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10 dezembro 2006

GLOBO REPORTER SOBRE O ACRE

Parte 1

Algumas semanas atrás o reporter da Rede Globo, José Raimundo, esteve no Parque Zoobotânico da UFAC entrevistando Foster Brown para o programa Globo Reporter, que foi ao ar na sexta passada (8/12). O título do programa "Riquezas Amazônicas", reflete bem o que o reporter encontrou em suas andanças pelo interior do Estado. Imagino que muita coisa foi cortada. Para vocês terem uma idéia, no PZ a equipe da Globo passou uma manhã inteira conversando com o Foster. No programa só foi possível inserir uma frase curta do mesmo, coisa de 15 segundos. É uma pena que não deu para fazer o programa em duas partes.

De qualquer forma, para quem perdeu a oportunidade de assistir o programa, reproduzo abaixo a transcrição do mesmo, disponível na página do programa na internet (veja link ao final deste texto).

RIQUEZAS AMAZÔNICAS: UMA AVENTURA NA MAIOR FLORESTA DO MUNDO
Reportagem: José Raimundo, Rede Globo de Televisão


Primeiro bloco:

LEI DA SELVA


Alto Juruá, Amazônia ocidental. Viajamos por um dos extremos do Brasil. Rio Moa, oeste do Acre. Nosso destino é São Salvador, uma das últimas comunidades da selva brasileira, quase fronteira com o Peru. Navegamos em busca do futuro. Quantas riquezas estão escondidas nesta floresta? O mundo inteiro cobiça. E o homem amazônico começa a ver nestas árvores, nesta selva quase desconhecida, um novo caminho.

A viagem é perigosa. Traficantes de drogas costumam atravessar as águas. Vamos com soldados do Exército. Rio e mata a perder de vista. Este é um dos pedaços da Amazônia que só de barco se chega a algum lugar.


Sumaúmas imponentes, mais de 40 espécies de palmeiras. Esta é uma das áreas de maior biodiversidade do planeta. Casa e gente, só depois de umas cinco horas de voadeira.


Cruzando igarapés e igapós, chegamos a uma das regiões mais isoladas do mundo. Quem mora em São Salvador pode se orgulhar do endereço: este é o ponto mais ocidental do país.


Uma criança que precisa da mãe para quase tudo. É mais ou menos assim o nível de dependência do homem que mora nessa região da Amazônia. Da água que refresca à sombra que protege. Da comida ao remédio. O povo não vive sem a floresta.


É a lei da selva: quando falta proteína animal na mesa, a espingarda resolve. Em São Salvador, o homem depende da fauna para sobreviver. É um dos poucos brasileiros que têm permissão para matar animais silvestres.


O caçador Sebastião Morais, o Seu Tião, não tem gado nem pasto. Não gosta de pescar. Mas caçar, aprendeu quando ainda era menino. Ele diz que até utiliza a espingarda para matar, mas prefere preparar uma arapuca.


Na noite anterior, ele deixou na mata duas arapucas. Segundo ele, a maneira mais fácil de garantir carne no almoço. Difícil é lembrar onde elas foram montadas. Depois de duas horas de caminhada, nem sinal de arapuca. Chegamos a pensar que Seu Tião tinha perdido o rumo.


Na verdade, a arapuca é uma arma mortal. Perigosa até para o homem. É preciso estar bem atento para não tropeçar na cilada. "Quando ele passa no fio, tropeça e detona. O bicho cai morto", explica seu Sebastião.


Sorte dos bichos e azar de Seu Tião, que esperava encontrar pelo menos um tatu na emboscada.

Mais adiante, a segunda armadilha está do jeito que ele deixou. "Não tem nada. Hoje está difícil. Os bichos estão ficando veleiros, ou seja, estão demorando a passar", diz.


Nem todo bicho anda na mira do caçador. "Ninguém mata anta nem macaco. E só matamos onça se ela se voltar contra a gente", conta Seu Tião.


Mas quem mata a fome de quem volta de mãos vazias é a solidariedade. Um jabuti será o almoço da família de Seu Tião. Na hora do aperto, os vizinhos socorrem.


"Quando eles matam uma caça, repartem com quem não tem. E nós fazemos a mesma coisa", conta a dona de casa Maria Alencar.


O jabuti preparado por dona Maria deu para o almoço e ainda sobrou para o jantar. É uma relação de dependência e respeito. Ninguém se atreve a desobedecer às regras.


"Aqui dentro não se caça para vender e não se caçam animais que estejam na lista das espécies ameaçadas de extinção", diz o engenheiro florestal Frederico Machado, coordenador do projeto de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre (Pesacre).

Segundo bloco:
"ERVAS MEDICINAIS"

Na comunidade de São Salvador funciona uma das primeiras experiências na Amazônia de desenvolvimento sustentável. Uma biodiversidade que o Brasil não conhece direito.

Seu Paulo mostra um segredo que em épocas de seca é a salvação do caboclo: um cipó conhecido como unha-de-gato, que mais parece uma caixa d'água. "Essa água é especial, pode beber tranqüilo", garante.

É como achar um copo de água mineral no meio da floresta – potável e doce. Mas os pesquisadores estão descobrindo que esse cipó, além de matar a sede, tem várias propriedades medicinais.


Os primeiros estudos apontam para um reforço importante no nosso sistema imunológico. Os cientistas desconfiam que o unha-de-gato tem propriedades anticancerígenas.


"As pesquisas tem indicado alguma coisa nesse sentido também. Elas têm sido feitas, principalmente, por estrangeiros, o que indica mais uma vez que a nossa riqueza é mais valorizada por pessoas que estão fora do que por nós mesmos que estamos aqui", comenta Frederico Machado.


O que seria do povo da Amazônia sem a medicina da floresta? O conhecimento tradicional, passado pelas antigas gerações, descobriu remédios para quase todos os males.


A planta contra dor de barriga é conhecida como guaribinha. Mas que planta é essa que a dona de casa Zilmar Santos, a Dona Duda, tanto cheira? "É a catuaba macho. Se quebrar a folha e soltar, ela fica sempre em pé", explica.


A folha é só para identificar. O que ela quer mesmo é a raiz da catuaba. "É para o meu marido, que está meio fraco", conta. "O povo diz que levanta 'o moral', e eu vou experimentar".

E para reforçar a vitamina, casca de cumaru, árvore grande e frondosa.


"Quando o café acaba em casa, vamos procurar na mata para fazer o chá", diz Dona Duda, que convidou a equipe para experimentar o café da floresta. Não tem gosto de café, mas é bom. "É melhor com leite", ensina Dona Duda.


Dona Duda deixa para fazer o chá de catuaba à noite. Mas se a catuaba não resolver, ela tem outra opção para ajudar o marido: extrato de xixuá.


"As pessoas têm conhecimento de que ele é afrodisíaco. É usado como estimulante sexual. Segundo as pessoas que já usaram, ele realmente funciona", conta a agente de saúde Sandra Saldo.


Afrodisíacos, antiinflamatórios, dezenas de medicamentos naturais. O Centro de Medicina da Floresta funciona numa casa de madeira. É uma espécie de farmácia comunitária criada pelo conhecimento tradicional.


A comunidade que faz da mata sua única fonte de cura vive nas margens do Rio Croa, numa das paisagens mais bonitas do Acre. Este é o paraíso das águas negras e da vitória-régia.


Mais de 150 espécies de árvores e plantas são manipuladas pelos moradores. Segundo o biólogo Leonardo Calderon, professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), é um laboratório vegetal que pode dar uma grande contribuição às pesquisas da indústria farmacêutica.


"Muito trabalho já foi feito por essas comunidades. Não precisamos investir, a princípio, em trabalhos fortes de bioprospecção para encontrar esses fármacos, porque eles já foram encontrados. Se nós investirmos em pesquisa em cima de nossa biodiversidade, poderemos reverter o quadro da nossa balança comercial", diz o pesquisador.


É na farmácia da floresta que o povo do Croa busca o socorro para a doença mais comum no Acre: a malária.


"Temos um antimalárico composto de várias ervas, como a casca da carapanaúba e quina-quina", conta Sandra Saldo.


O xarope tem gosto amargo, mas funciona, eles dizem. O pescador João da Silva prepara um chá só com a casca da carapanaúba. A mulher dele, a dona de casa Francisca Matos, pegou malária pela 15ª vez. Ela descreve os sintomas da doença: "Febre, dor de cabeça e frio".


Seu João conta que todos na família já pegaram malária. "Minha filha já pegou 18 malárias. Eu já peguei mais de 15. Só Deus defende quem mora na região. Só temos esse chá", diz.

Enfrentar doenças e o próprio sustento com o que a natureza dá. É isso que o povo da floresta aprende ainda na infância.


Treze anos e a habilidade de pescadores experientes. Sozinho, rema contra a correnteza, arma a rede e depois vai buscar o peixe. Raimundo Nonato, de 13 anos, se garante quando a fome aperta.


Raimundinho, como o menino é chamado, descreve o resultado da pescaria: "Flecheira, cascuda e apará, o melhor deles". Ele não depende de ninguém na hora de preparar o banquete. Mas, na hora de comer, nunca está sozinho. Tem peixe assado para os irmãos e até para os penetras. E se alguém pensar que eles não são felizes, está enganado.


Raimundinho diz que não tem vontade de ir embora da floresta. "Só se for para outra", diz.

Seria o paraíso de Raimundinho a morada da fartura e da solução de muitos dos nossos problemas? O tempo e as pesquisas dirão. Mas tudo depende do homem, de como esse patrimônio será explorado.

Terceiro bloco:
"PROJETO DE INTEGRAÇÃO"

Uma palavra só é capaz de definir o interior do Acre: isolamento. Olhando a floresta do alto, mal dá para acreditar que tem gente morando lá embaixo. Por terra, seguindo as trilhas da selva, nos deparamos com muitas surpresas. Chegamos ao território de um povo que, não faz muito tempo, resistia muito em se aproximar do mundo civilizado. Um povo que durante décadas sofreu perseguições dos antigos exploradores da borracha.

A comunicação é muito própria nas aldeias da tribo Katukina. Eles só falam o idioma katukina. Só agora estão começando a aprender o português. Escola, para eles, é quase uma novidade. Na mesma sala de aula, há crianças e adultos, porque o nível de aprendizado ainda não faz a menor diferença.


Só os professores falam português. Nasceram e cresceram nas aldeias, foram estudar na cidade e voltaram para ensinar.


"Hoje temos bilíngües porque alguns professores estudaram fora da escola indígena. Hoje temos necessidade de ensinar e ser bilíngüe também. Precisamos entender dos dois lados", ressalta o professor Fernando Katukina.


É uma necessidade. Como fazer contato com o mundo lá fora falando uma língua que só eles entendem?


"Eles têm isso com muita clareza: a função da língua portuguesa é manter o contato. Não se tem nenhum documento em língua katukina ou em qualquer língua indígena no nosso país", diz a pedagoga Socorro Oliveira, da Secretaria Estadual de Educação do Acre.

Clique aqui para ir para a página do programa na internet.