MALÁRIA NO ACRE
Reproduzo abaixo um importantíssimo artigo sobre a malária, que tantos problemas tem causado em nossa região nestes últimos anos. Os autores trabalham no Departamento de Ciências da Saúde da UFAC, Curso de Medicina, e são, sem sombra de dúvidas, referências no assunto. O artigo aborda de forma competente o aspecto histórico da doença, seus ciclos em nossa região e o futuro da mesma tendo em vista os diversos planos de desenvolvimento previstos para a amazônia.
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MALÁRIA, AMAZÔNIA E DESENVOLVIMENTO (*)
Migração, degradação ambiental e doenças infecciosas caminham juntas na região amazônica
MANUEL CESARIO & RAQUEL RANGEL CESARIO
Sanitaristas, são pesquisadores do Observatório da Amazônia sul-ocidental em Saúde Coletiva e Ambiente, da Universidade Federal do Acre.
"A Saúde é um subproduto social, a doença é um fato político, e a atitude sanitária de um povo expressa sua cultura", argumentava Paulo de Almeida Machado (ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e ex-ministro da Saúde) citando o médico e pesquisador português Almerindo Lessa. Para entendermos a dinâmica da malária na Amazônia devemos partir dessa heterodoxa afirmação e ir além da epidemiologia da doença e da ecologia dos seus vetores. Faz-se necessário, também, conhecer a sua história, seus programas de controle, bem como paradigmas implícitos nas políticas de saúde e de desenvolvimento econômico.
Historicamente, destacam-se quatro fases da malária no mundo. Durante a primeira, da Antigüidade até o século XIX, a doença era considerada resultado de miasmas – a mala aria dos pântanos italianos. Em 1820 surgiu o tratamento com quinino, e em 1890 o agente etiológico (Plasmodium sp.) foi identificado por Alphonse Laveran. O mecanismo de transmissão foi descrito por Ronald Ross em 1897.
Na segunda fase, do século XIX até meados do XX, os esforços se concentravam no combate às larvas com drenagens e aterros, uso de larvicidas (principalmente o Verde-Paris), e no afastamento dos mosquitos vetores (anofelinos) com telagem nas casas, uso de mosquiteiros e de inseticidas sem efeito residual, como o Piretro.
Em um terceiro período, de meados do século XX até a década de 1990, o sonho de erradicação mundial da malária foi fomentado pelo sucesso inicial do uso do DDT para combater os mosquitos e pelo aparecimento de um novo arsenal terapêutico representado pelas drogas cloroquina, primaquina, amodiaquina e mefloquina.
Na quarta fase histórica – os últimos 25 anos – observou-se uma diminuição na ênfase dada aos aspectos biológicos do complexo ciclo da doença e uma crescente preocupação com os fatores socioeconômicos, ambientais e políticos, uma vez que tanto os anofelinos quanto os plasmódios apresentam crescente resistência aos fármacos.
O impacto da malária na saúde pública é maior na África e decresce gradualmente na Índia, Sudeste Asiático e Oceania. As Américas são a região menos atingida, mas ainda assim a população sob risco de transmissão varia de 30% a 35% da total (dados de 1994 e 2003) segundo a Organização Pan-americana de Saúde (Opas). Os números variam muito de um país para outro (de menos de 10% na Argentina a 100% no Haiti, na Nicarágua, no Panamá e na República Dominicana). Cerca de 90% de todos os casos de malária na América do Sul são encontrados na Amazônia.
Dentro dos nove países que abrigam esse bioma, a Opas estabelece a média de habitantes expostos à transmissão como 45%, e lista a Amazônia brasileira em primeiro lugar, com 93,9% de sua população sob risco de malária. De 1980 a 2003, entre 94,8% e 99,7% de todos os casos brasileiros de malária foram em estados da Amazônia Legal.
No início dos anos 1940 o país apresentava 6 milhões de casos anuais de malária (mais de 10% da população), em parte por causa da importação do Anopheles gambiae da África, que foi posteriormente erradicado pelo uso do Piretro e do Verde-Paris, abandonados por sua alta toxicidade. Na década de 1960, teve início a Campanha de Erradicação da Malária (CEM), que interrompeu com DDT a transmissão na totalidade das regiões Sul e Sudeste, em quase toda a região Nordeste e em parte do Centro-Oeste.
Em 1970 o número de casos caíra para 52 mil, e o Brasil fora dividido em duas áreas, com base em suas características ambientais e socioeconômicas: a Amazônia, onde se pretendia a erradicação a longo prazo, e o resto do país, onde ela se daria em curto prazo. O número de casos de malária registrados por ano no Brasil cresceu, então, dos 50 mil nos anos 1970 para quase 600 mil no final dos anos 1980 – quando representava 10% de todos os casos registrados
no mundo, excetuando a África – e no fim do século XX ultrapassava os 600 mil casos por ano. Essa situação levou o Ministério da Saúde a criar o Plano de Intensificação das Ações de Controle da Malária (PIACM), que pela primeira vez concentrava esforços no diagnóstico e tratamento precoces e no fortalecimento dos sistemas de vigilância da doença. O programa vigorou de 2000 a 2002, conseguindo neste intervalo reduzir em 50% a incidência da malária na Amazônia Legal. O número de internações teve queda de 69,2% e o total de mortes em razão da doença caiu 54,7%.
Risco Crescente
A partir de 2001, a incidência de malária tem crescido mais intensamente no Acre, em Rondônia e no Amazonas, e em Roraima e no Amapá também se observa crescimento a nos últimos anos (ver gráfico abaixo). Apenas no Pará, no Maranhão e em Tocantins é que a tendência de decréscimo de 1999 e 2000 se manteve. Em suma, no século XXI observa-se um crescimento da malária na região como um todo, com concentração dos casos na Amazônia ocidental. O exemplo mais alarmante é o do estado do Acre, com aumento de 153% de 2003 para 2004 e de 63% de 2004 para 2005.
O sonho de enriquecimento acalentado pela valorização da borracha, no final do século XIX, levou grande contingente de migrantes do Nordeste à Amazonia ocidental. Em função do seringalismo, e como compensação pela anexação do Acre ao Brasil, o governo prometeu à Bolívia retomar as obras da Ferrovia Madeira-Mamoré, no início do século XX. Para a construção da chamada "Ferrovia do Diabo" foram trazidos mais de 20 mil trabalhadores de diversas partes do mundo e mais de 6 mil deles sucumbiram à malária e a outras doenças tropicais. A empreitada trágica deu origem à lenda de que cada dormente que sustentava os trilhos correspondia a uma vida perdida. Essas duas migrações maciças fizeram com que pessoas até então sem nenhuma exposição ao "inferno verde" entrassem em intenso contato com a floresta.
Os dois períodos coincidiram com as duas primeiras grandes epidemias de malária na Amazônia, segundo o infectologista Erney Camargo. Outra onda desenvolvimentista coincide com o crescimento vertiginoso de 50 para 600 mil casos anuais de malária nas décadas de 1970 e 1980. O chamado "milagre econômico" brasileiro incluiu a construção das rodovias Transamazônica e Cuiabá Santarém, inúmeras hidrelétricas, além de projetos de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), resultando em inegáveis alterações ambientais e migrações internas. O Plano de Intensifi cação das Ações de Controle da Malária (PIACM), lançado em 2000 pelo Ministério da Saúde como parte da descentralização das ações do Sistema Único de Saúde (SUS), tinha reduzido os mais de 500 mil casos anuais da doença registrados em 1999 para 50% desse valor em 2002.
A iniciativa de sucesso, porém, foi prejudicada pela troca de governos municipais em 2001 e deixou de vigorar em 2003, com a mudança no governo federal. Coincidindo com o aumento de 312% na incidência de malária no Acre nos últimos dois anos, o trânsito ilegal de madeira (e madeireiros) entre o Brasil e o Peru na região acreana do rio Juruá tem crescido e gerado confl itos.
Desde o início do século XXI a Amazônia ocidental está sujeita a uma nova onda de fluxos migratórios e a alterações ambientais sem precedentes, previstos como decorrência do esforço de globalização em curso, com megaprojetos de infra-estrutura. Três usinas hidrelétricas, planejadas para somar 10 mil megawatts à rede nacional, propiciarão 4.000 km de hidrovias na bacia do rio Madeira, aumentando a mobilidade das pessoas, alargando espelhos d’água e alterando o regime hidrológico do maior tributário da bacia Amazônica em termos de sedimentos.
Isso pode ter conseqüências inimagináveis para a saúde pública, uma vez que o mercúrio depositado nos sedimentos do rio Madeira (em parte vindo dos garimpos de ouro) se concentra ao longo da cadeia alimentar, chegando aos peixes e àqueles que os comem, sejam ribeirinhos locais ou consumidores de mercados distantes. Rodovias estão sendo melhoradas para permitir o escoamento da crescente produção de grãos do Centro-Sul brasileiro para mercados promissores do Pacífi co, transformando uma região historicamente isolada em um corredor de passagem de pessoas e produtos entre o Brasil e seus vizinhos andinos.
O trecho final da BR-317, que liga Rio Branco à Bolívia e ao Peru, foi inaugurado em 2002. Pontes sobre as fronteiras com a Bolívia e com o Peru ficaram prontas em 2004 e 2006, respectivamente. Inúmeros estudos têm demonstrado a contribuição da construção de novas estradas ou do asfaltamento das já existentes para o aumento do número de casos e da área de risco de dispersão de doenças transmitidas por vetores, como a malária. Isso se dá uma vez que a quantidade de vetores aumenta com o desmatamento que acompanha as estradas.
Futuro Incerto
A atual esperança de controle da malária em escala mundial se volta ao desenvolvimento de vacinas contra diversos estágios do plasmódio, o que até agora tem se mostrado mais difícil do que se esperava inicialmente. Antevê-se que, quando a vacina for desenvolvida, o alto custo restringirá seu uso à prevenção de contágio de viajantes mais abastados do primeiro mundo. Não há garantia de que a indústria químico-farmacêutica será capaz de diminuir a magnitude da doença (meio bilhão de doentes por ano) nos países em desenvolvimento.
O Brasil precisa acordar para o risco de a malária repetir no século XXI o mesmo fl agelo que ceifou milhares de vidas na Amazônia cem anos atrás. Isso pode ocorrer caso o modelo de desenvolvimento continue baseado na agricultura extensiva e seus decorrentes megaprojetos de infra-estrutura, resultando em mais migrações e desmatamento.
(*) Originalmente publicado na revista Scientific American Brasil, Maio 2006.
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MALÁRIA, AMAZÔNIA E DESENVOLVIMENTO (*)
Migração, degradação ambiental e doenças infecciosas caminham juntas na região amazônica
MANUEL CESARIO & RAQUEL RANGEL CESARIO
Sanitaristas, são pesquisadores do Observatório da Amazônia sul-ocidental em Saúde Coletiva e Ambiente, da Universidade Federal do Acre.
"A Saúde é um subproduto social, a doença é um fato político, e a atitude sanitária de um povo expressa sua cultura", argumentava Paulo de Almeida Machado (ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e ex-ministro da Saúde) citando o médico e pesquisador português Almerindo Lessa. Para entendermos a dinâmica da malária na Amazônia devemos partir dessa heterodoxa afirmação e ir além da epidemiologia da doença e da ecologia dos seus vetores. Faz-se necessário, também, conhecer a sua história, seus programas de controle, bem como paradigmas implícitos nas políticas de saúde e de desenvolvimento econômico.
Historicamente, destacam-se quatro fases da malária no mundo. Durante a primeira, da Antigüidade até o século XIX, a doença era considerada resultado de miasmas – a mala aria dos pântanos italianos. Em 1820 surgiu o tratamento com quinino, e em 1890 o agente etiológico (Plasmodium sp.) foi identificado por Alphonse Laveran. O mecanismo de transmissão foi descrito por Ronald Ross em 1897.
Na segunda fase, do século XIX até meados do XX, os esforços se concentravam no combate às larvas com drenagens e aterros, uso de larvicidas (principalmente o Verde-Paris), e no afastamento dos mosquitos vetores (anofelinos) com telagem nas casas, uso de mosquiteiros e de inseticidas sem efeito residual, como o Piretro.
Em um terceiro período, de meados do século XX até a década de 1990, o sonho de erradicação mundial da malária foi fomentado pelo sucesso inicial do uso do DDT para combater os mosquitos e pelo aparecimento de um novo arsenal terapêutico representado pelas drogas cloroquina, primaquina, amodiaquina e mefloquina.
Na quarta fase histórica – os últimos 25 anos – observou-se uma diminuição na ênfase dada aos aspectos biológicos do complexo ciclo da doença e uma crescente preocupação com os fatores socioeconômicos, ambientais e políticos, uma vez que tanto os anofelinos quanto os plasmódios apresentam crescente resistência aos fármacos.
O impacto da malária na saúde pública é maior na África e decresce gradualmente na Índia, Sudeste Asiático e Oceania. As Américas são a região menos atingida, mas ainda assim a população sob risco de transmissão varia de 30% a 35% da total (dados de 1994 e 2003) segundo a Organização Pan-americana de Saúde (Opas). Os números variam muito de um país para outro (de menos de 10% na Argentina a 100% no Haiti, na Nicarágua, no Panamá e na República Dominicana). Cerca de 90% de todos os casos de malária na América do Sul são encontrados na Amazônia.
Dentro dos nove países que abrigam esse bioma, a Opas estabelece a média de habitantes expostos à transmissão como 45%, e lista a Amazônia brasileira em primeiro lugar, com 93,9% de sua população sob risco de malária. De 1980 a 2003, entre 94,8% e 99,7% de todos os casos brasileiros de malária foram em estados da Amazônia Legal.
No início dos anos 1940 o país apresentava 6 milhões de casos anuais de malária (mais de 10% da população), em parte por causa da importação do Anopheles gambiae da África, que foi posteriormente erradicado pelo uso do Piretro e do Verde-Paris, abandonados por sua alta toxicidade. Na década de 1960, teve início a Campanha de Erradicação da Malária (CEM), que interrompeu com DDT a transmissão na totalidade das regiões Sul e Sudeste, em quase toda a região Nordeste e em parte do Centro-Oeste.
Em 1970 o número de casos caíra para 52 mil, e o Brasil fora dividido em duas áreas, com base em suas características ambientais e socioeconômicas: a Amazônia, onde se pretendia a erradicação a longo prazo, e o resto do país, onde ela se daria em curto prazo. O número de casos de malária registrados por ano no Brasil cresceu, então, dos 50 mil nos anos 1970 para quase 600 mil no final dos anos 1980 – quando representava 10% de todos os casos registrados
no mundo, excetuando a África – e no fim do século XX ultrapassava os 600 mil casos por ano. Essa situação levou o Ministério da Saúde a criar o Plano de Intensificação das Ações de Controle da Malária (PIACM), que pela primeira vez concentrava esforços no diagnóstico e tratamento precoces e no fortalecimento dos sistemas de vigilância da doença. O programa vigorou de 2000 a 2002, conseguindo neste intervalo reduzir em 50% a incidência da malária na Amazônia Legal. O número de internações teve queda de 69,2% e o total de mortes em razão da doença caiu 54,7%.
Risco Crescente
A partir de 2001, a incidência de malária tem crescido mais intensamente no Acre, em Rondônia e no Amazonas, e em Roraima e no Amapá também se observa crescimento a nos últimos anos (ver gráfico abaixo). Apenas no Pará, no Maranhão e em Tocantins é que a tendência de decréscimo de 1999 e 2000 se manteve. Em suma, no século XXI observa-se um crescimento da malária na região como um todo, com concentração dos casos na Amazônia ocidental. O exemplo mais alarmante é o do estado do Acre, com aumento de 153% de 2003 para 2004 e de 63% de 2004 para 2005.
O sonho de enriquecimento acalentado pela valorização da borracha, no final do século XIX, levou grande contingente de migrantes do Nordeste à Amazonia ocidental. Em função do seringalismo, e como compensação pela anexação do Acre ao Brasil, o governo prometeu à Bolívia retomar as obras da Ferrovia Madeira-Mamoré, no início do século XX. Para a construção da chamada "Ferrovia do Diabo" foram trazidos mais de 20 mil trabalhadores de diversas partes do mundo e mais de 6 mil deles sucumbiram à malária e a outras doenças tropicais. A empreitada trágica deu origem à lenda de que cada dormente que sustentava os trilhos correspondia a uma vida perdida. Essas duas migrações maciças fizeram com que pessoas até então sem nenhuma exposição ao "inferno verde" entrassem em intenso contato com a floresta.
Os dois períodos coincidiram com as duas primeiras grandes epidemias de malária na Amazônia, segundo o infectologista Erney Camargo. Outra onda desenvolvimentista coincide com o crescimento vertiginoso de 50 para 600 mil casos anuais de malária nas décadas de 1970 e 1980. O chamado "milagre econômico" brasileiro incluiu a construção das rodovias Transamazônica e Cuiabá Santarém, inúmeras hidrelétricas, além de projetos de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), resultando em inegáveis alterações ambientais e migrações internas. O Plano de Intensifi cação das Ações de Controle da Malária (PIACM), lançado em 2000 pelo Ministério da Saúde como parte da descentralização das ações do Sistema Único de Saúde (SUS), tinha reduzido os mais de 500 mil casos anuais da doença registrados em 1999 para 50% desse valor em 2002.
A iniciativa de sucesso, porém, foi prejudicada pela troca de governos municipais em 2001 e deixou de vigorar em 2003, com a mudança no governo federal. Coincidindo com o aumento de 312% na incidência de malária no Acre nos últimos dois anos, o trânsito ilegal de madeira (e madeireiros) entre o Brasil e o Peru na região acreana do rio Juruá tem crescido e gerado confl itos.
Desde o início do século XXI a Amazônia ocidental está sujeita a uma nova onda de fluxos migratórios e a alterações ambientais sem precedentes, previstos como decorrência do esforço de globalização em curso, com megaprojetos de infra-estrutura. Três usinas hidrelétricas, planejadas para somar 10 mil megawatts à rede nacional, propiciarão 4.000 km de hidrovias na bacia do rio Madeira, aumentando a mobilidade das pessoas, alargando espelhos d’água e alterando o regime hidrológico do maior tributário da bacia Amazônica em termos de sedimentos.
Isso pode ter conseqüências inimagináveis para a saúde pública, uma vez que o mercúrio depositado nos sedimentos do rio Madeira (em parte vindo dos garimpos de ouro) se concentra ao longo da cadeia alimentar, chegando aos peixes e àqueles que os comem, sejam ribeirinhos locais ou consumidores de mercados distantes. Rodovias estão sendo melhoradas para permitir o escoamento da crescente produção de grãos do Centro-Sul brasileiro para mercados promissores do Pacífi co, transformando uma região historicamente isolada em um corredor de passagem de pessoas e produtos entre o Brasil e seus vizinhos andinos.
O trecho final da BR-317, que liga Rio Branco à Bolívia e ao Peru, foi inaugurado em 2002. Pontes sobre as fronteiras com a Bolívia e com o Peru ficaram prontas em 2004 e 2006, respectivamente. Inúmeros estudos têm demonstrado a contribuição da construção de novas estradas ou do asfaltamento das já existentes para o aumento do número de casos e da área de risco de dispersão de doenças transmitidas por vetores, como a malária. Isso se dá uma vez que a quantidade de vetores aumenta com o desmatamento que acompanha as estradas.
Futuro Incerto
A atual esperança de controle da malária em escala mundial se volta ao desenvolvimento de vacinas contra diversos estágios do plasmódio, o que até agora tem se mostrado mais difícil do que se esperava inicialmente. Antevê-se que, quando a vacina for desenvolvida, o alto custo restringirá seu uso à prevenção de contágio de viajantes mais abastados do primeiro mundo. Não há garantia de que a indústria químico-farmacêutica será capaz de diminuir a magnitude da doença (meio bilhão de doentes por ano) nos países em desenvolvimento.
O Brasil precisa acordar para o risco de a malária repetir no século XXI o mesmo fl agelo que ceifou milhares de vidas na Amazônia cem anos atrás. Isso pode ocorrer caso o modelo de desenvolvimento continue baseado na agricultura extensiva e seus decorrentes megaprojetos de infra-estrutura, resultando em mais migrações e desmatamento.
(*) Originalmente publicado na revista Scientific American Brasil, Maio 2006.
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