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07 janeiro 2008

A MUDANÇA DO FUSO HORÁRIO DO ACRE E A CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA DOS PROGRAMAS DE TV

Adaptação das emissoras regionais esbarra na falta de flexibilização da grade de programação das emissoras geradoras instaladas no sudeste do país. Se portaria de classificação indicativa não for suspensa, viveremos meses com "buracos" na programação local dos diversos canais de TV

CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA DOS PROGRAMAS DE TV E O FUSO HORÁRIO LOCAL

Cristina Charão – Observatório do Direito à Comunicação

A tentativa dos radiodifusores de burlar a exigência de respeito ao horário local definida pela Portaria da Classificação Indicativa e a conseqüente adesão de parlamentares a um possível projeto de unificação dos fusos horários do Brasil é vista com sérias ressalvas por moradores das regiões Norte e Centro-Oeste. Apesar de alguns meios de comunicação informarem que diversos setores sociais estariam a favor da extinção dos fusos, vozes levantam-se naqueles estados para apontar os interesses comerciais e a ausência de debate real sobre o tema.

No Acre, o debate arrasta-se há mais tempo, por conta do projeto original de adequação dos relógios acreanos ao horário dos demais estados do Norte. Mas, segundo o agrônomo Evandro Ferreira, pesquisador do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em Rio Branco, isso não significa que a discussão esteja avançada ou acontecendo com a consideração de opiniões distintas.

Segundo Ferreia, os veículos de comunicação acreanos apresentam a mudança do fuso como uma idéia que conta com apoio total da população, mas quem fala a favor da medida são sempre os próprios empresários de TV e representantes da indústria e do comércio, além dos políticos que têm defendido a proposta. “Há inclusive uma coleta de assinaturas para convocar um plebiscito, mas ela é sempre apresentada como uma coleta a favor da mudança. Eu, por exemplo, quero que haja o plebiscito para poder votar contra”, diz o pesquisador.

O plebiscito citado por Ferreira na verdade já foi apresentado pelo senador Tião Viana (PT-AC) em um projeto que complementa a sua proposta original, de adequação do fuso do Acre ao dos demais estados da região Norte. Esta consulta, portanto, não versaria sobre a unificação total do horário brasileiro ao fuso de Brasília.

A mudança no fuso horário acreano era apresentada como uma questão de integração do estado à região. Agora, com a proposta radicalizada de unificação total dos fusos horários, surge o debate sobre a programação de TV e a discussão atravessa os limites da fronteira estadual.

De Manaus, o jornalista Deocleciano Souza descreve a ironia da medida, no Blog do Rogelio Casado, afirmando que “quem não vai gostar muito são os galos acostumados a cantarem às 5 da matina”.

Souza lembra ainda que “vamos revogar, de uma só vez, os estudos milenares realizados por Galileu, Sir Isaac Newton e o relojoeiro britânico John Harrison, que ganhou o prêmio de vinte mil libras esterlinas ao construir um relógio que tinha uma precisão de um segundo num mês, acertando o seu relógio na cidade de Greenwich” para atender “interesses pessoais”. Tais interesses seriam os dos radiodifusores, que não estariam dispostos a gastar com equipamentos e pessoal para prover a adequação da grade de programação.

Também lembrando que a unificação é “tentativa dos políticos e financistas e marqueteiros”, o jornalista Antonio Alves, do Acre, escreve em seu blog sua contrariedade a qualquer proposta de mudança na hora acreana. “Pra mim, ressalvadas a variação das estações, que junto à linha do equador é muito pequena, o sol nasce às seis da manhã, está a pino ao meio-dia e se põe às seis da tarde. Brasília, se quiser, que mude.”

O agrônomo Ferreira traz para o debate o estilo de vida dos povos do Norte. “Para quem vive na cidade, tudo acontece de manhã cedo, quando ainda é fresco. Por isso, Rio Branco já está agitada às 7 da manhã. Se igualar a Brasília, ainda vai estar escuro às 7”, comenta. “Além disso, para os povos da floresta, para o seringueiro, não importa o que diz o relógio: importa que o sol nasce e é nesta hora que ele está de pé, trabalhando.”

Já a escritora acreana Leila Jalul, gostaria “muito que os Estados amazônicos, de culturas tão diversas, pudessem ser aproximados por iniciativa de seus representantes, não para formarem um bloco homogêneo, mas para discutirem questões comuns”.

Lembrando ainda a necessidade de a TV respeitar os horários especiais de proteção à criança e ao adolescente, Ferreira diz que a solução já está prevista nas regras da Classificação Indicativa: “As empresas se adequam à legislação e pronto.”

Apesar de o primeiro argumento a favor da unificação dos fusos horários lembrado pelo presidente do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Amazonas (Sinderpam), Rui Alencar, ser o custo da gravação de toda a programação para posterior exibição, é preciso ir além da superfície do planejamento financeiro das empresas locais para entender o problema da adequação. O problema real está no tipo de relação estabelecida entre as afiliadas e as cabeças-de-rede.

Quem descreve o drama é o próprio Alencar. Quando questionado pelo Observatório do Direito à Comunicação sobre a organização dos sistemas de TV em países continentais como o Brasil, caso dos Estados Unidos, onde o território está divido em 5 fusos horários (desconsiderando ainda o Alasca e o Havaí), Alencar ressaltou: “Ah, mas lá existe uma coisa chamada flexibilização da grade de programação...”

E seguiu a explicação: “Aqui, o nosso contrato nos obriga a não mudar a grade e só usar aqueles determinados horários para programação local. Só para seguir a portaria como está a gente já estaria quebrando o contrato.”

A flexibilização, ou seja, a possibilidade das emissoras locais usarem a programação gerada na cabeça-de-rede no horário conveniente pode ser também associada à valorização da produção de conteúdo local. No caso específico, programas regionais poderiam completar a grade de programação de cada emissora de forma a cobrir buracos entre as trasmissões ao vivo (por exemplo, telejornais e jogos de futebol) e o horário previsto para programas gravados (novelas, humorísticos, séries, etc.).

Para Alencar, no entanto, isto simplesmente não é uma opção. Primeiro, o presidente do Sinderpam insistiu na impossibilidade de mexer na grade de ferro desenhada pelas cabeças-de-rede. “O jornal e o futebol não são classificados, mas o programa anterior é e o seguinte também. Aí, o jornal vai passar às 19h aqui, mas neste horário tinha que estar a novela, e o futebol entra às 20h45, quando tinha de estar entrando no ar a outra novela... Como vai encaixar isso aí?”, questionou.

Em seguida, levanta o problema do custo da produção. “Tem muita emissora pequena aqui na região que não tem condição de produzir”, afirmou. Ou seja, para os radiodifusores do Norte, a regionalização não é uma prioridade.