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14 setembro 2007

BOLSA FLORESTA

A "doação" de recursos públicos, a opressão midiática, seringalistas, fazendeiros e a divisão do "dinheiro fácil" na Amazônia

("Um breve comentário ao comentário de Raimundo Cláudio sobre o Bolsa Floresta")

Prezado Raimundo Cláudio,

Até alguns anos atrás eu era cegamente contra qualquer iniciativa tipo o Bolsa Floresta. Tinha a impressão de que "dar por dar" ia resultar em nada, pois recebendo migalhas ninguém mudaria a percepção da realidade perversa que geralmente rodeia as pessoas que são beneficiadas com este tipo de "ajuda".

Isto sempre me trazia lembranças de um amigo Mexicano que era muito crítico de um programa tipo o bolsa família, o "Solidaridad", que o governo mexicano havia implantado por lá nos idos dos anos 90. Esse amigo era "raivosamente" contra o programa e, na brincadeira, transformava o tal "Solidaridad" em "Solo dá y dá".

Pensar assim dá a impressão de que a gente é um neoliberal, que acredita cegamente nas forças do mercado e que o governo existiria apenas para mediar ou, quando extremamente necessário, remediar as coisas.

Para muita gente, é difícil ver em um programa como o Bolsa Floresta pouca coisa além de uma doação pura e simples. Gasto pouco criterioso de parcos recursos públicos, diriam alguns. E porque isto acontece? Porque estamos expostos a uma mídia que, de forma explícita ou não, nos aprisiona em certos pontos de vista que são impostos como os mais corretos ou politicamente aceitáveis.

É difícil nos livrarmos destas amarras por várias razões, incluindo o ritmo frenético que nos leva a ser quase autômatos, e muitas vezes a aceitar o que "os outros" dizem porque acreditamos que eles, antes de dizer o que dizem, foram a fundo para fazer o juízo que fazem das coisas.

Isto é muito comum, por exemplo, com o americano de classe média. Talvez por isso eles sejam tão conformados. Até reelegeram o Bush! Se você ler qualquer jornal do meio oeste americano, de cidades como Kansas City, Des Moines, Denver, Minneapolis, verá que as notícias são tão “insosas” de opinião, tão filtradas de qualquer cunho analítico, que é quase impossível a quem as lê fazer seu próprio juízo das coisas.

Lá, como aqui, as pessoas também têm uma rotina atribulada e, com certeza, são poucos os que se importam de ir a fundo para saber o "outro lado" da história. É por isso que o mundo (de fora dos EUA) dá tanto valor a jornais como o New York Times e Washington Post. Eles, ao contrário do outros diários americanos, dão aos seus leitores a oportunidade de conhecer, refletir e fazer juízo do que estão lendo.

E o que tudo isso tem a ver com a Bolsa Floresta? Tudo.

Veja que se você é apenas mais um cidadão brasileiro mediano e vive como a maioria das pessoas, amarrado pela opressão midiática, vai enxergar, de forma radical, que é errado "dar" dinheiro para as pessoas conservarem a floresta. Se você é parcialmente liberto das amarras dogmáticas impostas pela mídia, talvez consiga enxergar algo de positivo na referida iniciativa. Finalmente, se você conseguiu se libertar totalmente verá que não existe nada demais fazer o que o Governo do Amazonas está fazendo! Vai conseguir ver que isso faz parte das políticas públicas que têm sido praticadas ao longo da história econômica de nosso país.

Veja o caso do Acre. Quando morei em Tarauacá, em meados dos anos 70, lembro que os seringalistas tinham direito a empréstimos anuais subsidiados no Banco da Amazônia. Quando o dinheiro era liberado, em outubro-novembro, a cidade ficava em festa. Os barões da borracha compravam carros e motocicletas novos, equipamentos eletrônicos de última geração importados de Manaus, viajavam para o Rio e São Paulo, os filhos iam estudar em Manaus etc. E todos achavam aquilo normal. Até eu.

Quer outro exemplo? O dinheiro fácil que o Governo Federal disponibilizou durante muitos anos para os chamados "paulistas" virem ao Acre comprar vastas extensões de terra a preço de banana. Você que é da área econômica sabe que qualquer "pé rapado" de São Paulo, Paraná e Goiás que conseguia pegar o dinheiro, chegava ao Acre e posava como rei! Isto também foi normal por muitos anos. Claro que os seringueiros enxergaram que havia algo de podre e colocaram uma pá de cal em todo este sistema. A reação dos fazendeiros foi violenta e a morte de Chico Mendes o resultado.

Então, hoje, dou o maior apoio a iniciativas como o Bolsa Floresta. Não tenho peso na consciência. Chegou a vez dos extrativistas. Afinal a riqueza do Brasil é de todos nós que vivemos por aqui! Antes os beneficiados foram os seringalistas e os fazendeiros. Hoje são os extrativistas. São valores miseráveis é verdade, mas os extrativistas são a "bola da vez" e estão sendo beneficiados. Vejo nisso um paralelo com o que aconteceu no passado. É um ciclo, que sei logo passará, mas pelo menos a justiça histórica está sendo feita e todos os atores econômicos da região estarão, finalmente, sendo beneficiados.

Os que não devem estar gostando do que está acontecendo, e que tentam manipular a opinião pública no sentido contrário, são, em grande parte, ex-beneficiários de benesses governamentais do passado. Mas eles têm o direito de espernear. Vivemos em uma democracia. Pior era antes, quando quem não gostava não falava, pois se falasse apanhava ou ia preso.

Portanto, nós, que tivemos a oportunidade de descortinar um pouco daquilo que a maioria ainda não viu, temos o dever de informar, opinar e alertar os demais cidadãos de que a história não é bem assim como está escrita em muitos livros de história. Que programas como o Bolsa Floresta têm, como você reconheceu, os seus méritos. Ainda mais que a iniciativa objetiva a conservação e não a destruição ambiental que ocorreu no passado e cujo preço "todos nós" estamos pagando hoje. Veja o caso do rio Acre.
Não podemos nos omitir. Mesmo tendo que atribular ainda mais a nossa tão atribulada vida.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Caro Evandro,
Primeiro, é preciso deixar bem claro que não sou contra o pagamento do bolsa floresta! Como também não sou contra o subsídio da borracha garantido pela Lei Chico Mendes.
Essa é uma forma de redistribuição de renda efetiva para os mais necessitados.
O que eu pontuei é que programas como o Bolsa floresta não podem estar dissorciados da produção de mercadorias, uma vez que corre-se o risco de não conserguirmos frear os danos ao meio ambiente e, claro, para a sociedade.
Eu citei a Lei Chico Mendes propositalmente para demonstrar que se pode trabalhar esse tipo de política junto á valorização dos produtos florestais e do próprio produtor.
Mesmo assim, não se tem a garantia da preservação do meio ambiente, visto que, por exemplo, no PAE Porto Dias trabalha-se o manejo "sustentável" da madeira, contudo, o dinheiro recebido com a venda da madeira está sendo usado para a ampliação do plantel de gado bovino nessa área.
Portanto, diante das dificuldades de manutenção das famílias no interior da floresta, o Bolsa Floresta pode também ser revertido para aquisição de gado bovino, que representa para as comunidades florestais uma segura reserva de valor. Porém, junto com o gado (criado extensivamente) vem novas pressões para mais desmatamento...
Assim, como vc mesmo enfatizou nos seus comentários sobre os barões da borracha, além dos "paulistas", em virtude do dinheiro "fácil" e "abundante" na nossa região, o dinheiro "fácil" do Bolsa Floresta pode ser gasto também "facilmente" diferente dos propósitos da conservação ambiental...

15/09/2007, 15:38  

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