EXPANSÃO DA CANA ENCONTRA RESISTÊNCIA NO CENTRO-OESTE DO BRASIL
É preciso deter o “tsunami verde”, afirmam empresários do agronegócio brasileiro preocupados com o avanço da cana-de-açúcar para produção de álcool combustível.
Por Mario Osava*
RIO VERDE, Goiás, 3 de setembro (Terramérica).- A expansão da cana-de-açúcar para produzir mais etanol no Brasil encontrou uma resistência inesperada em Rio Verde, próspero município do Estado de Goiás: os empresários agropecuários. O governo local, do Partido Progressista, decidiu impor ao cultivo da cana o limite de 10% da área agrícola municipal. Isso representa 50 mil hectares, oito vezes a superfície já ocupada pela cana-de-açúcar do município, que abastece uma antiga destilaria de álcool combustível, ou etanol. A medida, reclamada por empresários, foi proposta pelo prefeito Paulo Roberto Cunha e aprovada por unanimidade na Câmara Municipal.
O monocultivo de cana-de-açúcar “é um tsunami verde que quebra a cadeia produtiva do agronegócio e provoca tragédias sociais” e ambientais se não for controlado, explicou em uma entrevista o secretário de Indústria e Comércio, Avelar Macedo, defensor das restrições. A lei municipal, vigente desde setembro de 2006, também proíbe a plantação de cana a menos de 50 metros dos mananciais e a queima dos dejetos dos canaviais a menos de 20 quilômetros de áreas urbanas; próximo de áreas de proteção ambiental, cabos de eletricidade e estradas. A união de governantes e empresários locais defende as “atividades diversificadas” que asseguram um crescimento médio da atividade econômica do município de 30% ao ano desde 2001, segundo a Associação Comercial e Industrial.
Rio Verde tem indústrias de óleo que processam soja, cujo subproduto, o farelo, alimenta o gado. O milho abastece mais de 1,6 mil criadouros de aves e porcos, que são fornecedores da Perdigão, grupo que há sete anos instalou na cidade o maior complexo industrial de carnes da América Latina e oferece 1,6 mil empregos diretos e 35 mil indiretos, segundo Macedo. Sorgo, feijão, arroz e algodão são outros importantes produtos do município, gerando um amplo mercado para o comércio de tratores, máquinas e insumos agrícolas. A grande agroindústria fomentou a produção de embalagens em fábricas metalúrgicas, de plástico e papelão.
O resultado é uma cidade sem pobreza aparente, sem mendigos e com muitos sinais de prosperidade, como a intensa atividade comercial e bancária na avenida central. Seus 136 mil habitantes contam com quatro instituições de ensino superior que atraem estudantes de localidades próximas. Essa estrutura agroindustrial encadeada, “que agrega valor localmente” está ameaçada pela “euforia do etanol”, afirmou do secretário de Indústria e Comércio. A indústria canavieira não beneficia a população, porque oferece principalmente empregos temporários e mal remunerados, além de comprar máquinas e insumos fora do município, acrescentou.
Sua expansão constitui um risco, porque os agricultores estão “descapitalizados” devido aos baixos preços agrícolas e ao valor desfavorável do dólar nos últimos anos, e, portanto, mais vulneráveis às ofertas de arrendamento ou compra de suas terras pelos usineiros produtores de açúcar e álcool, ressaltou Macedo, ele próprio fazendeiro e empresário da construção e do turismo. A cana pode levar progresso ao norte de Goiás, que vive um “vazio econômico”, mas quer aproveitar a infra-estrutura já implantada no sul do Estado, onde fica Rio Verde, disse Macedo.
A lei que transformou Rio Verde em uma referência nacional, consultada por dezenas de outras prefeituras preocupadas com a monocultura, enfrenta uma ação judicial do Sindicato das Indústrias Fabricantes de Álcool de Goiás (Sifaeg). A entidade a acusa de ser inconstitucional por violar o direito à propriedade privada e intrometer-se na jurisdição nacional. A batalha judicial vai se prolongar por muitos anos, concordam as duas partes.
A cana-de-açúcar ocupa entre 290 mil e 300 mil hectares em Goiás, equivalentes a apenas 0,8% do território estadual, e com a máxima expansão prevista atingiria somente 2%, menos de um terço da superfície ocupada atualmente pela soja, argumentou Igor Montenegro, presidente do Sifaeg. Às 18 destilarias em atividade poderão somar-se outras 20 nos próximos cinco anos, “sem ameaçar os grãos”. Essa expansão exigiria uma pequena parte da “imensa área que pode ser liberada” por meio de uma simples melhoria no manejo da pecuária, que atualmente se estende por 57% do território goiano em “pastagens de baixa produtividade”, acrescentou o empresário.
Montenegro tenta contra-atacar a “histeria sem fundamento” de setores econômicos que nada têm a temer se “são competitivos e rentáveis”. A agroindústria canavieira, garantiu, é a que “mais empregos oferece dentro do agronegócio, um milhão diretos e seis milhões indiretos” em todo o Brasil. E são cada vez menos temporários e mais qualificados, com a mecanização da colheita, acrescentou. De fato, não seria necessário desmatar para ampliar os canaviais ou o cultivo de grãos em Goiás, concorda Emiliano Godói, agrônomo e superintendente de Biodiversidade e Florestas da Secretaria de Meio Ambiente do Estado. Porém, a tradição é “abrir novas pastagens” e não recuperar as degradadas, por isso a cana empurra a fronteira do desmatamento.
Isso coloca em risco o Cerrado, a savana brasileira de floresta rala que ocupa grande parte do centro do país. Trata-se de um bioma muito afetado pelo avanço agrícola e que recebe pouca atenção com relação à conservação. Em Goiás, as áreas de conservação alcançam apenas 4,86% do território estadual, “o que é muito pouco, mas há cinco anos era somente 1%”, disse Godói. Além disso, a maioria dos municípios não cumpre a legislação, que exige a manutenção de pelo menos 20% das terras com a vegetação original.
Porém, sua preocupação com a cana-de-açúcar é “mais social do que ambiental”. Durante a colheita, de maio a novembro, as pequenas cidades do interior recebem milhares de cortadores de cana que chegam de longe, aumentando a prostituição e o número de meninas e adolescentes grávidas. A queima dos canaviais para facilitar o corte contamina o ar, provocando doenças respiratórias. Assim, acumulam-se os problemas que sobrecarregam os serviços prestados por prefeituras de escassos recursos, disse Godói. A poluição causada pelas queimadas em Goiás é mais prejudicial do que as de São Paulo, principal produtor de açúcar e álcool no Brasil, porque o ar do Cerrado, nesta época, é muito seco e mantém o material particulado concentrado em suspensão por mais tempo, acrescentou. A isso soma-se um saneamento precário na maioria das cidades.
(*) Enviado especial. Artigo parte de uma série sobre desenvolvimento sustentável produzida em conjunto pela IPS (Inter Press Service) e IFEJ (siglas em inglês de Federação Internacional de Jornalistas Ambientais).
Crédito da imagem: GuGaa
Por Mario Osava*
RIO VERDE, Goiás, 3 de setembro (Terramérica).- A expansão da cana-de-açúcar para produzir mais etanol no Brasil encontrou uma resistência inesperada em Rio Verde, próspero município do Estado de Goiás: os empresários agropecuários. O governo local, do Partido Progressista, decidiu impor ao cultivo da cana o limite de 10% da área agrícola municipal. Isso representa 50 mil hectares, oito vezes a superfície já ocupada pela cana-de-açúcar do município, que abastece uma antiga destilaria de álcool combustível, ou etanol. A medida, reclamada por empresários, foi proposta pelo prefeito Paulo Roberto Cunha e aprovada por unanimidade na Câmara Municipal.
O monocultivo de cana-de-açúcar “é um tsunami verde que quebra a cadeia produtiva do agronegócio e provoca tragédias sociais” e ambientais se não for controlado, explicou em uma entrevista o secretário de Indústria e Comércio, Avelar Macedo, defensor das restrições. A lei municipal, vigente desde setembro de 2006, também proíbe a plantação de cana a menos de 50 metros dos mananciais e a queima dos dejetos dos canaviais a menos de 20 quilômetros de áreas urbanas; próximo de áreas de proteção ambiental, cabos de eletricidade e estradas. A união de governantes e empresários locais defende as “atividades diversificadas” que asseguram um crescimento médio da atividade econômica do município de 30% ao ano desde 2001, segundo a Associação Comercial e Industrial.
Rio Verde tem indústrias de óleo que processam soja, cujo subproduto, o farelo, alimenta o gado. O milho abastece mais de 1,6 mil criadouros de aves e porcos, que são fornecedores da Perdigão, grupo que há sete anos instalou na cidade o maior complexo industrial de carnes da América Latina e oferece 1,6 mil empregos diretos e 35 mil indiretos, segundo Macedo. Sorgo, feijão, arroz e algodão são outros importantes produtos do município, gerando um amplo mercado para o comércio de tratores, máquinas e insumos agrícolas. A grande agroindústria fomentou a produção de embalagens em fábricas metalúrgicas, de plástico e papelão.
O resultado é uma cidade sem pobreza aparente, sem mendigos e com muitos sinais de prosperidade, como a intensa atividade comercial e bancária na avenida central. Seus 136 mil habitantes contam com quatro instituições de ensino superior que atraem estudantes de localidades próximas. Essa estrutura agroindustrial encadeada, “que agrega valor localmente” está ameaçada pela “euforia do etanol”, afirmou do secretário de Indústria e Comércio. A indústria canavieira não beneficia a população, porque oferece principalmente empregos temporários e mal remunerados, além de comprar máquinas e insumos fora do município, acrescentou.
Sua expansão constitui um risco, porque os agricultores estão “descapitalizados” devido aos baixos preços agrícolas e ao valor desfavorável do dólar nos últimos anos, e, portanto, mais vulneráveis às ofertas de arrendamento ou compra de suas terras pelos usineiros produtores de açúcar e álcool, ressaltou Macedo, ele próprio fazendeiro e empresário da construção e do turismo. A cana pode levar progresso ao norte de Goiás, que vive um “vazio econômico”, mas quer aproveitar a infra-estrutura já implantada no sul do Estado, onde fica Rio Verde, disse Macedo.
A lei que transformou Rio Verde em uma referência nacional, consultada por dezenas de outras prefeituras preocupadas com a monocultura, enfrenta uma ação judicial do Sindicato das Indústrias Fabricantes de Álcool de Goiás (Sifaeg). A entidade a acusa de ser inconstitucional por violar o direito à propriedade privada e intrometer-se na jurisdição nacional. A batalha judicial vai se prolongar por muitos anos, concordam as duas partes.
A cana-de-açúcar ocupa entre 290 mil e 300 mil hectares em Goiás, equivalentes a apenas 0,8% do território estadual, e com a máxima expansão prevista atingiria somente 2%, menos de um terço da superfície ocupada atualmente pela soja, argumentou Igor Montenegro, presidente do Sifaeg. Às 18 destilarias em atividade poderão somar-se outras 20 nos próximos cinco anos, “sem ameaçar os grãos”. Essa expansão exigiria uma pequena parte da “imensa área que pode ser liberada” por meio de uma simples melhoria no manejo da pecuária, que atualmente se estende por 57% do território goiano em “pastagens de baixa produtividade”, acrescentou o empresário.
Montenegro tenta contra-atacar a “histeria sem fundamento” de setores econômicos que nada têm a temer se “são competitivos e rentáveis”. A agroindústria canavieira, garantiu, é a que “mais empregos oferece dentro do agronegócio, um milhão diretos e seis milhões indiretos” em todo o Brasil. E são cada vez menos temporários e mais qualificados, com a mecanização da colheita, acrescentou. De fato, não seria necessário desmatar para ampliar os canaviais ou o cultivo de grãos em Goiás, concorda Emiliano Godói, agrônomo e superintendente de Biodiversidade e Florestas da Secretaria de Meio Ambiente do Estado. Porém, a tradição é “abrir novas pastagens” e não recuperar as degradadas, por isso a cana empurra a fronteira do desmatamento.
Isso coloca em risco o Cerrado, a savana brasileira de floresta rala que ocupa grande parte do centro do país. Trata-se de um bioma muito afetado pelo avanço agrícola e que recebe pouca atenção com relação à conservação. Em Goiás, as áreas de conservação alcançam apenas 4,86% do território estadual, “o que é muito pouco, mas há cinco anos era somente 1%”, disse Godói. Além disso, a maioria dos municípios não cumpre a legislação, que exige a manutenção de pelo menos 20% das terras com a vegetação original.
Porém, sua preocupação com a cana-de-açúcar é “mais social do que ambiental”. Durante a colheita, de maio a novembro, as pequenas cidades do interior recebem milhares de cortadores de cana que chegam de longe, aumentando a prostituição e o número de meninas e adolescentes grávidas. A queima dos canaviais para facilitar o corte contamina o ar, provocando doenças respiratórias. Assim, acumulam-se os problemas que sobrecarregam os serviços prestados por prefeituras de escassos recursos, disse Godói. A poluição causada pelas queimadas em Goiás é mais prejudicial do que as de São Paulo, principal produtor de açúcar e álcool no Brasil, porque o ar do Cerrado, nesta época, é muito seco e mantém o material particulado concentrado em suspensão por mais tempo, acrescentou. A isso soma-se um saneamento precário na maioria das cidades.
(*) Enviado especial. Artigo parte de uma série sobre desenvolvimento sustentável produzida em conjunto pela IPS (Inter Press Service) e IFEJ (siglas em inglês de Federação Internacional de Jornalistas Ambientais).
Crédito da imagem: GuGaa
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