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10 junho 2008

BANCOS: ABERTURA NÃO FAVORECEU CONCORRÊNCIA

Estudo aponta que abertura do setor bancário ao capital estrangeiro na década de 1990 não aumentou a concorrência e não ampliou nem barateou a oferta de crédito no país, contradizendo discurso adotado por governo federal e banqueiros

Discursos e contradições

Por Alex Sander Alcântara,

Agência FAPESP (10/06/2008) Ao contrário do que se pregava na década de 1990, a abertura do setor bancário ao capital estrangeiro não aumentou a concorrência, não ampliou e nem barateou a oferta de crédito no país. Essa é uma das conclusões de uma pesquisa publicada na revista Nova Economia.

O objetivo do estudo foi analisar o discurso adotado pelo governo federal e por banqueiros por ocasião da abertura e avaliar suas contradições com as estratégias de fato seguidas.

De acordo com Carlos Eduardo Carvalho, professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e um dos autores da pesquisa, o trabalho aponta que os grupos estrangeiros queriam entrar no mercado brasileiro para obter os mesmos lucros altos dos bancos brasileiros e prometiam “mudanças e inovações”, sem explicar do que se tratava.

“No caso do governo o discurso falava em eficiência, mas o objetivo era equacionar os efeitos da crise de 1994 e 1995, com a absorção dos bancos quebrados, e viabilizar a privatização dos bancos estaduais”, disse Carvalho à Agência FAPESP.

“A partir de 1998, a entrada de recursos externos para combater a crise cambial se tornou um motivo a mais para o interesse do governo na entrada de recursos externos por parte dos bancos estrangeiros, argumento que também não estava no discurso oficial”, afirmou Carvalho. O outro autor do estudo é Carlos Augusto Vidotto, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense.

Segundo o estudo, a defesa da abertura pelo governo escondia o interesse de favorecer a estabilidade do setor bancário e da economia. Já o capital privado estrangeiro procurou explorar o mercado bancário brasileiro sob condições preexistentes, sem alterá-las.

Os autores concluem também que a aquisição de instituições nacionais privadas de grande e médio porte frustrou o governo, cujo objetivo era condicionar a entrada dos bancos estrangeiros à aquisição de bancos estaduais federalizados.

Os argumentos para a abertura, segundo Carvalho, giravam em torno da maior base de capital e superioridade operacional e competitiva do capital estrangeiro, “com os custos mais baixos sendo repassados aos tomadores de crédito e usuários de serviços bancários”.

A hipótese estava baseada na premissa, de acordo com Carvalho, de que o setor bancário seria semelhante a um modelo de concorrência perfeita, em que custos mais baixos seriam repassados aos tomadores de crédito e usuários.

“Mas ele, no entanto, opera como um típico setor oligopolizado, em que os bancos mais fortes conseguem direcionar a concorrência para formas e mecanismos que preservem margens elevadas para todos. A concorrência existe, e é feroz, mas dificilmente se dará pela prática de preços mais baixos para os tomadores de crédito e usuários. No caso brasileiro, os estrangeiros optaram por se adaptar às formas de concorrência predominantes e se ‘abrasileiraram’”, destacou.

Pouca mudança na liderança

Do lado do governo, além das declarações públicas, o estudo analisou o documento que explica as motivações para a abertura do setor bancário: a Exposição de Motivos nº 311 (EM-311), de 1995, em que o ministro da Fazenda propõe ao presidente da República que utilize as prerrogativas constitucionais “para reconhecer como de interesse do governo brasileiro a participação ou o aumento do percentual de participação de pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no exterior, no capital de instituições financeiras nacionais”.

De acordo com Carvalho, a EM-311 não pode ser considerada um marco regulatório, mas apenas uma justificativa para as decisões que o presidente da República já podia adotar, segundo a legislação vigente.

“Desde a aprovação da Constituição de 1988, prevaleceu a orientação de não definir um marco regulatório claro para o setor bancário. Não se regulamentou a artigo 192 e, por fim, decidiu-se retirar do seu conteúdo tudo que não fosse a definição genérica, decisão esta tomada no Congresso no início do primeiro mandato de Lula. Assim, não há contrapartidas definidas para o ingresso dos estrangeiros”, afirmou Carvalho, salientando que a orientação do Banco Central foi de induzi-los a adquirir os bancos quebrados e os estaduais federalizados.

Segundo o professor da PUC-SP, o momento da edição da EM-311 era bastante delicado. Semanas antes, no início de agosto, o governo decidira liquidar o Banco Econômico, o primeiro dos grandes bancos privados a quebrar depois do Plano Real.

“A liquidação do Econômico vinha sendo postergada por meses, provavelmente pelo risco de deterioração das expectativas sobre a economia brasileira em meio às ondas de choque deflagradas pela crise mexicana de dezembro do ano anterior. É possível afirmar que todo o discurso sobre a situação do setor bancário brasileiro estivera encobrindo o receio de fragilização generalizada do sistema, processo em curso na Argentina e no México naquele momento”, disse.

Já em relação à proposta da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) de limitar em 30% a participação estrangeira, o governo nunca se manifestou publicamente, mas, na prática, segundo o estudo, o limite acabou sendo observado.

Para analisar o discurso dos banqueiros, a pesquisa utilizou quatro entrevistas realizadas no curso da pesquisa “Desnacionalização do setor bancário e financiamento da empresa nacional”, publicada como texto de discussão pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2002.

Foram selecionados dois diretores e dois gerentes regionais. Os participantes foram informados sobre o assunto e não sabiam quem eram os outros entrevistados. Três deles pediram sigilo completo, inclusive em relação ao nome dos bancos em que trabalham.

O estudo destaca, nas entrevistas, que os bancos estrangeiros pretendiam atuar no mercado brasileiro para explorá-lo como ele era. Estava ausente, portanto, o propósito de contestar as formas de concorrência vigentes. “Ficou claro em todas as entrevistas que a disputa por meio de preço, no crédito ou em serviços, não seria a principal forma de concorrência dos estrangeiros”, disse Carvalho.

A presença dos bancos estrangeiros pouco mudou o setor bancário brasileiro no que se refere a preço de serviços, custo do crédito e facilidade de acesso. Segundo o pesquisador, a entrada dos estrangeiros acirrou a concorrência no setor bancário e impulsionou os bancos brasileiros a melhorar seu desempenho, para manter seus lucros e preservar a participação no mercado, mas isso não se deu pela melhoria de preços.

“O acesso se ampliou, com significativa expansão do crédito, mas isso foi impulsionado pelo quadro econômico favorável, pela queda dos juros e por medidas governamentais específicas. Esse processo ocorreria mesmo sem os estrangeiros”, salientou.

Outro ponto salientado é que a entrada dos estrangeiros não impediu que fosse preservado o predomínio do capital brasileiro no sistema financeiro nacional. Os bancos locais não só resistiram como ainda recuperaram participação relativa, nos anos mais recentes.

“Esse resultado não se dissocia da presença estatal nesses mercados, atuando tanto sob lógica comercial como orientado ao fomento de crédito. Essa predominância contrasta com a experiência de outros países da América Latina, que têm seus espaços de negócios financeiros ocupados pelo capital estrangeiro”, disse Carvalho.

Para ler o artigo 'Abertura do setor bancário ao capital estrangeiro nos anos 1990: os objetivos e o discurso do governo e dos banqueiros', disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.