Google
Na Web No BLOG AMBIENTE ACREANO

05 outubro 2007

GEOGLIFOS DA AMAZÔNIA

A existência dos geoglifos em áreas de terra firme da Amazônia ocidental, no Estado do Acre e adjacências, indica que populações pré-colombianas que habitavam estas áreas eram mais avançadas do que a condição de horticultores de coivara semi-sedentários, que nunca desenvolveram complexas instituições sociais ou cultura material elaborada

As pesquisas arqueológicas na Amazônia começaram a pautar-se, a partir da metade do século XX, pelo debate sobre o desenvolvimento cultural visto a partir de perspectivas ecológicas.

Segundo a corrente de pensamento que predomina atualmente, os povos que habitaram a floresta tropical Amazônica são considerados meros sobreviventes em uma região de solos pobres e escassa proteína animal. Esta sempre foi a principal justificativa para explicar a escassez de indícios de civilizações avançadas em áreas de florestas de terra firme na região

Uma exceção foi trazida à luz no livro Amazônia, a Ilusão de um Paraíso (Meggers, 1971, 1977), no qual se reconhece a superioridade da várzea do Amazonas e seus grandes tributários sobre as áreas de terra firme. Esta idéia foi baseada no fato da várzea apresentar solos com fertilidade superior e à oferta abundante de fauna aquática.

Seria nestas áreas, portanto, que as artes e a política poderiam ter alçado vôos mais significativos. Desde então, a dicotomia várzea-terra firme persistiu nos trabalhos arqueológicos e antropológicos posteriores. Críticas a tal visão simplista de uma Amazônia imensa, reduzida a dois habitats principais foram realizadas por estudiosos de outros campos (Morán, 1995), mas sempre a consideração da superioridade da várzea permaneceu na literatura arqueológica.

A primeira crítica ao senso de que as várzeas foram o berço das civilizações mais avançadas da Amazônia foi feita por Heckenberger (1996, 2005, Heckenberger et al., 2003), um estudioso das comunidades regionais do alto rio Xingu. Outra voz dissonante foi a de Carneiro (1960, 1961), que por falta de argumentos arqueológicos, deixou de ser ouvido pelos estudiosos das sociedades pretéritas amazônicas.

A descoberta dos Geoglifos na Amazônia ocidental trás um novo elemento para esta discussão, indicando que os habitats de terra firme não eram, necessariamente, inapropriados para o estabelecimento e desenvolvimento de civilizações avançadas.

Denise Schaan (Universidade Federal do Pará), Martti Pärssinen (Universidade de Helsinque), Alceu Ranzi (Museu de Paleontologia de Rio Branco e Universidade Federal do Acre) e Jacó César Piccoli (Universidade Federal do Acre), em seu artigo “Geoglifos da Amazônia ocidental: evidência de complexidade social entre povos da terra firme” trazem, pela primeira vez, provas concretas de que a existência de civilizações avançadas em regiões de terra firme da Amazônia pode ter ocorrido no passado.

Seus argumentos estão apoiados na descoberta de mais de 100 geoglifos construídos nos solos argilosos de terra firme da porção oriental do Estado do Acre, sul do Estado do Amazonas e oeste de Rondônia. Eles são, segundo o entendimento dos autores, prova inequívoca da existência de uma população considerável manejando áreas tidas como inadequadas para suportar grandes densidades populacionais.

Os autores afirmam, deliberadamente, que com os dados do artigo que publicaram, pretendem colocar mais uma pedra no caminho dos deterministas ambientais, os poucos que ainda negam-se a admitir a crescente quantidade de evidências que apontam para uma história amazônica plena de episódios de superação das supostas dificuldades ecológicas. Eles acreditam ainda que a existência dos geoglifos tem o potencial de reescrever a história da ocupação humana da Amazônia.

Clique aqui para ler a íntegra do artigo Geoglifos da Amazônia ocidental: evidência de complexidade social entre povos da terra firme”, publicado Revista de Arqueologia, número 20: 67-82, 2007.

Referências bibliográficas citadas:

CARNEIRO, R.L. 1960. Slash-and-Burn Agriculture: A Closer Look at Its Implications for Settlement Patterns. In: WALLACE, A.F.C. (Org.). 1960. Men and Cultures. Philadelphia, University of Pennsylvania Press, pp. 229-34.

CARNEIRO, R.L. 1961. Slash-and-burn cultivation among the Kuikuro and its implications for cultural development in the Amazon basin. In: WILBERT, J. (Org.) 1961. The evolution of horticultural systems in native South America: causes and consequences, a symposium. Caracas, Sociedade de Ciencias Naturales La Salla, pp. 47-67.

HECKENBERGER, M.J. 1996. War and peace in the shadow of empire: Sociopolitical change in the upper Xingu of southeastern Amazonia A.D. 1400-2000. Ph.D. Dissertation, University of Pittsburgh.

HECKENBERGER, M. J. 2005. The Ecology of Power: Culture, Place, and Personhood in the Southern Amazon, A.D. 1000-2000. Nova York & Londres, Routledge.

HECKENBERGER, M.J.; KUIKURO, A.; KUIKURO, U. T.; RUSSEL, J. C.; SCHMIDT, M.; FAUSTO, C., & FRANCHETTO, B. 2003. Amazonia 1492: Pristine Forest or Cultural Parkland? Science 301:1710-1713.

MEGGERS, B.J. 1971. Amazonia: man and culture in a counterfeit paradise. Chicago, Aldine Atherton.

______ 1977. Amazônia. A Ilusão de um Paraíso. Rio, Civilização Brasileira.


Crétido das imagens: Sérgio Vale, site Geoglifos do Acre