ao Brasil escondidos em navios. De acordo com o pesquisador, o governo brasileiro não atende às regras internacionais que pregam a concessão de refúgio e impede a entrada e a permanência legal desses cidadãos em situação de perigo.
Segundo os estudos de Vargem, o Brasil concede refúgio a estrangeiros nos mesmos níveis dos Estados Unidos, ou seja, em torno de 35% dos pedidos recebidos. "E 65% das solicitações são rejeitadas", ressalta ele. Mesmo a Itália, que tem forte pressão interna contrária a imigrantes, costuma conceder refúgio a 52% dos pedidos. O pesquisador, que é membro da ONG Instituto do Desenvolvimento da Diáspora Africana no Brasil (IDDAB), afirma que há hoje em todo o mundo um forte questionamento sobre os acordos internacionais de direito ao refúgio. "É uma legislação que está em xeque no mundo", ressalta.
No que se refere à conduta do governo brasileiro, Vargem é duro. Defende uma revisão da política de anistia aos estrangeiros, mais transparência no processo de concessão de refúgio existente no Conare e o fim das taxas para estrangeiros que não podem pagar pelos documentos exigidos. De acordo com os dados dele, há hoje no País cerca de 600 mil ilegais. "A cantada solidariedade brasileira é uma falácia", critica. "Há preconceito contra ao africanos."
Receptividade. O secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão discorda da avaliação do pesquisador. "Se você pegar os números brutos das nossas repatriações ou deportações, elas são infinitamente menores, proporcionalmente, do que em outros países", afirma Abrão. "Por vezes, países europeus têm números mensais que são dez vezes maiores do que os nossos anuais. No ano passado, deportamos 175 estrangeiros, e repatriamos 136. Somados, não são nem 10% de um único país."
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