GEOGLIFOS PARA EPYMARÁ E KURAMPURA¹
Alceu Ranzi² e
Evandro Ferreira³
Nos escritos deixados por dois estudiosos-aventureiros que andaram pelo Acre na passagem do século XIX para o século XX, o Coronel Antonio Labre (fundador da cidade de Lábrea, Amazonas) e o Coronel inglês Percy Fawcett (que inspirou o personagem “Indiana Jones”), é possível perceber detalhes interessantes sobre Templos, Deuses e Demônios.
Esses
personagens mereceram a atenção de muitos estudiosos. O Dr. Hélio Rocha,
professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), pesquisou sobre o
fundador de Lábrea e publicou o livro “Coronel Labre” (Editora Scienza), o qual
é recomendo para os pesquisadores da Amazônia Ocidental. De outra parte, sobre
o Coronel Fawcett, a literatura está plena de descrições de suas aventuras e
artigos técnicos, fruto de suas expedições pelos sertões do Brasil e andanças
por tierras no descubiertas para estabelecer os limites da Bolívia com Brasil e
Peru.
Em
ordem cronológica vamos iniciar em 1877, com o Coronel Labre e sua expedição
que varou a pé desde a margem esquerda do Rio Madre de Dios, no atual
Departamento de Pando na Bolívia, até chegar na margem direita do Rio Acre, na
região da desembocadura do Riozinho do Rola, nas proximidades do atual “Lago do
Amapá”, num percurso aproximado de 250 km.
Enquanto
Labre caminhava, por bem cuidadas trilhas e varadouros indígenas, ele notou
vários campos circulares, com casas e templos. Numa taba Araúna (indígenas que
habitaram os rios Abunã e Orton na Bolívia) ele descreveu:
“...vi
um pequeno tijupal (palhoça) servindo de templo, onde estavam guardados seus
penates (Deuses protetores) ou ídolos”.
Seguindo
sua caminhada, o Coronel Labre continuou suas anotações:
“...Boa
casa ainda em estado de conservação, um templo e pátio grande e bem limpo...”.
“Passamos por três taperas, tendo uma d’ellas grande área aberta em prado com
restos de árvores frutícferas”.
“...Casa
grande em bom estado de conservação e limpeza, e um templo onde ainda
conservam-se os ídolos indígenas (objetos consagrados ao culto), o pátio da
casa estava limpo e varrido, confundindo-se com a praça do templo. N’esta
povoação houve antigamente uma grande tribo, segundo anuncia a área, em torno
da habitação, formando um círculo perfeito (Geoglifo?), com diâmetro de um
kilometro...”
“...Passamos
por um campinho de 1.500 metros de circunferência, que disseram os Guarayos
(indígenas do rio Abunã) ser lugar de plantações antigas”.
“Esta
povoação…tem uma área de campo aberto, perto de 5 kilometros em circunferência,
tendo de diâmetro 1.500 metros”.
“...eram
pequenos prados naturaes ...o maior d’elles poderia ter 5 kilometros de
comprimento, com uma largura de 2 kilometros na parte central”.
“Mamuyeçada
é uma maloca de 100 e tantos a 200 habitantes; tem forma de governo, templos,
culto e religião ...(mulheres)... sendo-lhes prohibida a entrada no templo e
obrigadas a ignorar os nomes e formas dos ídolos, que não tem forma humana, são
figuras geométricas, feitos de madeira polida. O maioral ou pai dos deuses
chama-se Epymará, tem forma elipsoide e poderá ter em dimensão de 35 a 40 centímetros”.
A
citação acima, do Cel. Labre, mereceu a atenção de Denise Schaan, principal
estudiosa dos Geoglifos do Acre: “Ali (Labre) aprendeu que aqueles povos
adoravam deuses de formatos geométricos, esculpidos em madeira”.
Trinta
anos depois de Labre, em 1907, passando pelas mesmas trilhas, nas proximidades
da atual cidade de Capixaba, região conhecida por antigos campos naturais e com
muitos Geoglifos plotados, o Coronel Fawcett fez as seguintes anotações
(tradução nossa):
“Acampamos
em um lugar chamado Campo Central, com a missão de encontrar as nascentes de
alguns rios e anotar suas posições. Enquanto realizávamos o trabalho,
observamos enormes campos circulares, de uma milha ou mais em diâmetro
(aproximadamente 2 mil metros), o local há poucos anos passados era uma grande
aldeia dos Apurinãs. Alguns desses índios ainda vivem num lugar chamado Gavião.
Esses índios, haviam se submetido à civilização e pareciam contentes o
suficiente, exceto pela malícia de um espírito chamado Kurampura”.
Ainda
no Acre, Fawcett observou que, “aqui e ali um tronco havia sido esculpido no
formato de um cone de 30 a 35 cm de altura, provavelmente com motivo
religioso”.
Assim,
podemos inferir, pelas observações dos desenhos representados pelos Geoglifos
(círculos, quadrados, hexágonos e octógonos) e pelos Deuses e ídolos em formato
de elipsoide e/ou cone, que os antigos habitantes do Acre faziam parte de um
povo que dominava a geometria ao ponto de suas aldeias e seus Deuses serem
representados em formas geométricas.
Sobre
o olhar respeitoso que devemos ter para com os Geoglifos, vale lembrar o alerta
do ex-governador Binho Marques: “Será necessário um esforço de todos - Estado,
empresas, comunidades - para a conservação dos Geoglifos, para pesquisá-los e
conhecê-los melhor, para incluí-los no nosso sonho de um desenvolvimento
econômico social e ambientalmente sustentável. Queremos disseminar um
sentimento de responsabilidade sobre essa riqueza tatuada na pele de nossa
terra. É necessário que cada acreano veja e reveja o solo sagrado onde pisa”.
Para saber
mais:
·
Fawcett,
P.H. 2001. Exploration Fawcett. Phoenix
Press, London.
·
Labre, A.R.P.
1889. Colonel Labre’s exploraƟ ons in the region between the Beni and Madre de Dios rivers and the
Purus. Proceedings of the Royal Geographical Society and
Monthly Record of Geography, v.11, p.496-502.
·
Marques,
B. 2010. A força das imagens. In: Schaan, D.P.; Ranzi, A.; Barbosa, A.D. (Org.). Geoglifos:
Paisagens da Amazônia Ocidental. Rio Branco: Editora GKNoronha. p.7.
·
Rocha,
H. 2016. Coronel Labre. São Carlos:
Editora Scienza. 234p.
·
Schaan,
D., Ranzi, A., Barbosa, A.D. 2010. Geoglifos:
Paisagens da Amazônia Ocidental. Rio Branco: Editora GKNoronha. 100p.
¹Artigo originalmente publicado no jornal A Gazeta, em Rio Branco, Acre, em 05/08/2020.
²Alceu
Ranzi é Paleontologia, ex-professor da Universidade Federal do Acre-UFAC.
³Evandro
Ferreira é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA e do
Parque Zoobotânico da UFAC.
Fonte da Imagem: Antonio Labre, 1889.
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