A PERVERSA PATENTE DO FEIJÃO AMARELO
A revogação da patente de um tipo de feijão comum nos Estados Unidos é saudada como o fim de um engano, mas não terá maior impacto no México, onde é pouco cultivado e consumido
Por Diego Cevallos*
19/05/2008
México, 19 de maio (Terramérica) - Patentear uma invenção nos Estados Unidos e usufruir seus direitos representa na teoria um incentivo à inovação e à ciência. Porém, nos fatos pode ser incentivo para o roubo, como ocorreu com uma variedade de feijão mexicano. Após oito anos de tramitação, o Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos revogou, no final de abril, a patente de um tipo de feijão comum (Phaseolus vulgaris L.) que foi concedida ao norte-americano Larry Proctor, que dizia tê-lo inventado com duvidosa evidência empírica. Foi um caso de biopirataria demonstrativo de que o sistema de patentes nos Estados Unidos “pode chegar a ter efeitos perversos”, disse ao Terramérica Jorge Mario Martínez, do escritório mexicano da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
Conseguir a anulação da patente custou mais de meio milhão de dólares em advogados, intervenção de ativistas sociais, do governo do México e do Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), com sede na cidade colombiana de Cali. Além disso, representou perdas para os agricultores mexicanos, que não podiam vender nos Estados Unidos uma leguminosa exatamente igual à de Proctor, presidente da empresa de sementes POD-NERS. Entre advogados e trâmites, o suposto inventor obteve lucros com um feijão que havia comprado em um mercado do México, em 1994.
Do pacote adquirido selecionou os grãos amarelos e os cultivou. Depois pegou os de melhor aspecto até conseguir, mediante cruzamentos, o que descreveu como uma população uniforme e de cor amarela. Em 1996, pediu a patente, que lhe foi concedida em abril de 1999 com o nome de Enola. Neste caso, as normas do Escritório de Patentes foram “um claro incentivo ao mau comportamento, a ganhar por meio de um engano”, disse Martínez, que coordenou o livro “Geração e Proteção do Conhecimento: Propriedade Intelectual, Inovação e Desenvolvimento Econômico”, apresentado em abril pela Cepal. O livro indica que o sistema norte-americano de patentes, o mais desenvolvido do mundo, foi criado para incentivar a inovação e a pesquisa científica.
Entretanto, com o passar do tempo muitas patentes se converteram em moeda de troca entre corporações e em ingredientes de um mercado onde os paises do Sul em desenvolvimento perdem, tanto por falta de inovação quanto por escasso conhecimento e uso do instrumento da propriedade intelectual. “Sei de um costarriquenho, de quem roubaram seu invento, que foi se informar sobre o que poderia fazer, pois o patentearam nos Estados Unidos. Foi aconselhado que era melhor esquecer o assunto, a menos que estivesse disposto a gastar, durante anos, dinheiro com advogados e viagens sem que nada lhe garantisse a revogação da patente”, disse Martínez.
Segundo Silvia Ribeiro, pesquisadora e diretora do não-governamental Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC), o feijão mexicano mostra claramente o quanto pode ser “ruim” o sistema norte-americano de patentes. “Neste caso agiram sem nenhum rigor, pois desde o princípio nós advertimos com o grupo que essa patente não tinha sentido. Foi o roubo de um feijão mexicano”, afirmou Ribeiro ao Terramérica. A patente mostrou que a biopirataria pode chegar a extremos, acrescentou. Biopirataria é um termo criado por alguns ecologistas para definir o registro doloso de conhecimentos alheios e ancestrais sobre plantas ou seres vivos originários do Sul.
Atribui-se, em geral, essa prátca a cientistas e empresas do mundo rico.
Conseguir a revogação da patente do Enola parecia simples, assim que no primeiro ano e depois de receber a queixa dos agricultores e do ETC, o governo do México interveio junto ao escritório norte-americano de patentes. Mas não teve êxito, apesar de gastar US$ 250 mil com advogados. O CIAT tomou a proposta, argumentando que era necessário defender os direitos de milhões de camponeses latino-americanos que cultivam essa leguminosa há séculos. O CIAT abriga a maior reserva mundial deste alimento, com 35 mil variedades, 260 delas amarelas e seis idênticas ao Enola.
O diretor-geral desse centro, Geoffrey Hawtin, saudou a medida, mas repudiou que tenha demorado tanto tempo. O demandado apelou para mecanismos legais a fim de adiar a decisão e continuar se aproveitando economicamente do feijão, afirmou. “Sem necessidade, os agricultores tiveram que sofrer durante vários anos ameaças jurídicas e intimidações simplesmente por plantar, vender ou exportar um feijão cultivado durante gerações”, acrescentou. Entretanto, os dados disponíveis não sugerem que o caso Proctor tenha representado uma debacle no México, pois o feijão amarelo é pouco exportado e pouco consumido, ao contrário do preto.
No México, a produção de feijão, majoritariamente preto, passou de 887.808 toneladas em 2000 para 1,36 milhão de toneladas em 2006. Nesse mesmo período, as exportações para os Estados Unidos aumentaram de 5.525 para 12.203 toneladas. Quanto às importações, entre 2000 e 2006 dispararam de 61.869 para 130.741 toneladas. No país, 1,8 milhões de hectares estão semeados com feijão e 570 mil pessoas o cultivam. Embora seja um trabalho antiqüíssimo, seu rendimento médio é de 731 quilos por hectare, contra 1,6 toneladas nos Estados Unidos.
* O autor é correspondente da IPS/Envolverde.
Por Diego Cevallos*
19/05/2008
México, 19 de maio (Terramérica) - Patentear uma invenção nos Estados Unidos e usufruir seus direitos representa na teoria um incentivo à inovação e à ciência. Porém, nos fatos pode ser incentivo para o roubo, como ocorreu com uma variedade de feijão mexicano. Após oito anos de tramitação, o Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos revogou, no final de abril, a patente de um tipo de feijão comum (Phaseolus vulgaris L.) que foi concedida ao norte-americano Larry Proctor, que dizia tê-lo inventado com duvidosa evidência empírica. Foi um caso de biopirataria demonstrativo de que o sistema de patentes nos Estados Unidos “pode chegar a ter efeitos perversos”, disse ao Terramérica Jorge Mario Martínez, do escritório mexicano da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
Conseguir a anulação da patente custou mais de meio milhão de dólares em advogados, intervenção de ativistas sociais, do governo do México e do Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), com sede na cidade colombiana de Cali. Além disso, representou perdas para os agricultores mexicanos, que não podiam vender nos Estados Unidos uma leguminosa exatamente igual à de Proctor, presidente da empresa de sementes POD-NERS. Entre advogados e trâmites, o suposto inventor obteve lucros com um feijão que havia comprado em um mercado do México, em 1994.
Do pacote adquirido selecionou os grãos amarelos e os cultivou. Depois pegou os de melhor aspecto até conseguir, mediante cruzamentos, o que descreveu como uma população uniforme e de cor amarela. Em 1996, pediu a patente, que lhe foi concedida em abril de 1999 com o nome de Enola. Neste caso, as normas do Escritório de Patentes foram “um claro incentivo ao mau comportamento, a ganhar por meio de um engano”, disse Martínez, que coordenou o livro “Geração e Proteção do Conhecimento: Propriedade Intelectual, Inovação e Desenvolvimento Econômico”, apresentado em abril pela Cepal. O livro indica que o sistema norte-americano de patentes, o mais desenvolvido do mundo, foi criado para incentivar a inovação e a pesquisa científica.
Entretanto, com o passar do tempo muitas patentes se converteram em moeda de troca entre corporações e em ingredientes de um mercado onde os paises do Sul em desenvolvimento perdem, tanto por falta de inovação quanto por escasso conhecimento e uso do instrumento da propriedade intelectual. “Sei de um costarriquenho, de quem roubaram seu invento, que foi se informar sobre o que poderia fazer, pois o patentearam nos Estados Unidos. Foi aconselhado que era melhor esquecer o assunto, a menos que estivesse disposto a gastar, durante anos, dinheiro com advogados e viagens sem que nada lhe garantisse a revogação da patente”, disse Martínez.
Segundo Silvia Ribeiro, pesquisadora e diretora do não-governamental Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC), o feijão mexicano mostra claramente o quanto pode ser “ruim” o sistema norte-americano de patentes. “Neste caso agiram sem nenhum rigor, pois desde o princípio nós advertimos com o grupo que essa patente não tinha sentido. Foi o roubo de um feijão mexicano”, afirmou Ribeiro ao Terramérica. A patente mostrou que a biopirataria pode chegar a extremos, acrescentou. Biopirataria é um termo criado por alguns ecologistas para definir o registro doloso de conhecimentos alheios e ancestrais sobre plantas ou seres vivos originários do Sul.
Atribui-se, em geral, essa prátca a cientistas e empresas do mundo rico.
Conseguir a revogação da patente do Enola parecia simples, assim que no primeiro ano e depois de receber a queixa dos agricultores e do ETC, o governo do México interveio junto ao escritório norte-americano de patentes. Mas não teve êxito, apesar de gastar US$ 250 mil com advogados. O CIAT tomou a proposta, argumentando que era necessário defender os direitos de milhões de camponeses latino-americanos que cultivam essa leguminosa há séculos. O CIAT abriga a maior reserva mundial deste alimento, com 35 mil variedades, 260 delas amarelas e seis idênticas ao Enola.
O diretor-geral desse centro, Geoffrey Hawtin, saudou a medida, mas repudiou que tenha demorado tanto tempo. O demandado apelou para mecanismos legais a fim de adiar a decisão e continuar se aproveitando economicamente do feijão, afirmou. “Sem necessidade, os agricultores tiveram que sofrer durante vários anos ameaças jurídicas e intimidações simplesmente por plantar, vender ou exportar um feijão cultivado durante gerações”, acrescentou. Entretanto, os dados disponíveis não sugerem que o caso Proctor tenha representado uma debacle no México, pois o feijão amarelo é pouco exportado e pouco consumido, ao contrário do preto.
No México, a produção de feijão, majoritariamente preto, passou de 887.808 toneladas em 2000 para 1,36 milhão de toneladas em 2006. Nesse mesmo período, as exportações para os Estados Unidos aumentaram de 5.525 para 12.203 toneladas. Quanto às importações, entre 2000 e 2006 dispararam de 61.869 para 130.741 toneladas. No país, 1,8 milhões de hectares estão semeados com feijão e 570 mil pessoas o cultivam. Embora seja um trabalho antiqüíssimo, seu rendimento médio é de 731 quilos por hectare, contra 1,6 toneladas nos Estados Unidos.
* O autor é correspondente da IPS/Envolverde.
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