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02 novembro 2006

GOL 1907 E A DINHEIRAMA


Abaixo-assinado frustrado da TV Globo

Por Marcelo Salles, Observatório da Imprensa, em 31/10/2006

Se a expectativa da TV Globo com o abaixo-assinado (ver "Em defesa da correção profissional") era convencer os internautas de que o Jornal Nacional procedeu corretamente ao segurar as informações sobre o acidente com o vôo 1907 da Gol, não funcionou. Se a idéia era deslocar o eixo das críticas à empresa para o campo da ofensa pessoal, o resultado também não foi o esperado.

E quem diz isso são os próprios leitores dos portais em que o abaixo-assinado foi publicado. Até as 23h30 do dia 29/10/2006, este Observatório da Imprensa havia recebido 241 comentários sobre o documento. Apenas três defendiam a posição dos jornalistas da TV Globo. Repetindo: apenas três entre 241 comentários defendiam a posição dos jornalistas da TV Globo. Os outros 238 atacavam – alguns muito duramente – a iniciativa.

Já no Comunique-se, a TV Globo conseguiu um número maior de apoiadores. Dos 117 comentários publicados até as 23h30 do dia 29/10/2006, 18 defendiam o abaixo-assinado, sendo que, desses, sete são funcionários da empresa.

A despeito dessa fragorosa derrota perante os leitores, é fundamental analisarmos com muita cautela o abaixo-assinado dos empregados da TV Globo e as circunstâncias que o envolvem.

1. A motivação do documento foi a reportagem de capa da revista CartaCapital (nº 415). Na página 23, o autor do texto, Raimundo Pereira, afirma:

"No dia 29 [de setembro], no Jornal Nacional, da Globo, no entanto, não há espaço para mais nada: a tragédia do avião da Gol não entra; o noticiário eleitoral, com destaque para as fotos do dinheiro dos petistas, é praticamente o único assunto".

Mais à frente, Raimundo pergunta:

"Qual a razão da omissão do JN? A emissora levou um furo, como se diz no jargão jornalístico, ou decidiu concentrar seus esforços no que lhe pareceu mais importante?".

Assim como nesses dois trechos, no decorrer da reportagem fica claro que a crítica é em relação à direção da emissora. Em nenhum momento houve tentativa de calúnia ou ofensa à honra dos profissionais envolvidos na apuração, como tenta fazer parecer o abaixo-assinado. Basta pegar a revista e reler. Raimundo inclusive chega a afirmar, na mesma página 23, que a "questão da divulgação das fotos mobilizou a cúpula do jornalismo da tevê dos Marinho". E na página 24, reitera:

"Compreende-se por que a decisão sobre o que fazer com o áudio e com as fotos tivesse de ser tomada pelas mais altas autoridades da emissora".

Sutileza global

2. Após o início dramático do texto do abaixo-assinado, em que se alega "revolta, perplexidade e pesar" contra "acusações caluniosas", o documento volta a tentar justificar a não divulgação de informações relativas ao acidente com o avião da Gol, dessa vez afirmando que nem a Folha de S.Paulo nem o Estado de S.Paulo haviam publicado notícias mais substanciais na edição de 30/09/2006, véspera do primeiro turno das eleições. Justo os dois jornais que caprichosamente diagramaram suas capas de maneira a criminalizar subliminarmente um dos candidatos. Entretanto, ao se escudar nos dois impressos, o abaixo-assinado derruba sua própria alegação de que a publicação de informações imprecisas levaria "angústia a milhões de amigos e parentes" dos passageiros da Gol.

3. Por fim, o tom arrogante que permeia o abaixo-assinado é resumido em sua última frase:

"Jamais tomaríamos parte de complôs de natureza partidária, ou de qualquer outra, que, na verdade, têm vida apenas na cabeça daqueles que, dominados pela paixão política, não se envergonham de caluniar profissionais honestos".

Ou seja, em vez de adotar uma postura humilde e se explicar, a direção da TV Globo insiste em se fazer de vítima e ainda contra-ataca, sem dar nomes, a todos os que "não se envergonham de caluniar profissionais honestos". Em outras palavras, todos os que questionaram a manipulação da Globo às vésperas do primeiro turno. Bush não teria feito melhor. Porque ao dizer que "ou você está com os EUA ou contra os EUA", ele passa longe da sutileza insidiosa da cúpula global.

Triste a empresa que não consegue justificar suas práticas condenáveis e se esconde atrás de 172 funcionários. Esses, por mais que discordem do teor do abaixo-assinado, estariam compelidos a assiná-lo. E como os nomes que ali figuram vão desde o editor-chefe do Jornal Nacional (um cargo de confiança) até nomes menos famosos, fica caracterizado que o documento veio de cima para baixo.

Democratização da mídia

O que a direção da TV Globo ainda não compreendeu é que os leitores do Observatório da Imprensa, do Comunique-se, do Conversa Afiada e os internautas em geral, não são Homers. A empresa ficou mal acostumada a divulgar pela televisão sua versão dos fatos sem ser questionada. Mas parece que ainda não notou que na internet a conversa é diferente. Aqui o leitor tem a possibilidade de navegar em milhares de jornais e revistas, pode conhecer diversos pontos de vista e, melhor ainda, tem acesso à mídia alternativa. E isso com apenas 21,43% do total de domicílios com acesso à internet, de acordo com o Comitê Gestor da Internet no Brasil (ver aqui). Ainda assim, trata-se de um universo muito mais democrático do que a televisão aberta brasileira, hoje restrita a seis emissoras ideologicamente afinadas que falam o que querem e como querem para 190 milhões de pessoas. Imagine quando o acesso à internet for o mesmo da televisão, que chega a 99% das residências...

Será por esse motivo que o diretor-executivo de Jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, não aceitou o desafio público que lancei neste Observatório (ver "TV Globo, o delegado e outros assuntos capitais"), de debater a necessária democratização da mídia brasileira? Ele pode argumentar que a Globo é democrática, que dá espaço para todos, que tem até a Central da Periferia. E eu terei os meus argumentos.

Em tempo: será que os 172 empregados da TV Globo assinariam um documento pela democratização da mídia brasileira?