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09 setembro 2007

MUDANÇA DO HORÁRIO DO ACRE

Até agora tudo é uma questão de interesse empresarial e político

Evandro Ferreira

Finalmente esta semana foi questionada a proposta do Senador Tião Viana (PT-AC) de alterar o horário do Acre, adiantando-o em uma hora e igualando-o ao dos estados do Amazonas, Rondônia e Mato Grosso.

O Deputado Moisés Diniz (PC do B-AC), autor da idéia original de mudança, respondeu de imediato ao artigo que publiquei aqui no Blog Ambiente Acreano, e republicado no Blog do Altino, mas não conseguiu, por enquanto, demonstrar que a mudança realmente é necessária.

Dado o amplo impacto que a mesma terá na sociedade acreana, a medida necessita estar muito bem embasada para poder ser promovida. Tem que estar fundamentada em dados econômicos e sociais que realmente justifiquem a sua implantação. E neste momento inicial de debate, o ônus da apresentação destes dados cabe aos que estão propondo a mudança.

No meu ponto de vista, alguns questionamentos precisam ser debatidos e respondidos. Haverá ganho econômico significativo para a sociedade como um todo? Se sim, quais as dimensões destes ganhos? Eles justificariam tal mudança? A mudança vai ser conveniente sob o ponto de vista social?

Em minha opinião, mesmo que sob o ponto de vista financeiro ela venha a se mostrar vantajosa, é preciso levar em consideração que dinheiro não é tudo. A felicidade e o bem estar independem do aspecto financeiro. Enfim, como ela atinge a todos, uma consulta popular é indispensável. E a resposta da população pode relevar quaisquer argumentos financeiros e sociais. Mais importante: ela é soberana.

O interesse das empresas de comunicação

Neste início de debate, a pergunta inicial que precisa ser discutida é:

- A quem interessa a mudança da hora no Acre?

Até agora, pelo que se viu na imprensa local - que publicou unicamente a opinião daqueles que estão a favor da mesma, ela vem para atender o interesse da classe empresarial como um todo, especialmente os do setor de serviços. No caso particular das empresas de comunicação, ela atende aos interesses dos donos da retransmissora local da Rede Globo, a TV Acre.

Um dos argumentos apresentados pelo Deputado Moisés Diniz em defesa da mudança do horário é que a transmissão ao vivo sujeita a população a sexo, violência e outros males produzidos pela TV aberta. É razoável a argumentação do Deputado, mas ela pode, no meu entendimento, ser solucionada de duas formas.

A primeira, mais fácil e conveniente para a classe empresarial como um todo, é mudar a hora do Acre. Não vai dar para igualar com a hora de Brasília, mas é possível propor a unificação com a hora do Amazonas, Rondônia e Mato Grosso. Esta é a posição apoiada pelo Senador Tião Viana e pelo Deputado Moisés Diniz.

A segunda, e na minha visão a mais sensata, consiste em obrigar as repetidoras locais a gravar, a partir das 18 horas ou mesmo um pouco mais tarde, a programação das empresas geradoras. Obviamente que em caso de programas esportivos ou outros eventos culturais não ofensivos à moral e aos bons costumes, seria possível a transmissão ao vivo do sinal. Esta é a posição adotada pelo Governo Federal.

Emissoras vão ser obrigadas a gravar a programação

Para isso, o Ministério da Justiça editou a Portaria 1.220, de 11 de julho deste ano, que trata da classificação e faixas horárias de exibição dos programas de televisão. O parágrafo único do artigo 19 da portaria estabelece a exigência de que a programação obedeça aos horários estipulados, inclusive em localidades cujo fuso horário difere do oficial de Brasília. Com isto, emissoras do Amazonas, Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima e parte do Pará (Altamira, Óbidos, Praínha, Oriximiná e Santarém) vão ser obrigadas, a partir de 9 de janeiro de 2008, a gravar suas programações para exibi-las nos horários da classificação indicativa.

É aqui que a coisa tem "pegado" para os donos de retransmissoras da região norte. Para atender a portaria, muitos empresários, especialmente aqueles que retransmitem o sinal da TV Globo, deverão fazer investimentos para se adequar à mesma.

Vejam o caso do Acre. A TV Acre, que faz parte da Rede Amazônica de Televisão, grupo que detém os direitos de retransmissão do sinal da TV Globo em quase toda a região norte, é a única das retransmissoras locais que não exibe produção local em horário nobre. Aliás, em horário nenhum, pois a grade da TV Globo não abre brecha para tal.

Não é por falta de oportunidade. A diferença de 2 horas entre o Acre e o Rio de Janeiro, onde fica a sede da Rede Globo, permitiria, em teoria, uma janela de igual tempo para que a TV Acre produzisse e exibisse programas voltados para a realidade local. Não faz, mas já fez no passado, quando a programação era totalmente gravada. Depois que o sinal passou a ser ao vivo, via satélite, restaram apenas alguns minutos para a apresentação de telejornais locais. E só.

Do ponto de vista empresarial, esta amarra é um desastre, pois a TV Acre poderia aumentar o seu faturamento, como já fazem as outras retransmissoras locais. Vejam o exemplo da TV Gazeta (Record), TV Rio Branco (SBT) e TV 5 (Bandeirantes). Todas elas apresentam, pela manhã e pela noite, programas jornalísticos, de entrevistas e variedades. Bem ou mal, têm audiência, pois a população da cidade precisa saber o que acontece no nosso dia a dia. Com isso elas geram emprego, renda e cumprem o papel social da televisão. Estas emissoras já estão prontas para a Portaria 1.220.

TV Acre e a maioria das afiliadas da Rede Amazônica vão ter dificuldades para cumprir a portaria. Por que?

No Brasil, ter a concessão para retransmitir o sinal da Rede Globo é como ter uma mina de ouro. Basta retransmitir o sinal, vender comerciais locais nas "janelas" disponíveis na grade da programação e esperar o caixa tilintar. É dinheiro certo e fácil. E tem mais. O faturamento da retransmissora independe se a mesma produz, nos poucos minutos disponíveis na grade da Rede Globo, programas locais de qualidade ou não. É uma anomalia mercadológica resultante do quase monopólio de audiência da Rede Globo.

É esta anomalia que permitiu a manutenção, por muitos anos, de situações absurdas como era o caso do péssimo sinal de vídeo da TV Acre. A baixa qualidade das imagens nunca impediu da mesma ser uma das mais lucrativas ou mesmo, a mais lucrativa entre as retransmissoras locais.

Só nesta semana é que o sinal melhorou. Não sei o que aconteceu. Talvez a Rede Globo tenha exigido isso. O que sei é que o comércio de antenas de recepção doméstica de alto valor foi muito movimentado até hoje porque muitos telespectadores, e me incluo neste grupo, eram convencidos a levar produtos mais caros porque achavam que o problema da qualidade do sinal da TV Acre era decorrente da distância ou posição das residências em relação a emissora.

Com a efetivação da Portaria do Ministério da justiça, um dos maiores desafios para as emissoras que retransmitem o sinal da Rede Globo na região norte é montar, em pouco mais de 4 meses, uma equipe de profissionais e dispor de infra-estrutura para produzir cerca de duas horas de programação local para preencher o espaço entre o fim da transmissão ao vivo, logo após o Jornal Nacional, e o início da transmissão dos programas gravados, por volta das 21 horas.

Os custos deste investimento são altos e a concorrência com outros programas locais vai ser acirrada. Os programas da Amazonsat não vão dar conta do recado porque são muito generalistas. A paz e tranquilidade que reinou no seio das afiliadas da Rede Globo definitivamente serão quebradas com a implantação da Portaria. O medo delas talvez seja um eventual fracasso da programação local, com perda de audiência e, consequentemente, faturamento. Isto poderá levá-las ao prejuízo certo, coisa que, provavelmente, nunca aconteceu em suas histórias.

Políticos da região norte apoiam interesses dos empresários

Esta semana, segundo matéria do Jornal do Commercio (AM) (veja abaixo), a deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), colega de partido do Deputado Moisés Diniz, cobrou, durante a sessão solene em que o Congresso Nacional homenageou os 35 anos da Rede Amazônica de Televisão, uma revisão da portaria para atender aos interesses dos empresários.

A matéria também deixa claro que as retransmissoras da região estão reclamando dos prejuízos que terão com a entrada em vigor da portaria do Ministério da Justiça. Estes prejuízos seriam causados pela concorrência com os canais fechados e a internet, veículos que não estão sujeitos às medidas. É óbvio que isto é uma inverdade pois são muito poucas as pessoas na reigão que podem pagar mais de R$ 100 por mês para dispor de um destes serviços. Para dispor dos dois, tem que pagar dobrado. Isso sem contar que o alcance de ambos são limitados em toda a região.

Fico triste em saber que a hora do Acre poderá mudar não porque a população do Estado quer, mas por causa de interesses particulares como os que descrevi acima.

Aos acreanos que não concordam com a mudança de horário, saibam que a luta vai ser árdua, pois os interesses políticos e empresariais já estão bem articulados.